A Sina (parte 1/2)

— Richard, videofone! — avisou rapidamente Anthony, de passagem pela sala do Dr. Hoerner, já se dirigindo para o Setor F. O “doutor” ainda não justificava sua graduação acadêmica, mas a forma pela qual os colegas o tratavam na faculdade tornou o termo oficioso. Hoje, até os doutores do seu convívio o chamavam assim; na verdade, nem se importavam com esse detalhe. Mais cedo ou mais tarde, o jovem e dedicado Richard Hoerner acabaria por se tornar um deles.

Richard fez que sim com a cabeça, mas sem desviar os olhos do livro. Desligou-o então (o livro), e pediu:

— Jones, conexão. — ouviu então o sinal característico.

Encostou-se então à cadeira, suspirando, pois não gostava de ser interrompido no meio de suas pesquisas. Certamente seria Harold novamente, com alguma pergunta estúpida sobre sincronismo padrão sete. Já havia pensado seriamente em pedir a substituição do estagiário; talvez o pobre rapaz não levasse jeito para Engenharia Bio-Eletrônica…

— Bom dia, Dr. Hoerner. — e Jones abria sua tela para conexão videofônica.

Richard apenas ouviu a saudação, pois se encontrava olhando para o teto, divagando sobre a qualidade de trabalho no recente Centro de Bioengenharia Aplicada da Universidade de Harvard. Mas aquela voz, facilmente identificável pelo sotaque britânico, trouxe-o de volta a sua sala de trabalho.

— Dr. Samson? Oh… Bom dia, Dr., a que devo a honr… — e Richard ajeitou-se no assento, assustado pela conexão inesperada com um dos diretores mais importantes, e, por isso mesmo, dos mais inacessíveis da universidade.

— Dr. Hoerner, sem maiores delongas, fiz questão de informá-lo pessoalmente… Meus parabéns, Hoerner!

— Ah… o quê!? Quer dizer que eu… — Richard sabia que quando Jefferson Samson o tratava pelo sobrenome, sem usar o “apelido” acadêmico, não se tratava de uma ocasião corriqueira.

— É, isso mesmo. Acabei de receber o comunicado diretamente do Ministério. Seu projeto de pesquisa foi considerado aceitável, e os fundos de financiamento já se encontram disponíveis. Aliás, crédito AA.

Richard arregalou os olhos, sussurrando um “Yeah!” baixinho:

— Ah, obrigado, Dr. Samson! Obrigado mesmo!

— Pois bem, Dr. Hoerner, o senhor sabe que são poucas as vezes que eu me envolvo com aquele pessoal do governo, e que, hoje, poucas são as pessoas de Harvard que conseguem crédito total para suas pesquisas…

— Certamente, senhor, e lhe devo minha eterna gratidão… — aquela expressão vulgar escapou-lhe no momento, deixando Richard um pouco ressabiado com o tratamento não adequado dado àquele figurão da universidade. Porém a sensação durou apenas alguns segundos, pois o diretor não pareceu ouví-lo… “Que se dane!” — pensou.

— O que quero dizer é que o senhor deve ficar ciente agora da responsabilidade que está assumindo. Nós conseguimos lhe dar a sua oportunidade…

“A oportunidade da minha vida…”, concordava Richard, em pensamento. Finalmente, depois de tanta burocracia, tanta espera, teria a chance de gravar se nome na História. Ou alcançar a fama. Ou o dinheiro, ao menos. Mas sem Carol, aquilo teria algum sentido?

Novamente a voz do Dr. Samsom fazia-o voltar à realidade:

— …de modo que o nome de Harvard está em jogo. Isso é importante, Hoerner.

— Sim, senhor… — ficava repetindo, mecanicamente.

— Bem, creio que seja evidente para o senhor que adotaremos os procedimentos de praxe. Em outras palavras, serão necessários os relatórios diários, tudo bem? Sabe que eu terei de prestar contas ao pessoal do Ministério…

— Certamente, senhor. Não se preocupe a respeito disso. Faremos tudo conforme as normas.

— Está certo, então. Bom, agora vou encerrar a conexão, pois trabalho é o que não lhe falta, não? Além do mais, tenho ainda muitas reuniões com o pessoal do Steve essa manhã. Saudações, Dr. Hoerner.

— Novamente, muito obrigado, Dr. Samsom. Em nome de toda minha equipe, agradeço-lhe a atenção dispensada com o projeto. Saudações…

A tela de Jones fechou antes que Richard pudesse terminar a última sílaba, mas ele já estava acostumado com isso. Era a grande diferença da hierarquia. O alto grau de autoridade de Jefferson Samsom permitia-lhe o descaso. Intimamente, não considerava o Dr. Samson uma grande pessoa. Mas devia respeitá-lo e bajulá-lo, para manter o status do cargo na universidade. Essa era a principal regra não-oficial que todos os profissionais do Centro conheciam e respeitavam. Ao levantar-se da cadeira, apareceu a idéia que talvez Harold pensasse o mesmo em relação a sua pessoa…

Carol Hartt nasceu em 1999, assim como Richard. Em Detroit, assim como Richard.

Aquele ano era um tanto especial. Apesar da (quase) paz mundial alcançada, nenhum conflito de grande importância acontecendo, muitas pessoas aguardavam o novo século de maneiras diferentes. Algumas, ansiosas, esperavam que o novo século acabasse com toda a especulação sobre o “Fim do Mundo”. Outras esperavam, mais ansiosas ainda, o “Fim do Mundo”. Enquanto alguns esperavam que o 3º Anti-Cristo desse as caras naquele ano, outros afirmavam que o grande Armaggedon seria no ano seguinte. Muitas seitas surgiram nos últimos anos do século XX. Acontecendo o que acontecesse, a humanidade nunca chegaria a pisar no ano 2001 — essa era a mensagem dessas seitas, de modo geral.

Aconteceu então que o século XXI bateu às portas da raça humana. No entanto, aquele grandioso Fim não tinha chegado. Ocorreram muitos suicídios, incêndios criminosos, ações terroristas, pelo desespero dos membros das seitas, em todo o planeta. Nostradamus havia errado. Ao menos, se enganou um pouco nos cálculos, diziam os mais pessimistas. Mais alguns anos, e a gente da Terra sentiria a ira do Apocalipse, proclamavam as poucas seitas de então.

Em 2010, não existiam mais seitas, ao menos no noticiário da TV. Mas Carol cresceu naquele ambiente um tanto inseguro, e no seu íntimo ainda temia o futuro, embora não falasse isso abertamente.

Voltava da escola com Richard, seu “melhor amigo-homem”, na definição sexista de sua mente de menina de família tradicional. A distância da escola até suas respectivas casas até justificavam o uso de um ônibus, mas Carol gostava de passar o tempo conversando com Richard, e acabou convencendo-o a irem a pé, para passar uns poucos minutos juntos, tagarelando suas aventuras infantis. A distância da casa de Richard até a escola ficava à distância da casa de Carol até a escola, mais três quarteirões. E assim era: estudavam de manhã, no mesmo colégio público. Richard ia de ônibus, e Carol era levada de carro pela mãe. Mas na volta, juntos, a pé.

— …mas eu sempre tive um pouco de medo, quando eu era criança, Richard.

— Besteira. Nunca aconteceu nada de mais.

— Eu sei, mas é que surgiram muitas histórias. As pessoas iriam morrer todas juntas, de uma vez só, numa catrástofe mundial…

— Catástrofe, Carol. Catástrofe.

