Acordando no amanhã

Já é de manhã e preciso ir trabalhar.

Pensei que fosse um pesadelo... Mas não era.

Estava encharcado de suor. Estava muito quente, e lá fora mais quente ainda, e dizem que a tendência é ficar ainda mais.

Droga, queria poder me mudar para um alojamento com um sistema de refrigeração decente.

Levanto-me da cama e caminho até a janela. Era a paisagem de sempre, a mesma areia vermelha que se estende até o horizonte, e o mesmo Sol que queima e nunca se punha.

Quando era criança, tudo era mais fácil. A água era abundante, e na mesa sempre havia algo gostoso para se comer.

Aos fins de semana íamos visitar meus avós. Lá eles tinham até um animal de companhia doméstico, um cão chamado Pepe. Da última vez até choveu, e pudemos ficamos uma tarde inteira olhando a chuva cair lá fora.

Lembro melhor da feição de meus avós de que de meus próprios pais. Acho que é porque naquela época não precisavam usar máscaras de filtro.

Meu corpo dói. Acho que o nível de morfoglobina de meu sangue aumentou.

Bem que meu turno poderia terminar mais cedo hoje. Afinal, dizem que é Natal, e as pessoas costumavam comemorar essa data. Acho que era algo relacionado com alguma religião, não sei bem. Quem me disse foi o Lucas.

Ah, o velho Lucas. Esse sim sabe das coisas. Sempre nos dizia para aproveitar as pequenas coisas da vida. Nunca se queixou da vida, nem quando perdeu as mãos tentando consertar um autômato defeituoso.

Trabalhava em um viveiro de vegetais, e realmente entendia de Natureza. Uma vez me convidou para ver uma planta que levou para seu quarto. Sim, apesar de ilegal ele mantinha uma planta em seu próprio quarto. Ele até deu um nome de "Margarida" para ela.

Dizia que antigamente o planeta inteiro era repleto de plantas. Os humanos e natureza viviam em harmonia. Eram muitas florestas, parques e bosques. As crianças podiam sair correndo livremente pelos campos sem qualquer preocupação.

Difícil de acreditar.

Lá fora, nenhum animal ou pessoa poderia sobreviver sem um traje protetor. Por isso vivemmos em complexos subterrâneos, cercados de metais e cheirando à óleo de máquina.

Acho que não seria mal ter uma planta aqui para me fazer companhia. Mas tenho medo das toxinas delas. Lucas diz que é um medo bobo, porque nem todas as plantas foram afetadas pela radiação.

Mesmo assim, um colega disse que um amigo de um conhecido ficou cego ao tocar em uma planta sem as luvas. Apesar de meus olhos serem artificiais, prefiro não arriscar.

A chaleira elétrica informa que o café está pronto. Bem, não é bem "café" já que são grãos sintéticos. Tudo bem, porque não conheço como é o verdadeiro, mas dizem que o gosto é até parecido.

Lucas diz que é fácil se acostumar a uma mentira, se você não está preparado para a verdade.

E como seria a verdade?

Só sei que já é de manhã, e preciso ir trabalhar.

Pensei que fosse um pesadelo... Mas não era.

Miguel do Lucari
Enviado por Miguel do Lucari em 20/09/2009
Reeditado em 20/09/2009
Código do texto: T1821843
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