A derradeira decisão - Parte 2

Um tremor percorreu o corpo do japonês, que de repente não fazia mais nenhuma questão de ver seu interlocutor. Mas seu orgulho de guerreiro não permitia que ele voltasse atrás e relutantemente ele deu alguns passos vacilantes para frente, inclinando-se para enxergar melhor pelo que ele agora percebia ser um painel transparente que surgira na parede.

De início ele não conseguiu distinguir quase nada, pois o ambiente do outro lado do painel estava bem menos iluminado que do seu próprio lado. Aos poucos, porém, ele percebeu ligeiros movimentos em um nível abaixo do seu, como se algo estivesse se deslocando próximo ao solo. Ele ficou curioso apesar do receio que sentia e focou seu olhar na altura em que percebeu o movimento. E foi então que viu não apenas uma mas várias criaturas que estavam estendidas lado a lado, apontando o que presumivelmente eram suas cabeças na sua direção.

Eles eram grandes, maiores do que ele havia esperado, e sua aparência era mais estranha do que realmente assustadora. Seu corpo, que se estendia na horizontal rente ao solo por seis ou sete metros, era longo e estreito como o de um réptil, mas ao invés de dois pares de pernas eles possuíam diversos, distribuídos espaçadamente ao longo de todo o seu flanco. Na parte frontal que apontava para ele algo que ele imaginava serem grandes cabeças longas, achatadas e pontudas elevavam-se quase um metro acima do solo, e do que deveria ser o pescoço das criaturas um anel de longos e finos tentáculos bifurcados estendia-se para frente agitando-se levemente na direção do que lhe pareceu ser um painel inclinado e perfeitamente plano, colorido por séries cambiantes de símbolos irreconhecíveis. No ar em frente às criaturas outros símbolos que pareciam ser feitos de pura luz flutuavam descrevendo trajetórias aparentemente irregulares. Quando um dos tentáculos tocava um símbolo de luz flutuant as luzes do painel mudavam para outra configuração incompreensível.

As criaturas pareciam ser revestidas por um veludo curto e espesso, que ele não podia dizer se era seu próprio pêlo ou algum tipo de vestimenta que usavam, e suas cores variavam do amarelo claro ao verde e o azul profundo. Nas partes do corpo que não estavam cobertas por esta penugem, como o que parecia ser a cabeça, os tentáculos e os vários pares de pernas, a cor era igual em todas as criaturas, de um marrom esverdeado escuro. No que poderia ser a cabeça nenhum detalhe era discernível, nem olhos, nem boca, nada. Hiroshi pensou que a superfície lisa sem marcas talvez fosse algum tipo de capacete protetor como o que ele mesmo estava ainda usando.

Enquanto ele observava embasbacado as criaturas, a que estava no centro do grupo e tinha a cor predominantemente azul escuro aproximou-se por sua vez do painel transparente, e elevou seu terço dianteiro do piso até atingir uma altura superior a dois metros, com os tentáculos jogados para trás ao longo do corpo e a parte frontal levemente recurvada na direção de Hiroshi.

- Dragões! – Exclamou ele alto quando compreendeu a forma real das criaturas, e jogou-se de joelhos no chão em atitude reverente. Ele mais uma vez lembrou-se das histórias de sua infância, onde os dragões sempre apareciam como criaturas sábias e benevolentes que auxiliavam os heróis nos momentos de maior necessidade. Então estas histórias tinham mesmo um fundo de verdade! É claro que em outras circunstâncias o jovem piloto teria percebido que a semelhança dos alienígenas com as míticas figuras do folclore oriental era bastante tênue, mas no estado super-excitado em que se encontrava agora e na falta de outras referências era quase inevitável que ele fizesse esta associação.

Os viajantes espaciais que haviam recolhido o jovem piloto japonês e procuravam acompanhar os pensamentos dele utilizando as capacidades de seus avançados equipamentos ficaram surpresos com esta reação. Eles não tinham como saber que os ossos fossilizados de animais há muito extintos daquele planeta, mal interpretados pelos que os haviam encontrado, tinham dado origem a histórias sobre tais criaturas fantásticas em várias culturas. E que especificamente nas culturas orientais como a japonesa estas criaturas assumiram o papel de entidades superiores e de nobres ideais, que buscavam auxiliar os homens bons quando estes estavam em dificuldades. Assim, eles não podiam entender os sentimentos de veneração que brotaram na mente de Hiroshi quando este julgou identificar seus captores. Mas perceberam imediatamente que isto poderia ser muito favorável aos seus propósitos.

