A Lenda do Espírito da Pedreira

Paula voltava do cursinho, à noite. Como de praxe, ao chegar em casa, abria a caixa de correio e passava a chave no portão. Só que, naquela noite, havia algo estranho na caixa de correio…

“BEIJE ALGUÉM QUE VOCÊ AMA, QUANDO RECEBER ESTA CARTA!

Ela rodou o mundo inteiro por 9 meses. A sorte veio até você. Você terá sorte nos próximos 4 dias.

LEIA COM ATENÇÃO!

Isto não é brincadeira. Após receber esta carta você receberá uma grande sorte. Envie pelo correio, para uma pessoa que você acha que precisa de sorte. Não mande dinheiro, pois a felicidade não tem preço. Envie amor; esta carta deve sair de suas mãos dentro de 96 horas — um oficial da FAB recebeu 70 mil dólares, e José Elliot recebeu 40 mil dólares e perdeu porque quebrou a corrente nas Filipinas. Canaludo perdeu a esposa porque desconfiou da carta. Recebeu porém 7775 mil dólares antes do ocorrido. Envie 20 cópias e observe o que acontece em 4 dias, a sorte vem em 4 dias de qualquer maneira, mas lhe é tirada depois se você não mandar as 20 cópias. A corrente vem da Venezuela e foi escrita por Saul Anieveni Darão, um missionário da América do Sul. A carta deve ficar circulando o mundo. Você terá que fazer 20 cópias e enviá-las a amigos e conhecidos, após alguns dias você receberá uma grande surpresa e visto isto ser verdadeiro, acredite, não é superstição, note o seguinte: Constantino Dias recebeu a carta em 1953, mandou a secretária fazer 20 cópias e então em alguns dias ele ganhou milhões de dólares na loteria. Carlos Darieli, um funcionário público, recebeu a carta e deixou em seu poder por mais de 96 horas; perdeu o emprego. Mais tarde lembrou-se da carta, tirou 20 cópias, enviou aos amigos, como resultado conseguiu um emprego melhor que o anterior. Dalhan morreu 9 dias depois de tê-la jogado fora.

Não mande dinheiro com a carta, mande amor, saúde e riqueza. Acredite, ela funciona.

MANDE AMOR!”

Amor. Paula terminou de ler. Voltou à primeira frase. Algumas pessoas não podiam fazer isso. Podia ser algo tão simples para os outros, mas para ela, já não era mais. Lembrou-se do Fernando. Pensou na existência de outras pessoas na mesma situação. Pensou também se esse grupo de pessoas seria minoria no mundo ou não. Sentiu vontade de amassar aquele pedaço de papel e jogá-lo longe. Mas não o fez. De repente, teve uma idéia melhor, uma inspiração macabra.

Sentou-se em frente ao micro e carregou o editor de textos. Ligou o rádio, mas não conseguiu encontrar a trilha sonora adequada para o momento. Procurou algo melhor entre suas fitas, e acabou colocando Napalm Death no som de seu quarto.

Começou então a alimentar o sentimento de violência que a acompanhava. Não uma violência física, explícita, mas um ódio maior contido no seu íntimo. Lembrou-se do professor de Ótica que a mandou para fora da sala de aula naquele dia, quando apenas perguntava a data do primeiro simulado para uma colega. Realmente havia muita bagunça naquele momento, e o professor resolveu eleger alguém para Cristo. Seria muito mais ridículo tentar se desculpar ou negar, pois não era qualquer professor, era o professor de Ótica! Com ele, não dava. Lembrou-se dos idiotas de boné importado que mexeram com ela no ponto de ônibus. Estava até certo ponto acostumada com o assédio masculino, por ser um dos melhores espécimes de uma curitibana de 17 anos classe média. Mas a respeito daqueles idiotas, ela sentiu nojo. E ódio, por ter que ficar calada e fingir que não era com ela. Novamente pensou no Fernando. Lembrou-se da mãe, minutos atrás, perguntando o motivo de ter vindo mais cedo, e lembrou-se da desculpa inventada: “Não teve a última aula hoje…”.

Nunca foi uma pessoa negativista, mas estava sentindo agora um ódio puro, irracional. Se comportava como uma boa moça com todos, mas percebia a violência íntima crescendo a cada dia. Algumas vezes se assustava ao notar isso; outras vezes isso só a fazia sentir-se melhor.

Aquele som martelado e distorcido lhe serviu de inspiração:

“FAÇA O SINAL DA CRUZ, QUANDO RECEBER ESSA CARTA! VOCÊ VAI PRECISAR…

Ela roda o mundo há meses, por culpa de alguém que se sentiu traído. Você foi amaldiçoado. Agora é a sua vez de pagar pela maldade do coração dos homens. Você está condenado pelos próximos 4 dias.

LEIA COM ATENÇÃO!