— É… Já pensou?

— Bom, quando eu tinha uns cinco ou seis anos, meu pai falou disso comigo. Ele disse que eu não devia ter medo de nada, que era tudo bobagem. Ele me contou que, no ano 999, as pessoas também pensavam a mesma coisa. Que no ano 1000, o mundo ia explodir, sei lá. Mas é superstição. Estamos vivos, né, Carol?

— Sim, lógico. “O Fim dos Tempos” — você viu aquele filme?

—Vi. É só história, mesmo. Meu pai falou que as pessoas não gostam de números como 1000, 2000, 3000… Redondos, sabe? Por isso ficam inventando esse negócio de… Fim dos Tempos. Superstição.

— Eu tinha pesadelos, quando eu era pequena… É que falavam tanta coisa horrível…

— Lendas, Carol. Existe muita gente maluca no mundo, criando essas coisas.

Carol sentiu-se um tanto inferiorizada com os argumentos do amigo. Tentou falar algo mais “inteligente”:

— Sabe, ontem eu estava de bobeira, procurando alguma coisa interessante na Internet Pro, pra passar o tempo. Aí achei um documentário, sobre essas… lendas. As pessoas do século XX chamavam de profecias.

— Sei.

— Tinha cada coisa medonha… Sabe, tinha um tal de Joe Webb, que viva de interpretar essas profecias, de gente que já havia morrido, em séculos anteriores. E, segundo ele, as pessoas que nascessem no ano de 1999 seriam as últimas representantes da nossa raça. Humanos, sabe? As pessoas que nascessem naquele ano seriam os últimos a morrer, ou seriam os mais velhos, acho, porque a partir de 2000 ninguém mais nasceria…

— Ninguém iria nascer mais no mundo?

— Pois é. Já pensou?

— Hmm, até que seria legal… — ironizou o colega.

— Ah, lembrei a palavra que ele usou: sina. As pessoas nascidas naquele ano carregariam uma sina. Seriam amaldiçoadas, infelizes.

— Infelizes?

— É, parece que nunca poderiam levar uma vida normal, crescer, casar, ter filhos…

O longo cabelo loiro de Carol se desarrumou. Um pé-de-vento os pegou, por trás. Ela fez um rabo-de-cavalo.

— Que foi, Richard?

— Nada… É que… você nunca usou… quer dizer… você tá sempre de cabelo solto, né? — ajeitou os óculos, que teimavam em descer pelo nariz.

— Você me acha bonita, Richard?

O garoto corou um pouco. Abriu a boca, mas sua voz não saiu. Deu de ombros. “Garotas…” — pensou…

— E assim os humanos desapareceriam da Terra? — voltou ao assunto.

— Ah, segundo ele, sim.

Chegaram à residência dos Hartt. Alice, a caçula, brincava com seu visualizador 3D em frente da escada da casa.

Richard tentou finalizar o assunto:

— Bom, esse Joe não-sei-o-quê…

— Webb.

— É, era mais um desses malucos. Ninguém mais iria nascer? Olha só sua irmã ali, feliz da vida. É como diz meu pai: superstição. O mundo está aí, inteirinho, Carol. Como sempre esteve.

— Eu sei. Não tenho mais medo dessas histórias. Só acho um assunto interessante, Richard. Aliás, aquele cara publicou um livro: The Children Of The Damned. Vou ver se existe no acervo da Biblioteca Nacional…

— Bom, dizem que lá tem de tudo, né?

— …pois é. Se existir, vou pedir o empréstimo pela Internet Pro.

— Tá bom, Carol. Olha, se eu fosse você, não perdia tempo com isso. Ainda mais que o teste de Circuitos Básicos é depois de amanhã… Bom, acho que já vou indo. Tchau!

— Até amanhã, Richard… — aproximou-se, beijou seu rosto e deu as costas.

Richard não conseguiu evitar aquele beijo final. Felizmente, nenhum amigo seu estava na rua naquele momento. Suspirou e se pôs a caminho do lar.

— Richard!

— … — ele se voltou.

— Você também nasceu em 1999, né?

— … — fez que sim com a cabeça.

Carol sorriu, repetindo o gesto do amigo.

Anthony Smith, técnico em Mecatrônica, apesar do cargo distante ao do Dr. Richard Hoerner, era o seu melhor amigo. Dentro do Centro, ele era o único que o tratava pelo primeiro nome. Talvez fosse também a única pessoa com quem Richard conversasse sobre sua vida social, quase nula. A sagrada hora do café da tarde era, ainda assim, a única oportunidade de conversar com o ocupado Engenheiro Bio-Eletrônico.

Coçando seu bigode ralo, Anthony procurava entender o grande acontecimento do dia do amigo:

— Bem, é bom saber que seus esforços até aqui não foram em vão, Richard.

— Era meu maior medo, mas agora… — havia um brilho de satisfação em seu olhar, raro — …agora, passaremos à parte prática do negócio!

— Olha, mas cá entre nós, você realmente acredita ser possível essa história de… telepatia?

— Não é telepatia, Tony. — falava calmamente Richard — Bom, ao menos não como você a conhece pelos desenhos da TV.

Anthony sabia que somente com ele o tratamento era assim. Fosse qualquer outro curioso que perguntasse, a reação do Engenheiro seria diferente. Como daquela vez que Anthony presenciou o modo como Richard tratava o estagiário.

Continuava o Dr. Hoerner, desta vez já olhando para um ponto no infinito ao falar, desviando seu olhar da face do amigo, como de costume:

— Tony, talvez um dia tenhamos a tecnologia suficiente para criar, aí sim, uma espécie de telepatia artificial. Mas com certeza não estarei vivo nesse dia. Nem você, nem ninguém nessa sala. O que temos hoje, de verdade, é o mecanismo dos neurotransmissores externos do córtex motor do cérebro humano, destrinchados. Bem, na verdade, isso não foi nada, comparado aos anos de pesquisa em cima dos padrões diferentes das células da glia no lobo parietal; isso abriu caminho para que descobríssemos as funções não-desenvolvidas do cérebro. Conseguimos concluir, semana passada, o diagrama de funcionamento…

— Ah, claro… — Anthony não gostava dos termos técnicos que a equipe de Richard usava, mas não se importava muito, pois o amigo não o fazia com desdém, próprio porém do restante da equipe para com os leigos no assunto.

— Evidentemente o ser humano nasce com esses órgãos atrofiados, pois ninguém sai por aí se comunicando mentalmente com alguém. Nunca parei para pensar, mas não consigo pensar no motivo de termos órgãos assim atrofiados, pois se nossos ancestrais tivessem um mecanismo como o que estamos para estimular artificialmente, certamente isso justificaria o fato dessa atrofia hoje. Assim como ocorre com o nosso menisco, por exemplo. Mas não é o caso. Talvez a raça humana esteja evoluindo para um outro nível, aí sim…

Anthony se admirava com a capacidade de divagar de Richard. Era incrível: qualquer assunto que conversassem a respeito, e em pouco tempo lá estava ele, Richard, olhando para cima, coçando o queixo, especulando o motivo maior da existência de tudo… Talvez fosse melhor filósofo que engenheiro, mas não se atreveu a dizer isso a ele.