- Ficamos contentes em perceber que você está mais receptivo ao nos ver. – Soou novamente a voz nos ouvidos do jovem piloto, que ainda estava ajoelhado e com a cabeça abaixada em sinal de respeito. – Agora podemos iniciar nosso contato e resolver a importante questão que nos levou a trazê-lo até nosso veículo.

- Senhores, o que desejam de mim? – Respondeu Hiroshi submisso ao perceber a primeira pausa de seu interlocutor. Sem saber exatamente porque, ele agora achava importante mostrar que estava à inteira disposição dos alienígenas.

- Não é necessário que você permaneça nesta posição se isto não lhe for confortável. – Disse a voz, aparentemente tentando deixá-lo à vontade. – Vamos explicar nossos propósitos e você nos ajudará a tomar uma importante decisão que poderá ter impacto decisivo sobre o futuro de sua raça.

Hiroshi entendeu a menção à sua posição de joelhos como uma ordem para se levantar e obedeceu prontamente, enquanto permanecia em silêncio e elevava os olhos cheios de veneração para o que acreditava agora ser seu estranho interlocutor, a criatura de pêlo azul semi-ereta atrás do painel transparente.

- Há muito tempo, - começou a contar a criatura – viajantes do espaço como nós encontraram seu planeta e sua raça, e perceberam que apesar de atrasados culturalmente vocês tinham o potencial para algum dia desenvolver uma civilização avançada. Eles decidiram instalar sensores em seu mundo para detectar quando sua cultura adquirisse o nível de maturidade tecnológica considerado suficiente para compreender as demais raças que partilham com vocês a galáxia, com as quais poderiam então entrar em contato. Estes sensores deveriam detectar a flutuação no meta-espaço produzida quando uma determinada quantidade de matéria fosse convertida em energia em um curto espaço de tempo e em um único ponto, indicando que vocês teriam aprendido a dominar a energia que a matéria esconde em seu interior. Eles eram suficientemente sensíveis para diferenciar reações de conversão produzidas artificialmente daquelas que ocorrem na natureza e uma vez detectada a flutuação a nave que se encontrasse mais próxima no momento seria alertada para visitar o seu mundo e travar o primeiro contato com seu povo.

Hiroshi ouvia a história sem compreender praticamente nada. Ele era apenas um jovem piloto sem nenhuma formação mais avançada em ciências e não tinha a menor idéia sobre o que a voz estava falando quando dizia coisas sobre conversão matéria-energia e flutuações do meta-espaço. Ele não tinha como saber que há cerca de duas semanas os americanos haviam detonado uma bomba nuclear em Alamogordo, no deserto do Novo México, e que o nível de energia desta bomba acionara os avançados sensores aos quais o alienígena estava se referindo, que passaram a enviar sinais de chamada codificados para o espaço e acabaram por atrair para a Terra a nave dentro da qual ele agora se encontrava. A história continuava, contudo.

- Ao chegarmos aqui investigamos primeiramente o local onde foi efetuada a conversão matéria-energia e verificamos que ela ocorreu em um lugar distante e isolado. Isto nos mostrou que seus cientistas sabiam perfeitamente o que estavam fazendo, já que a conversão pode ser uma coisa bastante perigosa. Passamos então a observar os detalhes de sua civilização, e percebemos um nível de atividade muito incomum nesta parte do seu planeta. Uma enorme quantidade indivíduos, utilizando veículos aquáticos e voadores, estavam envolvidos em ações que não podíamos compreender, aparentemente tentando destruir as instalações e concentrações de habitações em um conjunto de grandes ilhas localizadas próximas à maior massa continental do planeta. Muitos indivíduos nestas ilhas estavam perecendo no processo, o que não parecia importar aos que efetuavam a destruição. Detectamos uma oposição às ações de destruição por parte dos indivíduos que habitavam as ilhas, utilizando também equipamentos voadores, mas esta oposição era esporádica e evidentemente ineficaz para deter o processo. E mais indivíduos perdiam a vida nos encontros entre os dois grupos de veículos rivais.