Isto não é brincadeira. Após receber esta carta você receberá uma grande maldição. Envie pelo correio, para uma pessoa que você acha que deve pagar no seu lugar. A felicidade, para alguns, tem preço: arruinar alguém. Livre-se do seu ódio; esta carta deve sair de suas mãos dentro de 96 horas — quem quebra essa corrente pagará pelo resto da vida. Várias pessoas perderam tudo, casamento, dinheiro, emprego, por não terem acreditado nessa maldição. Envie 20 cópias e observe o que acontece em 4 dias, seus inimigos cairão em 4 dias de qualquer maneira, mas tornar-se-ão mais poderosos e acabarão com a sua vida se você não mandar as 20 cópias. Essa corrente começou na Venezuela e foi escrita pela ex-mulher de Saul Anieveni Darão, um missionário da América do Sul, que se preocupava mais com quem não merecia ajuda que com quem realmente se importava com ele. A carta deve ficar circulando o mundo. Você terá que fazer 20 cópias e enviá-las a inimigos e desafetos, após alguns dias você receberá uma grande surpresa. Acredite, não é superstição, trata-se de uma maldição: se você fizer o que a pessoa que lhe mandou essa carta fez, você nada sofrerá, sua vida continuará a mesma. No começo, essa maldição caiu numa mulher que não merecia sofrer pela maldade humana; o que ela fez foi livrar-se disso, mandando a punição para as pessoas que realmente merecem pagar. Se você não for uma delas, pagará mesmo assim, pois o mundo não é justo com todos. Por isso você recebeu uma chance de livrar-se da praga: passe adiante ou pague pelo mal que os homens fazem. No mundo todo, vários são os casos de pessoas que arruinaram suas vidas por desconfiar desta carta. Muitas prefeririam a morte a passar pela punição de tê-la jogado fora.

Você pode ser uma pessoa feliz. Livre-se de todos os seus rancores e mágoas, para poder alcançar o amor, saúde e riqueza. A felicidade não se ganha, ela se evidencia ao nos livrarmos do lado podre humano que todos carregamos. Acredite, ela funciona!

MANDE ÓDIO!”

Preparou a impressora. As vinte cartas foram saindo, uma a uma, enquanto Paula pensava na podridão das relações humanas, o que sobra para alguém que se entrega de corpo e alma para uma outra pessoa que não retribui esses preciosos sentimentos, básicos e necessários para qualquer ser humano. Ela nada fez para merecer passar por tudo aquilo, não cometeu nenhum crime, apenas confiou em alguém que, certa vez, a iludiu, dizendo que a amava, só para aproveitar-se fisicamente dela. E ela estava cega, apaixonada.

Repentinamente, se deu conta que tudo que estava fazendo agora era de forma automática, como se ela tivesse sido programada para isso: envelopar as cartas. Era mais um dos vários sentimentos estranhos que tomavam posse dela agora. No fundo, estava agindo por instinto, quando saiu de casa e começou a distribuir as suas cartas entre os vizinhos, e sentia-se simplesmente… estranha. Como se estivesse entorpecida, mas ela não era viciada… era um narcótico natural produzido por seu corpo, pensou. Talvez estivesse ficado louca por tudo o que se passou com ela nas últimas semanas… talvez fosse louca, e só agora tenha percebido.

— Você é surda, amor? — perguntou o playboy no volante do Eclipse verde parado à sua frente. Ela estava para atravessar a rua, mas ficou ali, imóvel, olhando para o nada, quando o sujeito que ela nunca tinha visto antes a abordou, tentando dar uma cantada barata, que ela não tinha conseguido ouvir, por simplesmente não estar ali…

— Que… que foi?

— Ah, se não quiser vir, pelos menos diga “não”, caramba! Não fique aí, fingindo que não é com você…

Ele já tinha engatado a primeira marcha, quando ela respondeu:

— Tá bom… — entrou no carro e perdeu-se de vista.

Duas sombras eram projetadas na calçada pelo poste de iluminação, porém sem os respectivos donos. Uma falava com a outra:

— Ah, eu falei para você, Moacir…

— Tem certeza?

— Absoluta. Ela é um de nós. Ou melhor, será, um dia. Aí eu poderei descansar, finalmente.

— Sabe o que é? É que eu acho que nós não deveríamos ter interferido…

— Não, nós não interferimos, apenas mostramos o caminho. Ela chegaria lá, de qualquer jeito…

— Bom, tomara que você tenha razão.

— Claro, Moacir, será que você não percebe? O estrago — ou a graça, não sei como você encara isso —está feito. Não é mais uma dessas crises próprias da idade, a sua maldade é genuína. O que ela precisava era de um estopim… e agora, pode ter certeza, ela chegará lá.

— O que Ele quer…

— Sim. Ainda bem, para nós. Ou para mim. Nunca me considerei um mau elemento.

— É, eu também perdi a conta de quantas vezes já me arrependi…

— Mas ela vai nos substituir, meu amigo. Foi fácil perceber que tinha que ser ela: o Mal encontrou abrigo na sua inocente alma… A semente foi plantada; não quero estar por perto quando ela germinar!

— Você fala como um poeta, Paulo.

— Eu era um poeta, meu amigo. Aliás, era tudo o que eu achava que era antes: poeta e atleticano. Antes d’Ele…

— Vamos mudar de assunto. Ele pode nos escutar…

— É, tem razão…

As sombras desapareceram. “Meu Deus, eu estou… gostando!” — pensou Paula, boquiaberta.