— Olha, Richard, confesso que fiquei surpreso com a aprovação do governo em relação ao seu projeto. Sinceramente, eu acho difícil uma… como poderia dizer… uma aplicação…

— Prática? Entendo o que você quer dizer. Mas eu já percebi o que o governo quer, afinal. Aliás, o próprio Dr. Samsom já deu a entender o que eles querem de mim, naquela reunião com a cúpula da universidade, há quatro meses.

— É aí que eu queria chegar, Richard…

— Uso militar, não?

— Pois é. Realmente interessaria ao governo uma máquina dessas. Por exemplo, numa guerra, seria possível então ler as informações do cérebro do inimigo? Ou então usar no serviço de espionagem, para verificar a mente de uma pessoa suspeita, ou senão…

— Calma, Tony. Não é bem assim. O que desenvolvemos é um sistema de transmissão de mensagens, de certo modo. Nunca poderemos retirar uma informação, contra a vontade de uma pessoa.

— Ah…

— Bom, mas mesmo assim, se conseguirmos efetuar tudo o que temos em mente, teremos então um dispositivo estratégico para uso militar. Por exemplo, os soldados, já que você quis tomar o exemplo de uma guerra, poderão receber as ordens mais complexas mesmo em campo de batalha, o que certamente pouparia muito tempo.

— Mas… tempo? Você não acha que…

— É o seguinte, Tony. Acho que não te falei a respeito disso ainda. A Psico-Comunicação não será uma espécie de “videofone mental”, como você deve estar imaginando. Se eu fosse conversar com você nesse sistema, se bem que conversar não é o termo mais adequado, você não iria escutar minhas palavras. Bom, provavelmente você teria uma imagem minha formada em sua mente, mas eu não precisaria abrir a boca, entende?

— Ah…

— Tudo bem, vê se entende melhor desse modo: você é um soldado num campo de batalha, e eu tenho que informar a você e seu pelotão que vocês devem evacuar imediatamente o local, pois o inimigo avança por trás, sem que vocês percebam, e aeronaves de combate surgirão pela frente, dentro de poucos minutos. Não adianta correr para a direita, como você faria normalmente…

— Para a direita? Não entendi…

— Vamos dizer que a base de vocês mais próxima esteja à direita, tá? Você instintivamente correria para lá, quando percebesse que a situação estaria preta. Mas eu, do quartel-general, com informações do satélite, percebo que, mais cedo ou mais tarde, a sua base seria tomada pelo inimigo, pela situação no momento estar mais favorável a ele. Por outro lado, pela esquerda, que você consideraria a pior hipótese em termos de fuga, por um ou outro motivo, seria então a melhor alternativa. Ou melhor, a única alternativa. Eu, no quartel-general, poderia mobilizar tropas de resgate e apoio para cobrirem o seu pelotão… Chegando pela esquerda, como você, e o inimigo, não poderiam suspeitar.

— É isso? — Anthony olhava o amigo com um certo ar de preocupação.

— Mas perceba meu grande trunfo, Tony. Faz uns dois minutos, aproximadamente, que estou expondo para você essa hipotética situação de uma batalha. Do modo convencional, que dispomos hoje, esse seria também o tempo que o seu pelotão gastaria para compreender a ordem do QG. Palavra por palavra, entende? Mas com a Psico-Comunicação funcionando adequadamente, tudo isso que falei para você entraria automaticamente na sua mente. Não a mensagem em si, porém o mais importante: o seu significado, a ação a ser tomada!

— Mas… quanto à questão do tempo…

— Tony, em um ou dois segundos, no máximo, a ordem do Q.G. seria dada e entendida! Compreendeu agora?

— Uau… É, você tem razão. O governo realmente não poderia deixar de se interessar.

— Pois é… Por isso consegui crédito de financiamento AA. Nada é de graça, Tony. Bom, acabou o intervalo. Vamos nessa.

— Surpresa!

— Carol! Puxa, pensei que você só viesse mais à noite… — a visita da irmã surpreendia Alice, que não a via desde o ano passado, em 2021.

Depois dos devidos cumprimentos de duas irmãs que não se viam há meses, Carol prestava atenção na residência dos pais, que havia deixado há três anos… Tudo continuava exatamente no mesmo lugar, pouca coisa havia de novo ali. A sensação de estar com sua família novamente animava-a; há muito tempo não tirava férias, e há muito tempo devia uma visita aos pais, que se queixavam de poder vê-la apenas pelo videofone…

— Está sozinha?

— Pois é. Sabe como é, a essa hora o papai e a mamãe gostam de caminhar pelo Parque Central… É incrível, Carol, eles quase não usam a esteira eletrônica aqui de casa!

— Bom, talvez seja por pessoas assim que ainda existam os parques, você não acha?

— Ah, eu não conseguiria ficar andando em círculos num lugar daqueles… Em casa, o computador lhe fornece quantas calorias você está perdendo; ritmo, pulsação, velocidade, podemos ter controle disso tudo. E mais aqueles comandos que nem sei usar. Mas eles preferem… parques! Ah, vá entender essas pessoas do século passado…

— Ei, Alice, eu também sou do século passado, lembra?

— Ah, desculpa. Mas, e aí? Está de férias, finalmente?

— Pois é. Eu estava mesmo precisando, estava andando meio… estressada.

— Como estão as coisas lá na Campbel?

— Tudo ótimo. Aliás, não te contei ainda, né? A Supervia vai ser entregue até o final do ano…

— Esse ano? — Alice servia uma cerveja à irmã.

— Sim, o pessoal anda trabalhando direto nisso. E eu no meio, claro. Mas você vai ver, quando tudo estiver terminado: a Internet Pro ser coisa de país de terceiro mundo. Alice, isso é ainda meio… segredo. Mas a Supervia sairá melhor do que andam divulgando pela imprensa. Só para você ter uma idéia, o acesso…

Alice percebeu que a irmã continuava a mesma. O trabalho, no final das contas, era quase seu único assunto, mesmo com a família. Estava ganhando bem, Alice já havia percebido isso, mas não arranjava tempo para mais nada. Por esse motivo é que Alice recusou o convite para estagiar na Campbel, “a única empresa que conseguiu crescer mais rápido que a Microsoft do século XX, segundo o próprio Bill Gates”. Alice não gostava que Carol ficasse repetindo aquilo a todo momento, para tentar incentivá-la a seguir seu ramo… Ela via o brilho nos olhos da irmã, que se empolgava demais ao falar de suas contribuições para o desenvolvimento daquela… Supervia. Tentou mudar de assunto, rapidamente, antes que Carol fizesse um novo convite para ela…

— Está bem, Carol. Eles devem te promover mesmo… mas, mudando de assunto, como é que anda o… Richard?

Aquele nome foi pronunciado lentamente, enfatizando cada sílaba, de modo provocativo. Carol apenas recolheu seu entusiasmo de até então, tomou o último gole e jogou a lata no processador de lixo reciclável. Encostou-se no sofá, encarou a irmã com aquela expressão de descaso fingido. Depois começou a olhar ao redor, como se estivesse procurando algo…

— Ah, Alice… Eu sei tanto quanto você. Está lá em Cambridge, não é? E o Max? Ainda não o vi…

— Deve estar dormindo. Max! MAX! — então ele apareceu, vindo se colocar em posição de afago, para que Alice passasse a mão em sua cabeça, como de costume. — Olha, Max, Carol veio nos visitar!

— Oi, Max! — Carol repetiu o carinho que o animal mais gostava: quando as pessoas passavam a mão na sua cabeça fofa de São Bernardo. Ele balançou o rabo, agradecendo. Depois se deitou no chão, sossegado.