Esta parte da história era perfeitamente compreensível para Hiroshi. A voz do dragão estava narrando a destruição de seu país naquela terrível guerra e era humilhante constatar que para aquelas criaturas a situação não podia mais sequer ser reconhecida como uma guerra, mas apenas como um processo de destruição praticamente unilateral. Hiroshi sentiu uma profunda vergonha por seu povo derrotado e humilhado, cujo infortúnio era observado por aqueles seres alienígenas.

- Esta situação não estava prevista. – Continuou o visitante de outro mundo. - Existem sim diversos registros de raças que quando atingiram o grau de maturidade tecnológica necessário para a conversão matéria-energia estavam enfrentando conflitos entre facções rivais, e na verdade é por isto que os protocolos exigem pressa no primeiro contato após a detecção desta realização tecnológica, pois se este conhecimento for utilizado como instrumento de destruição nos conflitos internos de um planeta as conseqüências podem ser terríveis. Mas no caso do seu mundo não se observou o que é mais comum, um conflito entre forças aproximadamente equivalentes, e sim a destruição deliberada das instalações e população de um grupo menor por outro evidentemente muito maior e mais poderoso. E não há indícios de que esta destruição será interrompida pela incapacidade de defesa dos que estão em situação de inferioridade. Em qualquer dos mundos conhecidos habitados por raças inteligentes com o mesmo nível de desenvolvimento cultural que a sua o lado mais fraco já teria desistido do conflito e o lado mais forte teria interrompido as hostilidades antes de causar mais destruição e sofrimento desnecessários. Portanto, nós não estamos conseguindo compreender o que se passa aqui. Para que possamos decidir qual procedimento adotaremos precisamos entender porque em seu mundo o fim deste conflito ainda não aconteceu.

Apesar da pouca idade e fraco interesse por história ou política Hiroshi podia perceber exatamente o que estava preocupando seu interlocutor. Para qualquer observador interno ou externo daquela guerra era mais do que evidente que o Japão já estava totalmente derrotado e destruído, e jamais poderia ter esperanças de mudar esta terrível situação. Porquê então a guerra não terminava, com a rendição dos japoneses aos americanos?

Devia estar claro para os alienígenas que a guerra se encontrava em seus estágios finais e que os combates deviam ter sido mais equilibrados anteriormente. Porém, através de seus sensíveis equipamentos capazes de captar os sentimentos e as emoções das mentes conscientes daquele mundo eles haviam percebido uma estranha anomalia: Nas mentes da maioria dos que participavam daquele conflito não havia vontade de terminá-lo! É claro que existiam exceções e não eram poucas, mas o desejo de paz não era um pensamento generalizado.

O que os alienígenas podiam perceber era o contrário, uma disposição da maioria dos indivíduos do lado mais fraco em lutar até o fim e de morrer antes de se entregar, enquanto no lado mais forte o que dominava era um desejo de continuar destruindo até que o inimigo não tivesse mais absolutamente como reagir, e aí destruir um pouco mais ainda. Para eles, que chegavam agora a este planeta, tais sentimentos não podiam ser compreendidos dentro dos limites das informações prévias sobre as raças inteligentes e civilizadas que podiam ser encontradas no banco de dados de sua nave.

É claro que se conhecessem mais detalhes sobre a história e a cultura daquele mundo eles poderiam ter uma idéia bem melhor sobre as razões dos pensamentos que seus instrumentos detectavam. Eles saberiam entre outras coisas que a cultura japonesa havia sofrido no passado uma forte influência do medo de uma invasão por parte do império chinês de Kublai Kan, e que os sucessivos regimes militares dos shoguns que governaram o Japão desde então haviam inculcado em toda sua população um sentimento marcial e de honra exagerado, o que tolhia a maioria dos pensamentos sobre uma eventual rendição aos seus inimigos. Já do lado americano eram as circunstâncias do ataque a Pearl Harbor, apresentadas à população como uma traição e uma infâmia que vitimara não só navios e instalações militares, mas também diversos civis inocentes que viviam próximo à base, que acirravam os ânimos da maioria do povo americano contra o império do sol nascente. Isto, juntamente com uma forte campanha de propaganda contra os próprios japoneses, que eram apresentados como bárbaros incivilizados e agressivos que deveriam ser combatidos até que não pudessem jamais se recuperar. Na situação atual da guerra os Estados Unidos não corriam mais nenhum risco de derrota ou mesmo de algum revés menor, e estavam na confortável situação de continuar destruindo o Japão quase impunemente até obterem a rendição incondicional do inimigo, o que seria uma humilhação grande demais para os japoneses aceitarem.

