O assassinato de Barack Obama - Affonso Romano de Sant'Anna

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Há algo grave e sintomático ocorrendo nas conversas e circulando na internet e forçoso é trazer isto à tona, até mesmo para furar o tumor e evitar a tragédia. Trata-se do imaginado assassinato de Barack Obama, negro de origem africana que concorre pelos democratas à presidência dos Estados Unidos.

A primeira vez que ouvi referência a esse "assassinato anunciado", pre/visto, ainda que não desejável por meu interlocutor, foi numa conversa de vários intelectuais, na qual, um cientista social de renome internacional em meio a uma festa, levantou a hipótese de que Barack Obama ia ser assassinado, só não se sabia se seria antes ou depois da eleição.

A questão era posta de maneira axiomática, em tom de tragédia grega. Diante das características conservadoras e reacionárias de grande parte do povo norte-americano, não havia outra hipótese. Algum alucinado, comandado ou não pela CIA ou pela Ku-Klux-Kan, ou então, num complô onde entraria de tudo, tanto terroristas islâmicos quanto ultra conservadores da linha Bush, acabaria por executar um gesto que está no inconsciente da "América profunda".

Alguém também comentou que há até uma bolsa de apostas em Londres anotando os lances desse jogo fatal. E para piorar as coisas, ainda nesses dias, recebi pelo email esse texto que transcrevo e jogo logo nos jornais de papel para ajudar a fazer a punção nessa ferida ideológica. Eis o texto, que exercita duplamente o "humor negro":

"Lá estava o bom e velho São Pedro, batendo ponto nos Portais do Paraíso, verificando a fila de pessoas que esperavam para entrar nos Céus. Ele pergunta ao próximo da fila:

- E aí, quem é você e o que fazia na Terra?

- Meu nome é Barack Obama e eu fui o primeiro negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos!

- Dos Estados Unidos? Um presidente negro? Você está me gozando? Quando aconteceu isso?

E Obama:

- Cerca de 20 minutos atrás..."

Leio isto e penso em duas coisas. O inconsciente dos países e culturas é mais óbvio do que se pensa. Daí termos que prever certas coisas para evitá-las. No Brasil, uma das constantes do nosso inconsciente é a noção de que aqui, certas coisas "não vão dar certo". Vendo, por exemplo, aquela fantástica abertura dos jogos em Pequim, aquela torre em que se movimentavam bailarinos e atletas formando rosas, correndo de baixo para cima e girando fantasticamente, o brasileiro se dizia: se fosse aqui não ia dar certo, alguém ia cair, a luz ia faltar, algo ia desabar.

Pois nos Estados Unidos é esse pânico diante de um negro, de um latino, de um árabe ou qualquer marciano. E como é uma sociedade que se vangloria de dizer as coisas como são, de não ficar fazendo circunlóquios, lá a verdade não é mestiça, o branco é branco e preto é preto. Daí aquela expressão:"don't beat around de bush" (não fique rodeando, batendo ao redor da moita, desça logo o cacete). Nunca um "bush" foi tão autorizado pelo inconsciente social.

Deveria eu ter tocado publicamente neste assunto? Teriam os jornais americanos a coragem de tal abordagem, divulgar publicamente esse humor nigérrimo? Temeriam despertar a fúria criminosa de grupos e indivíduos? Ou será que não escamoteando a questão, mas denunciando-a e podemos ultrapassá-la, fazendo com que o veneno cure o próprio veneno?

Os antigos conheciam um tipo de morte virtual chamada " morte em efígie". Ao invés de matar uma pessoa, destruíam sua efígie, sua imagem. Pois Barack Obama tem que lutar contra esses dois tipos de morte, a virtual e a real.

(*) texto publicado nos Jornais ESTADO DE MINAS e CORREIO BRAZILIENSE, em 07.09.2008.

http://www.paulacajaty.com/index.php?option=com_content&view=article&id=262:o-assassinato-de-barack-obama&catid=24:contos&Itemid=30

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 07/10/2009
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