— Tá, mas ele continua em cima de você?

Carol não foi feliz em sua tentativa de evitar que a irmã abordasse o assunto. Suspirou, respondendo então mais calmamente:

— Não é que ele continua em cima, Alice. Nem tem como, coitado, se eu passei esses últimos meses em Denver. Na verdade, ele fez algumas tentativas… desesperadas… de marcar um encontro. — Carol esboçou um sorriso — Tive até que instalar um filtro eletrônico para o meu número de videofone. Sabe, uma vez, ano passado, ele conseguiu ir até lá, para me procurar… Mas ficou meio sem graça, ao perceber que tinha invadido o escritório de um diretor lá da Campbel, o Edward. Ah, outro dia te conto essa história… Por falar nisso, aquela vaga continua disponível, Alice!

— E você não dá chance mesmo para ele, né? — Alice conseguiu evitar a volta do assunto de trabalho…

— Não. Quer dizer, não é isso. Eu só estou… fazendo o melhor para ele. Richard não conseguiu aceitar quando eu tentei acabar… ou melhor, quando eu acabei… Eu estou dando um tempo para que ele se conscientize disso. Aliás, talvez ele já esteja… melhor.

— Que pena. Eu achei que vocês formavam um belo par.

— Bom, isso já é passado. O tempo passa, as pessoas mudam, nossas vidas mudam… Ah, Alice, já era. Talvez até ele já tenha arranjado alguém. Gostaria que ele continuasse sendo meu amigo, mas… Não dá. Temos vidas muito diferentes. Eu hoje sou outra pessoa, ele é que parece não entender isso…

— Puxa… Bem, e quanto a você, apareceu mais alguém?

— Tempo, Alice. Não tenho tido muito tempo para isso, ultimamente… Bom, na verdade, existe um cara chamado…

Harold Bush aguardava ser chamado. Apesar do fato de que a reunião com o Dr. Hoerner poderia representar o sucesso profissional que tanto almejava, ele não se mostrava nervoso. Fumava tranqüilamente, descontraído, pois tinha a certeza de que nenhuma outra pessoa estava apta a concorrer com ele. O cargo com certeza compensaria todo o esforço dos últimos quatro anos, para que ele pudesse concluir curso técnico em Cibernética Industrial, já que cursando paralelamente Engenharia Bio-Eletrônica o ritmo estivesse bastante puxado. Pensava no seu futuro, pensava no ótimo salário. Aquele X-BMW modelo 2023 poderia finalmente ser seu. Talvez até pudesse casar com Pat ainda no mesmo ano. Deu um sorriso de satisfação…

— Olá, Harold. Entre, por favor.

— Oh, como vai, Dr. Hoerner? — foi pego meio de surpresa pelo engenheiro, se dirigindo rapidamente ao seu laboratório no Centro. Como sempre, Richard falava com ele sem fitá-lo nos olhos.

— Harold, você já vem trabalhando comigo há algum tempo, de modo que não vou ficar aqui te entrevistando, aliás, nem posso gastar meu tempo com essas coisas.

Harold fez um leve gesto com a cabeça, concordando. Deu uma grande tragada, como se assim conseguisse transmitir confiança ao engenheiro.

— Olha, para começar, apague esse negócio. Não permitimos uso de drogas aqui dentro, rapaz. Se quiser trabalhar aqui, você deve seguir as nossas normas. Você já as conhece, não?

— Oh, desculpa, senhor… — “Xi, comecei mal…”, pensou.

— Além do mais, saiba que isso vai acabar com sua saúde, se é que você se importa com isso.

O estagiário repetiu o mesmo gesto de antes, jogando o cigarro no desintegrador da mesa.

— Bem, Harold, não vamos ficar enrolando. Você já está informado o suficiente a respeito do nosso projeto?

— Sim, senhor. Conversei ontem mesmo com a Dra. Martin. — usaria agora o recurso das frases curtas, de efeito.

— Bom. Já discuti isso com minha equipe, e parece que você realmente é a única pessoa que pode preencher a vaga. Também não estou muito a fim de ficar garimpado técnicos por aí. Mas, o mais importante, Harold, você se considera apto para o serviço? — falou essas últimas palavras pausadamente, enfatizando a o sentimento de confiança que Richard ainda não tinha por completo pelo rapaz.

— Com certeza, senhor. Pode acreditar nisso.

— Tudo bem. Considere-se aceito. — Richard tentou esboçar um sorriso, afundando-se na poltrona.

— Muito obrigado, senhor. Posso começar hoje mesmo?

Richard já olhava para a janela, como se não sentisse mais a presença do jovem na sala:

— Pois bem. Maiores detalhes a respeito dos nossos problemas você poderá discutir com o Sebastian ou o Robert. Vocês já se conhecem, não?

— Sim, senhor. Já fomos apresentados.

— Certo. Mas posso lhe adiantar o que estamos procurando resolver, hoje. O código de freqüências cerebrais especiais individuais, que a equipe apelidou de senha mental, para não ficarmos repetindo aquelas palavras a todo momento, ainda não está 100% decifrado para nós. O maior problema, em relação a isso, é que cada pessoa tem uma combinação diferente na ordem dos sinais Padrão Alto. O Padrão Baixo é comum a todos os seres humanos.

— Como o código de DNA de cada um, não?

— Sim… Se bem que uma comparação melhor seria com as impressões digitais humanas, se você for analisar bem a situação. — Richard não poderia deixar Harold com a razão.

— É, agora que o senhor falou, realmente… — Harold não ficaria ali discutindo trivialidades; deu de ombros.

Richard voltou a encará-lo, puxando o assento para mais próximo à mesa:

— Então. Desde que começamos com nossos protótipos, há três meses, ainda não pudemos realizar experimentos com seres humanos, na parte da recepção das mensagens do Psico-Comunicador. Simplesmente porque não conseguimos a conexão, sem termos a senha correta.

— Interessante.

— Bem, quanto a isso, saiba que existe um trabalho sendo desenvolvido na Alemanha. Um tal de Eric Hoffman vem realizando pesquisas sobre as senhas humanas, já há alguns anos. Na semana que vem, parte da nossa equipe viajará para lá. E você certamente será necessário, já fique ciente disso.

— Oh, muito bem.

— Esse alemão estudou quase todos os casos documentados no mundo sobre o fenômeno espontâneo da Psico-Comunicação, e chegou a algumas conclusões interessantes. Como sei que essa parte não é bem de sua especialização, vou procurar resumir alguns pontos.

Harold mostrava-se mais entusiasmado com o assunto. Richard gostou disso, e continuou:

— Aparentemente, as senhas são mais parecidas entre pessoas que pertençam à mesma família. Mais particularmente, entre pais e filhos. E a Psico-Comunicação espontânea só aconteceu, até onde sabemos, em situações de extremo perigo de vida. Num acidente de carro, por exemplo, um sujeito quase perdeu a vida em Chicago, ano passado. Pois a mãe desse cidadão sentiu que algo acontecera a seu filho. Ela estava em Los Angeles, dormindo. Acordou no meio da madrugada e fez o marido fazer uma videochamada para o filho. Ela tinha certeza que algo havia ocorrido. E acertou.