Caso a tripulação daquela nave fosse constituída de cientistas ou historiadores e não apenas por mercadores, ou se seus equipamentos fossem mais avançados que a versão simplificada que carregavam, eles poderiam ter percebido todas as complexas nuances dos pensamentos humanos e verificado que aquela situação do final da guerra entre os Estados Unidos e o Japão era uma circunstância atípica e que na verdade ambos os povos já estavam cansados da guerra e queriam realmente que ela terminasse o mais breve possível. Mas estes sentimentos, embora verdadeiros, estavam encobertos pelo entusiasmo dos americanos, que sabiam já ter vencido a guerra e queriam agora impor uma humilhação aos seus inimigos como a que haviam sofrido em Pearl Harbor, e pela resignação do disciplinado povo japonês ante sua terrível situação.

É claro que do ponto de vista dos alienígenas nada daquilo fazia sentido. Tudo indicava que os habitantes daquele planeta já haviam evoluído o bastante para travar suas guerras de forma civilizada, e esta guerra especificamente já deveria estar terminada há muito tempo. A menos que aquela raça fosse caracterizada por uma agressividade extremamente elevada, em um nível poucas vezes observado em raças inteligentes ao longo da história da galáxia. Se fosse este o caso os protocolos indicavam que o planeta deveria ser imediatamente colocado em quarentena e todo contato de qualquer civilização avançada com o povo daquele mundo seria estritamente proibido. Esta seria uma decisão terrível, pois abandonada à própria sorte o mais provável é que uma raça como aquela, altamente agressiva e que já conhecia a energia atômica, acabasse por destruir a si própria em muito pouco tempo. E mesmo que isto não ocorresse a quarentena manteria aquela civilização totalmente isolada do restante da galáxia, mesmo de contatos por rádio, até que ela desenvolvesse por si própria a capacidade de viajar mais rápido que a luz, o que poderia levar várias centenas ou mesmo milhares de anos. E, devido às circunstâncias, a decisão sobre se este terrível isolamento seria imposto ao povo daquele planeta agora cabia justamente à tripulação da nave onde o tenente Hiroshi Fuchida se encontrava.

Esta era a grande preocupação daqueles seres e foi em uma tentativa de melhor compreender a situação e tomar a decisão mais acertada que eles haviam decidido capturar um dos guerreiros envolvidos no conflito. Sua idéia era passar as informações necessárias para que aquele indivíduo compreendesse a situação de sua raça e o que estava em jogo naquele momento, e depois liberá-lo para retornar ao contato dos seus semelhantes. Eles iriam então monitorar os pensamentos e sentimentos do espécime capturado e dos que entrassem em contato com ele no seu retorno para casa, e em função da reação que percebessem tomariam sua decisão. Se os indivíduos observados recebessem as notícias sobre o primeiro contato com uma raça alienígena que trazia a possibilidade de paz e prosperidade inimagináveis para todo o seu povo com alívio e esperança eles poderiam cumprir a diretiva original e iniciar os procedimentos de comunicação. Mas se demonstrassem hostilidade ou mesmo apenas desinteresse, então teriam selado o destino do seu planeta e ficariam isolados das demais raças da galáxia, talvez para sempre.

E assim, nas mãos do pobre piloto japonês que não conseguia entender nada do que se passava e nas de seus superiores que nem imaginavam o que estava acontecendo com ele repousava o futuro de toda a raça humana!

Dando prosseguimento ao seu plano os alienígenas continuaram sua comunicação com Hiroshi, que agora estava de novo ficando confuso:

- Por isso decidimos contatar você e por seu intermédio enviar uma mensagem para seu povo. É muito importante que você escute as informações que vamos lhe passar agora, e elas devem ser levadas o mais rapidamente possível aos seus superiores e transmitidas com o máximo de exatidão. O futuro da sua raça depende diretamente disso. Você compreende e está pronto?

- Sim... sim, senhores? – Disse o jovem oficial japonês cabisbaixo, trêmulo e inseguro sobre a forma como deveria se referir àqueles seres que considerava como criaturas místicas, mas ao mesmo tempo atento por ter percebido a referência à “sua raça” na fala do alienígena. É claro que na sua cabeça esta raça seria a japonesa, mas esta sutileza não foi percebida pelos visitantes.