— O senhor falou que ela estava dormindo…

— Ah, muito bem. Foi bom você ter chegado nesse ponto. Realmente, nossas pesquisas mostram que 96,2% dos casos ocorrem quando as duas pessoas envolvidas no fenômeno estão inconscientes, como no caso que mencionei. Depois 2,1% ocorrem quando o transmissor está consciente e o receptor, não. Aí 1,6% com o transmissor inconsciente, e o receptor consciente. E apenas 0,1% dos casos com as duas pessoas conscientes. Desse modo, nosso objetivo principal, que é a aplicação do nosso projeto no cotidiano fica um pouco difícil, se é que você percebeu…

— Sim, percebi. As ondas cerebrais de freqüência alfa — ou mesmo gama —seriam requisitos fundamentais, não é mesmo?

— Certo. Pelo menos, com a Psico-Comunicação espontânea é assim.

— Teríamos então que… dormir?

— Bem, quanto ao nosso sistema, artificial, não temos condições de afirmar isso ainda, mas provavelmente…

Harold mostrou-se um pouco desapontado:

— …nunca chegaríamos às ondas beta, então?

— Devemos chegar, Harold. Temos que chegar. Esse é nosso maior empecilho hoje. Mas não podemos correr o risco do governo cortar nosso programa, se tudo isso for inviável na prática. Vou confessar que ando manipulando os relatórios da equipe.

— Puxa…

— Olha, isso é extra-oficial, certo? Não confio no Dr. Samson. O que ele quer é manter sua reputação pública por nossa conta. Tenho que mantê-lo entusiasmado com o desenvolvimento da coisa. Ele não está sabendo do nosso problema principal, e nem poderá saber, tudo bem?

— Certo. Entendi o recado.

— Você dever prestar contas só a mim, Harold. Não deixe que ele se intrometa no assunto. Sempre que sentir que você estiver sendo pressionado, me chame, certo?

— Pode deixar, Dr. Hoerner. Sei como são essas coisas. O senhor pode confiar em mim.

— Entenda, Harold: fizemos enormes avanços numa área nunca antes explorada pelo homem. Mesmo que não consigamos o nosso objetivo final, ao menos deixaremos para as próximas gerações de cientistas um novo campo de conhecimento, a ser trabalhado. Não podemos parar agora. Nossos nomes entrarão para a História. Tenha isso em mente.

Harold apenas balançou a cabeça, de modo afirmativo.

— Ótimo. Pois então, mãos-à-obra, rapaz.

— Ah… Só uma coisa, Dr. Hoerner. Essas senhas são fixas, como no caso de pais e filhos, que o senhor mencionou, ou podem ser… adaptadas? Quer dizer, um homem e uma mulher podem ter senhas completamente diferentes, mas quando formam uma família… Sabe, quando criam um laço afetivo… Talvez isso colaborasse para facilitar essa Psico-Comunicação…

— Certamente, Harold. Essas senhas podem ser modificadas, nesses casos. O tal do Hoffman tem casos documentados do fenômeno acontecendo entre maridos e esposas, ou mesmo entre namorados…

— Oh, desculpa, Dr. Hoerner… Foi uma pergunta… infantil. É evidente que, se isso não fosse possível, esse projeto não teria futuro. Lógico, nós queremos alcançar pessoas sem qualquer vínculo umas com as outras. Sim, essas senhas devem poder ser modificadas, adaptadas.

Richard, subitamente, ficou sério. Calado, olhando para baixo:

— Evidentemente, Harold. Olha, pode ir agora. Jones, informe à Dra. Martin o novo cargo de Harold. Proceda a redistribuição de trabalho semanal. Guarde meu texto consultado da Internet Pro no último arquivo que criei. E peça a Sebastian o sub-relatório de hoje.

— Processando, Dr. Hoerner — a voz sem vida de Jones indicava que os comandos foram aceitos.

— Bem, até logo, Dr. Hoerner.

Richard apenas balançou a cabeça, suspirando, olhando para aquele ponto no infinito, como sempre fazia…

Harold se retirou, pensando se alguma coisa que ele havia falado poderia ter decepcionado a confiança que o chefe finalmente parecia ter adquirido em relação a ele. Ou ser que as tais senhas não poderiam ser adaptadas? O seu cargo estava assegurado, mas o projeto… seria um fiasco afinal? Acendeu um cigarro, enquanto limpava esses pensamentos. Foi então ligar para Pat. “Ela vai gostar da Alemanha…” pensava.

Richard continuava sentado, manuseando sua caneta-laser arbitrariamente entre os dedos, pensando na hipótese de que as senhas, afinal, não poderiam ser tão facilmente manipuladas, como sempre pensou. Se funciona com maridos e esposas, e com namorados… Para o inferno com aquilo tudo, se ao menos funcionasse também com ex-namorados…

Jones fazia a conexão internacional Cambridge-EUA / Hannover-Alemanha:

— … e, quando dei conta, ele já havia terminado o diagrama do reconhecedor, inteirinho! O pessoal aqui não confiava muito no rapaz, mas foi impressionante…

— Você quer dizer, sozinho?

— Isso mesmo, Dr. Hoerner. Claro que ainda é um diagrama, mas está completo! Ele pensou em todas as etapas. Bem, confira o senhor mesmo: estou mandando pela linha 2…

— Codifique, Sebastian! — Richard ergueu a voz, assustado com a possível imprudência técnica do neuro-biólogo da equipe.

— Claro, claro, Dr., calma. Nunca mandaria algo assim em sinal aberto; o que é isso…

— Tá, desculpa. Sabe que hoje em dia, há muitos piratas de linha que vivem de sabotar projetos como o nosso… Hmm, muito bem. Simples assim? Bom, acho que poderei montar um protótipo hoje mesmo… Meus parabéns, Sebastian! E eu que achava que só conseguiríamos montar reconhecedores a partir do ano que vem… Vocês trabalharam bem.

— Bem, Dr. Hoerner. Há alguém aqui que vem trabalhando bem mais que nós. O Harold continua noite e dia, quase sem intervalos, preso no laboratório do Hoffman. Não vou me surpreender se, qualquer dia, ele estiver sabendo mais sobre o assunto que nós mesmos… Estou um tanto preocupado com ele; o seu ritmo, ultimamente, está muito… pesado.

Richard quase soltou um “Ótimo!”, mas desistiu:

— Mas, cá entre nós, você realmente espera que um sistema de reconhecimento por voz funcione adequadamente?

— Olha, Dr. Hoerner, de todas as nossas teorias sobre reconhecimento de senhas, essa sistema nos pareceu a melhor opção. Em termos até de praticidade, se funcionar. Além do mais, o módulo de análise espectral do Jones é bem confiável…

— Está certo, Sebastian. Não vamos ficar perdendo tempo com suposições. Continuem estudando esse sistema, enquanto o pessoal aqui estiver testando os protótipos. Até mais.

— Até mais…

Richard ganhou um novo espírito de disposição, depois da boa notícia da sua equipe na Alemanha. Já estavam quase em dezembro; mas esse Natal não seria como os outros, pensou. Desse ano, não passaria.

Carol aproveitava as férias para passear em sua cidade natal. Visitava os lugares onde passou sua infância e adolescência. Se surpreendia ao perceber que suas memórias em Detroit quase sempre vinham acompanhadas da lembrança dos bons tempos junto ao Richard. Fazia as compras de Natal para sua família e amigos. Ao entrar numa papelaria, viu alguns cartões natalinos expostos no visor de propaganda. Carol gostava do clima de forte apelo emocional da época, e pôs-se a fazer uma boa ação. “Ah, Carol, ele merece um ‘alô’…” — pensou.