- Diga a seus superiores que você foi contatado por embaixadores da comunidade de raças tecnologicamente desenvolvidas da galáxia e que estamos aqui em missão de paz. Trazemos para vocês a promessa de intercâmbio e cooperação ilimitados, e estamos dispostos a transmitir-lhes os conhecimentos acumulados por milhares de raças inteligentes ao longo de centenas de milhares de anos. Informações culturais e técnicas sobre os fenômenos da natureza, a produção de bens, a solução de problemas de saúde e qualquer outro campo que lhes interessar serão colocadas a sua disposição. Com nossa ajuda, sua raça em pouco tempo terá resolvido todos seus problemas neste planeta e poderá iniciar sua expansão pelos outros mundos do seu entorno galáctico. Tudo o que pedimos em troca de nossa irrestrita amizade é que interrompam as iniciativas hostis contra qualquer outro grupo de indivíduos ou nação de seu mundo. Nenhuma outra morte ou destruição deve ser causada por conta das disputas internas entre facções locais. Esta é nossa mensagem. Você a compreendeu, ou tem alguma dúvida?

A cabeça de Hiroshi girava. Ele não tinha condições de compreender todo o alcance da oferta dos alienígenas, mas percebia que era algo extremamente importante. Os senhores dragões estavam dizendo que sua raça teria acesso às informações que necessitasse para resolver todos seus problemas? Isto incluía derrotar seus inimigos? Mas que história era aquela de não haver mais mortes entre facções locais? Não havia mais facções no Japão desde o fim do período feudal.

Captando os pensamentos e percebendo o rumo do raciocínio de seu cativo os alienígenas ficaram alarmados. Eles já haviam concluído através de suas pesquisas que aquela raça não tinha conhecimento da existência dos demais seres inteligentes existentes em outros sistemas solares e além disso não havia nenhuma espécie inteligente com tendências hostis ou violentas em um raio de milhares de anos-luz dali. Então, em que inimigos de sua raça poderia o jovem piloto estar pensando?

- Você parece não conseguir compreender nossa mensagem. Para que possam receber os conhecimentos que a entrada para a comunidade galáctica colocará à sua disposição todos os conflitos em seu mundo deverão cessar. Sua raça deve encerrar todas as suas ações militares imediatamente.

Mas Hiroshi ainda não conseguia entender o conceito de raça dos visitantes.

- Mas..., senhores..., se não enfrentarmos nossos inimigos eles nos destruirão totalmente. E não podemos nos render sem perder nossa honra, todos os nossos guerreiros não podem ter morrido em vão durante todos estes anos! – E ao dizer isso o jovem piloto pensou em seu pai e seu irmão e um nó surgiu em sua garganta.

Os alienígenas por um momento mantiveram silêncio enquanto verificavam os dados que estavam obtendo com seus instrumentos, que vasculhavam os pensamentos e sentimentos do japonês. Eles finalmente concluíram que ele só reconhecia a expressão “sua raça” como se referindo ao povo do próprio Japão e não estendia o conceito a todos os habitantes do planeta. Decidiram então mudar a programação das palavras que seu tradutor automático estava utilizando. Após alguns momentos acionando os controles luminosos necessários eles voltaram a se manifestar.

- Todos os povos de todas as regiões deste mundo deverão interromper suas ações bélicas imediatamente, não apenas o povo da sua nação. Temos meios para garantir isso. Mas antes de utilizar estes meios temos que decidir em quais protocolos vocês se encaixam. Por isso capturamos você e sua aeronave e vamos monitorá-lo e aos seus superiores. Somente após avaliar suas reações ao contato conosco poderemos tomar uma decisão sobre como agir em seguida.

Hiroshi começou a entender o que a estranha criatura dizia. Os alienígenas desejavam que a guerra parasse e o haviam escolhido para levar esta mensagem aos comandantes japoneses. Mas e os americanos, como fariam para que eles também interrompessem seus ataques contra o Japão?

- Os senhores também capturaram um piloto americano? – Perguntou ele timidamente, tentando confirmar seu raciocínio.

- Não precisamos capturar mais de um habitante deste mundo. – Retrucou o viajante espacial. – Nossos planos consideram contatar apenas um único indivíduo enquanto não tomarmos nossa decisão, e você foi o escolhido. Apenas após a conclusão de nosso teste com você e seus superiores contataremos outros habitantes deste planeta.