— Muito bem, Tony. Espero poder contar com sua colaboração.

— Está certo, Richard, mas olha lá, hein? Depois de amanhã é Natal, e não quero que minha filha tenha que receber a visita de um Papai Noel zumbi…

— Pode deixar, Tony. Isso não vai acontecer. Se alguém estiver correndo algum risco, esse alguém sou eu, por estar testando um equipamento desses pela primeira vez…

— Primeira vez? Quer dizer, você vai ser cobaia? Que é isso, você não tinha me contado esse detalhe…

— Ah, não se preocupe. Existem aquelas normas de segurança para equipamentos desse tipo, mas a minha equipe ainda vai levar muito tempo para ajustar a potência correta dos geradores de sinais, deixá-los nos níveis recomendados pelo National Health Institute; sem falar na burocracia, ter que pedir requerimentos, autorizações para testes… Tony, apenas nós dois estamos sabendo, OK? Além do mais, já analisei o sistema e não encontrei nenhum grande risco à saúde, para um simples teste.

— Tudo bem — Anthony sabia que, afinal, era a única pessoa com quem Richard poderia contar numa situação dessas, ao burlar regras…

— E é simples mesmo. Lembre-se: quente ou frio. Apenas isso. Se você acordar depois da experiência, não se esqueça de anotar num papel, escrever o que você sentiu, para que, ao voltar a dormir, você não acabe esquecendo. Bom, o mais provável é que você permaneça dormindo, e lembre-se disso apenas como um sonho. Mas amanhã você me conta se minha mensagem foi enviada ou não.

— E você, vai ficar por aqui? À noite, quero dizer…

— Sim. É que não posso levar todo o sistema para casa, mas não se preocupe comigo. Uma noite perdida, mas… talvez uma vida de glória. Bom, não completamente. Volto para casa de madrugada. Seria suspeito demais se eu dormisse aqui, entende? Além do mais, eu sou aquele tipo de pessoa que não consegue simplesmente deitar e dormir à noite…

Alguns segundos de silêncio. Anthony percebeu aquela conhecida expressão de divagação do amigo.

— É aquela mulher ainda? Sinceramente, Richard, você não pode ficar nessa o resto da vida…

— Carol, Tony — Richard falava pesarosamente — Você nunca poderia entender isso, mas ela… rouba o meu sono. É difícil… dormir…

— Abra os olhos, Richard. Você se comporta como se tivesse o dobro da sua idade. Tão jovem e já age assim. Que é isso, meu amigo…

— Ah, não quero falar disso agora. Vá para casa. Não se esqueça, quente ou frio…

Anthony acabou com o que restava na sua xícara de café e se retirou.

Véspera de Natal. Logo de manhã, quando Richard manobrava seu carro no estacionamento do Centro, para deixá-lo no lugar de sempre, percebeu que algo havia acontecido. Mal estacionou, e Anthony veio ao seu encontro, visivelmente nervoso.

— E então, Tony, como é que f…

— Verde, Richard. Verde! — Anthony, pálido, fitava o cientista.

Richard então deu um berro de alegria. As pessoas que passavam pelo local, e que conheciam o Dr. Hoerner apenas de vista, pareciam não acreditar na cena: o reservado cientista do Setor H abraçava um técnico do Setor F, gritando de alegria, dançando. Inconscientemente, o que mais chocava as pessoas era ver um negro e um branco fazendo algazarra, juntos. Ao perceber isso, Anthony tentou conter a festa do amigo.

— Pára com isso, Richard…

— Funciona, Tony, funciona! Oh, eu esperei minha vida toda por isso…

Já se encontravam na entrada da universidade:

— Bom, me explica, porque eu não estou entendendo nada…

— Tony, ontem eu o induzi a esperar um certo tipo de mensagem, sensação térmica, entende? Se algo não desse certo, mesmo subconscientemente você tentaria chutar uma resposta para mim, e eu não poderia ter certeza do sucesso do meu sistema. Caso eu fracassasse, você talvez até pudesse ter um sonho a respeito de tudo o que te falei, mas não teria nada a ver com a experiência propriamente dita. Eu não poderia correr esse risco, entende?

— Tá, mas e aí?

— Aí, eu mandei um outro tipo de mensagem, uma cor. Que nada tinha a ver com a proposta original. Eu pensei “verde”, e transmiti a mensagem “verde”. E você recebeu! Fantástico. Mas… preciso saber de você: foi difícil perceber…

— Richard, eu acordei suando no meio da madrugada. Foi um susto muito grande. Apesar de esperar que algo acontecesse de estranho comigo, por você ter me avisado, eu acabei dormindo. Mas na hora que aconteceu, foi repentino demais, eu gritei, quase que por instinto. A Dolores se assustou também, coitada, eu nem contei nada para ela, depois eu disse que foi um pesadelo.

— Mas você está se sentindo bem, agora? Quero dizer, não houve nenhum… trauma?

— Não, não é isso. É que parecia real demais, cara! Você estava lá, como você disse, e não te ouvi falando, mas pude compreender perfeitamente o… “verde”. Foi muito claro, muito forte mesmo. Incrível.

— E quanto tempo…

— Richard, foi instantâneo. Não durou nada. Incrível mesmo!

— Foi real, Tony. Foi real! — Richard deu um soco no ar de alegria.

— E agora, vai avisar o pessoal…

— Não! Quero dizer, ainda não. Isso foi extra-oficial, lembra-se? Antes de começarmos os testes de verdade, preciso me certificar de um detalhe…

Anthony apenas ouviu o barulho. Percebeu então que estava andando sozinho. Olhou para o lado, não viu Richard. Imediatamente associou o fato ao barulho estranho que tinha ouvido décimos de segundo antes. Parou, virou-se e viu o amigo estendido no chão, desfalecido…

Richard acordou na enfermaria de Harvard. Abriu os olhos; por alguns instantes ficou inerte, olhando para o teto, até que o raciocínio voltou a funcionar. Sua primeira impressão foi ter dormido por anos, tal o estado amortecido de seu corpo…

— Caramba, o que é que foi que…

— Ah, o senhor já acordou, Doutor… Hoerner…. — a enfermeira consultava a tela do monitor médico da cama do paciente.

— Me diga, há quanto tempo estou aqui?

— Há alguns minutinhos. Nós só aguardavamos o senhor acordar para aplicar uma sonda de rotina…

— Ei, espera aí! Foi só um desmaio… — Richard já estava em pé, calçando os sapatos e procurando os óculos.

— Dr. Hoerner, está com medo de uma sonda cerebral, com essa idade? O senhor deve estar ciente que é um procedimento de rotina num caso como o seu…

— Olha, não há com que se preocupar. É que eu trabalhei até tarde da noite, levantei cedo hoje e não tive tempo de fazer um desjejum apropriado… Tenho muito o que fazer hoje. Não há nada comigo, mas obrigado pela atenção… — Richard já fugia do ambulatório, quando deu de cara com Anthony na saída.

— Richard! Pô, que susto. Está melh…

— Tony, você não contou nada a eles, não é? — Richard falava baixo, nervoso.

— Não, não se preocupe com isso.

— Ótimo. Agora faça um favor para mim. Avisa ao Sebastian que eu voltei para casa porque eu… esqueci minha pasta… e volto logo, OK?