- Mas porquê eu? – Retrucou o jovem piloto, compreensivelmente assustado por ser o centro daquela incrível história. – Porquê os senhores me escolheram?

- Porque você foi o único que conseguimos encontrar sozinho.

Este ponto Hiroshi conseguiu compreender muito bem. Quase já não havia aviões e pilotos japoneses nos céus, era realmente difícil achar algum, e os americanos estavam sempre em grupo e seria praticamente impossível encontrar um isolado. Foram apenas as desafortunadas circunstâncias da missão do esquadrão de Hiroshi, que o deixaram abandonado em um céu totalmente dominado pelo inimigo, que permitiram aos alienígenas capturá-lo.

Então era isso. Por um estranho capricho do destino ele estava destinado a ser escolhido como mensageiro por aquelas criaturas, que lhe pediam para levar uma mensagem aos seus superiores solicitando que terminassem a guerra contra um inimigo que jamais aceitaria interromper seus ataques até que os japoneses estivessem de joelhos. Depois disso ele não sabia o que aconteceria. Como os americanos saberiam que também deviam cessar as hostilidades? E aceitariam eles as condições dos alienígenas? Ou sequer acreditariam nelas? Nem ele mesmo sabia no que acreditar, não seria tudo isso apenas um sonho?

Os visitantes perceberam que apesar de ainda confuso o jovem piloto estava começando a compreender o que desejavam dele e agora estava preocupado em que os inimigos de seu país não continuassem a destruí-lo enquanto estivesse justamente dizendo aos seus superiores que deveriam procurar a paz. Por um momento eles ponderaram se deviam dizer ao seu cativo que caso decidissem manter o plano original e contatar o povo daquele planeta, qualquer aeronave ou navio americano que insistisse em efetuar atividades hostis contra o Japão seria capturado pelos campos de anti-gravidade da nave alienígena, transportado sobre o Pacífico e depositado calmamente no meio das pradarias da América do Norte. Alguns porta-aviões e cruzadores descansando placidamente nos campos do Colorado, Nebraska ou do Kansas, cercados por centenas de aviões jogados na relva, certamente convenceriam os americanos de que a guerra acabara. Mas concluíram que provavelmente levariam algum tempo até explicar este ponto a Hiroshi. Além disso, caso a decisão final fosse a de colocar aquele mundo sob quarentena os protocolos diziam que o mínimo possível de informação sobre o potencial tecnológico à disposição da comunidade das raças inteligentes da galáxia deveria ser transmitido aos habitantes do planeta. Resolveram portanto não entrar em detalhes sobre este ponto e prosseguir com seu plano o mais rapidamente possível.

- Podemos verificar por seus pensamentos que você está começando a entender a situação na qual se encontra. Isto não é um sonho, e é fundamental que você perceba a importância da mensagem que lhe confiamos e a grande responsabilidade que tem em fazê-la chegar aos seus superiores. Disso depende o acesso de toda a população deste mundo aos conhecimentos mais avançados existentes na galáxia. Não é necessário que você se preocupe com os inimigos de sua nação, nós nos encarregaremos deles.

- Mas, e se... – Tentou começar o jovem piloto timidamente, sendo interrompido antes de poder retrucar.

- Os conflitos entre as diversas facções deste mundo não tem mais importância. A sua única preocupação deve ser levar nossa mensagem aos seus superiores. Você se lembra do que deve dizer a eles?

Hiroshi assustou-se com a interpelação do alienígena e por um momento ficou sem reação, mas o silêncio que se seguiu deixou claro que ele precisava dar alguma resposta. Com um pouco de esforço o japonês conseguiu organizar seus pensamentos e disse em voz baixa e incerta:

- Os senhores drag..., hum..., err... , os senhores querem que eu diga ao meu comandante que devemos parar de lutar contra os americanos, e se fizermos isso os senhores nos darão conhecimentos e poder para..., para... – E fez uma pausa, pois não havia conseguido compreender os detalhes e o alcance da oferta dos visitantes.

- Nós lhes daremos, entre muitas outras coisas, os conhecimentos sobre os segredos da natureza que permitirão a satisfação de todas as necessidades de cada um dos habitantes deste planeta, liberando seu tempo e esforços para a busca do auto-aperfeiçoamento bem como a ampliação do seu patrimônio cultural e consequentemente o de todas as demais raças que compartilham com vocês esta galáxia.