— Mas você está com sua pasta…

— Tá, inventa alguma coisa… — Richard já corria de volta ao estacionamento.

Chegando em casa, ele começou a virar sua coleção de filmes caseiros, atrás de um video-CD em especial. Achou uma antiga gravação, realizada anos antes, de um churrasco com antigos colegas… e com uma antiga namorada. Selecionou o trecho que queria. Ligou o seu micro e acessou Harvard. Entrou sua senha e Jones fez-se presente na sua residência, via o seu micro como monitor.

— Jones, digitalize o áudio desse trecho do video-CD e guarde num arquivo do meu diretório particular, no micro do meu laboratório l do Centro.

— Processando, Dr. Hoerner. — Uma janela abriu-se na tela do micro, mostrando o filme que Richard tinha selecionado. Junto com ex-colegas, Richard e Carol conversavam sobre o que cada um faria no novo ano em que entrariam, 2020. Richard, ao escutar a voz de Carol naquele trecho do filme, lembrava de como tudo era tão bom anos antes. Lembrou-se também uma professora do primário, que vivia dizendo que “”só damos valor às coisas no momento em que as perdemos”.

— Ah, aproveite e já vá fazendo a análise espectral dessa amostra. Depois, use o programa demodulador de senhas do Harold e salve esta informação no mesmo diretório anterior.

— Processando, Dr. Hoerner.

Porém Richard não conseguiu ouvir o seu nome; desmaiou antes, pela segunda vez.

Ao acordar, olhou o relógio e percebeu que tinha ficado pelo menos dois minutos desacordado. Começou a se preocupar com seu estado físico. Desligou o micro e foi tomar uma xícara de café.

Voltou à universidade, tendo em mente que o expediente só iria até o meio-dia, por causa do feriado. “Vai ser mais fácil assim…” — pensou. Passaria o dia fazendo os últimos ajustes para uma transmissão de outro nível. Mas, por aquelas nefastas combinações do destino, no momento em que deu a partida no carro e seguiu seu caminho, a caixa-fax de correio de sua casa recebia uma carta… Um cartão de Natal.

Carol conseguiu, junto com sua irmã, confirmar as presenças de todos os seus parentes no almoço do dia seguinte. Era uma tradição da família reunir, no almoço de Natal, o maior número possível dos incontáveis Hartt espalhados pelos EUA.

— Aproveita, Carol. Você quase nunca tem tempo para isso. Vai lá com a gente!

— Ah, Alice, eu estou meio… cansada. Podem ir, não se preocupem comigo. Acho que irei dormir mais cedo. Teremos muito o que fazer amanhã, até que o pessoal chegue. Que filme vocês vão ver?

— “O Cair Da Noite”, do Fagot. Estreou essa semana. Você tem certeza?

— Tenho. É aquela história do Asimov, não? Vi a propaganda. Mas é que hoje, realmente, não estou a fim… Mas vão lá. Divirtam-se!

— Tudo bem. Você que sabe… Até logo, então.

— Até… Ô, Alice, o Nick vai com vocês?

— Claro…

— Hmm, toma cuidado, menina. Juízo, hein?

— Ê, Carol…

Depois que seu pai a chamou para ver o noticiário da Supervia na TV, Carol foi deitar-se. Estava realmente cansada: seu pesado sono não foi quebrado quando Max começou a latir no momento em que Alice voltava para casa, quase às duas da manhã. Alguns minutos depois o fenômeno aconteceu.

Carol estava no intervalo entre um sonho e outro, daqueles sonhos que, de tão sem sentido, as pessoas nem se recordam, quando despertam. De repente, ela recebeu a mensagem e, instantaneamente, acordou, ofegando, suando. Assustada, colocou a mão sobre o peito e sentiu seu coração disparado. Sua primeira reação seria gritar, mas um pingo de serenidade que sobrava nela, dentro da confusão mental em que se encontrava, fê-la lembrar-se de estava na casa dos pais, que estariam tranqüilamente dormindo àquela hora da madrugada. Acendeu então a luz do abajur, sentou-se na cama, colocou ambas as mãos nos rosto e, lentamente, enxugou o suor gelado. Sentiu medo. Começou a olhar para os lados, pensou em acalmar-se. Mas aquilo não foi apenas um pesadelo, e isso causou uma enorme onda de espanto nela. Pôs-se de pé, começou a divagar sobre o limite da realidade e fantasia. Mas foi real! Uma lágrima espontaneamente desceu por seu rosto. A única palavra que pôde pronunciar foi um “Richard…”, num misto de sussurro e aflição.

Toda a confusão na sua mente exigia, involuntariamente, que seu cérebro repassasse a mensagem, na forma mais convencional. Conseguiu então lembrar-se das “palavras”, decodificadas daquele instante único que viveu naquela noite.

Carol, sou eu, Richard. Desculpa ter invadido um espaço seu, assim tão… particular. Mas não há nada para temer. Isso é só uma mensagem, inofensiva para você.

Olha, estou sentindo muito a sua falta. Já não sei há quantos meses você se foi; já faz mais de um ano, com certeza. Você quis colocar barreiras entre nós, pois achou que era hora de ser outra pessoa. Você não permitiu que a gente conversasse, eu tentei, fiz o que pude, mas você achou que ficaria ‘melhor assim’. Pois bem, não sei quanto a você, talvez isso até pareceu fazer bem para o seu lado, mas você não pensou no meu lado. Eu sofri pra caramba, Carol.

Você teve aquela oportunidade na Campbell, que agarrou com unhas e dentes. Pois bem, parabéns. Mas algo ruim aconteceu com você: você pensou que já era hora de ser outra pessoa. Eu sei da sua opinião, que as pessoas mudam com o tempo. Mas não é bem verdade: as pessoas evoluem, Carol. Não é uma mudança que destrói tudo o que você semeou e colheu de bom no passado, mas é algo que permite que você alcance novas metas na vida, novos objetivos. É um complemento, garota. Você não precisa se livrar do que você gostou, um dia, só porque o tempo passou. Poxa, a gente se dava super bem. Mas você veio com aquela história de ‘dar um tempo’, depois que me contou que teria que se mudar para Denver por causa do seu trabalho.

Tá, nós namoramos durante alguns meses. Mas é muito mais que isso: nós crescemos juntos, éramos ótimos amigos. Você era, sobretudo, minha melhor amiga, Carol. Uma pessoa espetacular. E foi isso que fez com que eu me apaixonasse por você. E é por isso que passei todo esse tempo pensando em você, vivendo para você, como sempre.

Você achou que a distância poderia me tirar dessa, não é? Mas, veja só, por causa de você eu usei o meu projeto do Centro, aqui em Harvard, para proveito próprio e imediato. Para você. Para a gente. Olha, eu te peço desculpas novamente, por ter invadido sua mente, mas essa era minha única e última real possibilidade de me comunicar com você.

Carol, não é passando a vida inteira fugindo de mim que você vai me ajudar. Já te contei sobre o estado de depressão que entrei. Isso me fez mal. Eu sofri. Sofri cada dia que passou, pensando em você, distante, inatingível. Sofri por você pensar que é outra pessoa. Carol, os anos passaram, mas nós dois somos os mesmos, na essência, o que fez que, um dia, fôssemos namorados. Você sabe que eu sempre fui e sempre serei fissurado por você, garota. Você é única para mim, Carol.

A vida é, afinal de contas, tão simples, não? Eu acredito que nós estamos vivos, aqui, nesse planeta, para sermos felizes. Aproveitar a vida, sabe? Mas as pessoas criam obstáculos sem sentido. Não sei qual o motivo, deve ser próprio da natureza humana ‘fazer tempestade em copo d’água’. Pois bem, garota, essa foi a forma mais original que pude encontrar para dizer que eu amo você. De verdade. Você faz uma falta incrível. Volta pra mim, Carol…

Carol pensou então em ligar para Richard. Lembrou-se que era de madrugada, desistiu. Foi tomar um copo d’água e voltou para a cama. Mas não conseguiu dormir. Não tinha jeito: ela tinha que ligar para Richard. Achou seu número de videofone, e tentou. Ninguém atendeu. Ela olhou o relógio marcando três e dezesseis; desistiu de tentar novamente. Voltou para a cama, mas simplesmente não era possível dormir. Depois de ficar alguns minutos se revirando em meio aos lençóis, acendeu as luzes do quarto novamente e ficou sentada na cama. Tentava limpar os confusos pensamentos, mas isso não era tão fácil assim. Procurou então na CDteca uma trilha sonora para tentar fazê-la relaxar. Achou um velho álbum da extinta banda “The Cranberries”, que ela ouvia muito quando criança. Colocou os fones de ouvido e, desse modo, distraída, conseguiu adormecer algum tempo depois.

Ao acordar, quase esqueceu-se que era Natal; só quando sua família veio a saudá-la é que ela percebeu isso. Ligou para Richard, ninguém atendeu. Antes do grande almoço da família, ligou ainda mais três vezes, sem sucesso. Começou a ficar aflita com a situação. À tarde, depois de nova tentativa frustrada, contou para a irmã:

— Alice, avisa o pessoal que eu vou viajar… mas eu volto amanhã ou depois, sei lá…

— Que história é essa, Carol? Enlouqueceu, é?

— Alice, eu vou para Cambridge. Agora mesmo. Não dá para explicar agora, mas avisa o pessoal que não é para ficar preocupado…

— Não acredito, Carol. Vai para Cambridge? Eu… não sei o que dizer.

— Olha, estou saindo. Por favor, dê o recado para o pessoal pra mim, OK?

— Você é maluca, mesmo. Deu pra correr atrás do Richard agora?

— Alice, depois eu te explico. Tchau…

— Carol…

Ela voltou-se, já na porta do carro.

— “Toma cuidado, menina. Juízo, hein?”

Anthony não conseguiu encontrar Richard pelo videofone. “Que diabos, ele não me avisou que ia viajar no Natal…” — pensou. À tarde, passou na sua casa, e não o achou. Ficou preocupado.

“Não acredito que, em pleno feriado, ele iria ficar trabalhando lá no Centro…” —colocou-se a caminho de Harvard. Viu o carro do amigo no estacionamento. “Esse cara é maluco…” — perguntou então ao vigia desde quando o carro de Richard estava estacionado. Para seu espanto, o homem falou que estava lá, desde que ele havia chegado, de manhã cedo.

Anthony passou seu cartão magnético na porta e correu. Atravessou os corredores vazios do Centro, com destino ao laboratório de Richard. Encontrou-o, finalmente, mas a visão do amigo desfalecido, com a boca e os olhos abertos e cheio de eletrodos na cabeça, babando, aterrorizou-o. Gritou seu nome, aproximou-se, desesperado, mas percebeu que ele ainda respirava. Chamou uma ambulância.

O médico permitiu que eles entrassem. Já era noite em Cambridge, noite de Natal, mas, praticamente, eles estavam todos lá: Dr. Samsom, Anthony, Harold, Sebastian e o Dr. Hoffman, ao redor de Richard, na cama, inconsciente.

— Senhores, nós realizamos uma sonda cerebral no paciente e constatamos… — o médico falava aquilo com ar de pesares para eles.

— … colapso neuro-traumático total? — sugeriu Harold.

O médico, surpreso, fez que sim com a cabeça. “Lamento, houve necrose da ‘amígdala’ cerebral…” — concluiu, ciente que todos ali já entendiam a gravidade do quadro.

— Era justamente o que eu previa… — prosseguia Harold — O Dr. Hoerner andou realizando testes com os protótipos por conta própria.

— Você quer dizer que… sabia que isso poderia acontecer? — perguntou Dr. Samsom.

— Nós descobrimos que esse transmissor que o Dr. Hoerner usou poderia ser fatal para um ser humano, há poucos dias. — explicou Sebastian, enquanto Harold ia traduzindo tudo aquilo para o Dr. Hoffman, que não falava inglês.

— O problema, Dr. Samson — Harold explicava — é que esse tipo de transmissor não é o mais adequado, por fornecer potência para que o cérebro atue como “antena”. O nosso outro sistema estimula os transmissores do cérebro, mas “escuta” essas informações no nível natural gerado pela pessoa, amplifica e transmite externamente. Ou seja, sem riscos para o ser humano.

— Mas… e agora? O que vai acontecer com o… Dr. Hoerner? — perguntou Anthony, olhando o rosto sem expressão do amigo.

— É um quadro irreversível… — falava Sebastian, quando foi interrompido por uma voz feminina.

— Com licença, este é o quarto do Richard Hoern… Ah, meu Deus! Richard! — Carol entrou, parecendo nem ligar para aqueles figurões da universidade de Harvard.

— Você é da família, moça? — perguntou o médico.

— Não, sou só… conhecida.

“Conhecida…” — ela pensou. Não existia outro adjetivo agora.

— Irreversível? — Anthony voltou à questão. Carol começou a demonstrar claros sinais de aflição no seu rosto.

— Ele sofreu um dano muito profundo no cérebro. — as palavras de Harold eram desprovidas de qualquer espécie de emoção — O que acontece é que a geração de freqüências cerebrais beta fica bloqueada.

O médico concordou, fazendo que sim com a cabeça. Sebastian procurou explicar melhor:

— O Dr. Hoerner não pode mais acordar. Ele ficará inconsciente para sempre.

Um a um, foram se retirando do quarto, em silêncio. Ficaram apenas Carol e Anthony.

—Você é a… Carol?

— Sim… O senhor me conhece de ond… — Mas ficou evidente para Carol que aquele sujeito deveria ser um amigo de Richard, de modo que ela achou desnecessário continuar falando. Anthony notou o constrangimento da moça e procurou mudar de assunto.

— Bem, eu ainda não avisei a família, porque eu queria ter plena consciência da gravidade do caso. É, sou eu quem vou ter que estragar o Natal deles… — Anthony foi caminhando para fora do quarto, visivelmente aborrecido.

Carol ficou alguns instantes olhando para Richard. Há mais de um ano não o via, assim, pessoalmente, e ela nunca poderia imaginar um novo encontro do jeito como estava sendo agora. Pegou na sua mão, mas ele não mostrou reação alguma. Não conseguiu segurar as lágrimas. A enfermeira pediu gentilmente que ela se retirasse, pois tinha acabado o horário de visitas.

Ao sair, viu o amigo de Richard no videofone público do hospital:

— …seu filho sofreu um acidente…

Carol sussurrou algumas palavras de indignação:

— Ah, Richard, porque é que tinha que ser assim? Maldição… — Aí lembrou-se que aquela última palavra já houvera tido um significado todo especial para os dois, há um longo tempo atrás…

(continua: parte 2/2)