- A satisfação de todas as nossas necessidades? – Perguntou Hiroshi, com uma idéia lhe ocorrendo. – Seria possível para mim ter Mitiko de volta? – Tornou ele, tomado de ansiedade pela resposta dos seres que o haviam capturado.

Os alienígenas não compreenderam imediatamente o que o jovem piloto queria dizer. Seus instrumentos detectaram na mente dele a impressão de uma jovem fêmea da espécie pela qual ele tinha grande interesse, mas também captaram a informação de que ela não mais vivia, pois havia perecido em um incêndio algum tempo antes. Não existiam registros de que os habitantes daquele mundo mantivessem junto de si os corpos de seus mortos como faziam algumas outras raças, então eles não viam objetivo na pergunta de seu cativo e temeram que ele estivesse perdendo suas faculdades mentais devido à situação em que se encontrava. Decidiram por isso esclarecer melhor aquele ponto, embora não desejassem perder tempo discutindo assuntos particulares do espécime que haviam escolhido para sua experiência:

- Porquê você gostaria de recuperar o corpo da fêmea que desejava por companheira? Que utilidade teria ele para você? – Perguntaram eles, ainda sem compreender o que o japonês queria dizer.

- Meus..., senhores..., eu gostaria de tê-la de volta viva. Se puderem... – Começou Hiroshi, mas os alienígenas já tinham captado as imagens que lhe passavam pela mente e compreendido o que ele desejava, por isso o interromperam.

- Não conhecemos nenhuma tecnologia capaz de regenerar um organismo que tenha sido destruído como foi o da fêmea a que você se refere. Seria extremamente difícil devolver-lhe a vida mesmo se a morte houvesse sido recente, e após o tempo decorrido desde o evento isto tornou-se totalmente impossível. Não podemos trazer de volta esta Mitiko.

O pequeno fio de esperança que o jovem japonês chegara a sentir por alguns instantes quebrou-se dentro dele, como um vaso de cristal que derramasse água gelada em suas entranhas. Os alienígenas diziam que se o Japão parasse de lutar contra os americanos a guerra acabaria e todos no mundo, amigos e inimigos, receberiam o que quisessem para serem felizes. Todos, menos ele. Pela milésima vez ele se perguntou porquê não havia sido logo abatido e morto naquela batalha do dia em que Mitiko morrera? Assim ele não teria que passar pelo cruel sofrimento de saber o terrível destino que vitimara sua amada e talvez até estivesse agora com ela em algum outro mundo no além. Mas não havia como voltar atrás. Ela se fora, e ele ainda estava vivo para sentir sua falta.

Com um profundo suspiro Hiroshi afastou estes tristes pensamentos, já que nada havia que pudesse ser feito, e invocou a disciplina militar na qual havia ido adestrado para controlar seus sentimentos. Os visitantes de outro planeta estavam lhe dando uma missão importante e tentar cumpri-la era uma forma de esquecer pelo menos momentaneamente seu sofrimento.

Os alienígenas acompanharam com apreensão as voltas dos pensamentos do japonês e ficaram aliviados quando perceberam que ele finalmente os colocou em ordem. Todas as informações que estavam programadas já haviam sido transferidas para o espécime e a experiência agora devia prosseguir para a próxima fase. Prolongar a conversa com Hiroshi seria perda de tempo, e por isso eles decidiram passar suas últimas instruções e encerrar seu contato com ele.

- Você agora deve retornar para sua aeronave e acionar seu sistema de propulsão. Vamos liberá-lo para que retorne ao seu povo e transmita nossa mensagem. Depois disso você saberá nossa decisão. – E enquanto assim diziam a janela que permitia a Hiroshi observá-los foi se tornando cada vez mais opaca, até que não era mais possível distingui-la do restante da parede. O jovem piloto estava novamente isolado na sala branca abobadada, cujo nível de iluminação voltou ao inicial.

Por alguns instantes ele aguardou algum outro contato por parte dos visitantes, mas não houve nenhum. Ele já tinha suas instruções e não havia necessidade de transmitir informações adicionais. Meio desconcertado por se ver de repente sozinho, Hiroshi demorou um pouco antes de se mover. Então lentamente virou-se para seu avião e caminhou até ele com passos vacilantes. Dando a volta pela asa o jovem e desesperançado piloto subiu sobre ela pelo bordo de fuga, entrou na cabine, sentou-se em seu assento, prendeu os cintos de segurança e fechou a carlinga. Por força do hábito checou o painel antes de ligar o motor, e percebeu que o climb marcava 2,5m/s, como se ele estivesse voltando a ganhar altitude. O altímetro marcava 4500m, e subia lentamente acompanhando a leitura do climb. Ele acionou a sequência de comandos que ligava o motor, mas manteve a aceleração no mínimo pois o avião não estava calçado e caso se deslocasse para a frente poderia bater contra a parede abobadada da sala. Ele verificou mais uma vez seus instrumentos e olhou de novo para fora da carlinga, ficando surpreso ao perceber que não conseguia mais distinguir onde a parede e o piso estavam, embora tudo continuasse imaculadamente branco como antes. Por alguns momentos ele olhou em volta, desorientado, e só ao observar o horizonte artificial percebeu que seu avião se encontrava novamente na posição de vôo e não mais inclinado como se estivesse pousado. Automaticamente ele checou o indicador de velocidade e descobriu que este marcava trezentos e sessenta quilômetros por hora, o que lhe causou um ligeiro susto antes que seu raciocínio lhe dissesse que ele já devia estar fora da nave alienígena. Ele decidiu acelerar lentamente o motor e neste exato momento sua aeronave deu um suave balanço e voltou a responder aos seus comandos.

Ele estava novamente voando, mas a sua volta ainda podia ver apenas um branco infinito. Fixando a vista, contudo, notou tênues fiapos de vapor que rodopiavam ao redor das pontas de suas asas e percebeu que estava de volta ao interior de uma nuvem. Por vários momentos o jovem piloto japonês ficou indeciso, sem saber o que fazer a seguir. Ele tinha perfeitamente na memória todos os detalhes do seu encontro com os senhores dragões, ou seja lá o que fossem eles, mas não tinha absolutamente nenhuma indicação de que estas lembranças pudessem ser reais. Observando seus instrumentos ele constatou que estava na mesma altitude em que se encontrava ao perceber a nave lenticular pela primeira vez e também na mesma velocidade. Não havia nada diferente em seu avião ou nele mesmo e a única mudança que podia perceber por seus instrumentos é que agora ele seguia na direção norte-noroeste, exatamente contrária a que sabia estar seguindo antes que todo aquele episódio começasse. E ele não se lembrava de ter feito nenhuma curva. A própria nave teria virado cento e oitenta graus enquanto ele e seu avião ainda estavam em seu interior, ou ele teria apenas se desorientado dentro da nuvem onde se encontrava pouco antes, e de onde na verdade ainda não teria saído, e perdido a direção?

Tentando colocar ordem em seus pensamentos Hiroshi pesou suas possibilidades. Ele poderia continuar seguindo as ordens que recebera antes de decolar e procurar pela frota inimiga, mantendo-se naquela mesma área de patrulha sobre o mar descrevendo grandes círculos enquanto buscava sinais de algum navio americano. Neste caso ele ainda teria cerca de duas horas de vôo antes de ficar sem combustível e ser forçado a um pouso de emergência no meio de um oceano dominado pelo inimigo. E mesmo que antes disso ele encontrasse algum alvo, o que poderia um único avião fazer contra frotas que mesmo ataques com dezenas de aeronaves haviam falhado em destruir?

Outra opção seria manter-se na direção em que já estava voando e retornar ao Japão de acordo com as instruções dos senhores dragões, levando a mensagem enviada por eles. Neste caso, a menos que fosse encontrado por patrulhas aéreas americanas ele não deveria ter dificuldades de chegar a algum dos poucos aeródromos ainda disponíveis, principalmente se alijasse a bomba que ainda carregava. E então, caso conseguisse pousar em segurança e seus superiores acreditassem no que dizia, a guerra deveria acabar e todos os povos da Terra teriam a amizade dos visitantes do outro mundo e quaisquer recursos que precisassem para viver felizes e satisfeitos para todo o sempre, incluídos aí os inimigos de seu país. E todos os que pereceram naquela terrível guerra teriam morrido em vão, inclusive seu pai, seu irmão e Mitiko. Ele até podia voltar para o Japão, mas seu coração jamais poderia voltar do grande vazio onde se encontrava.

Sem saber o que decidir Hiroshi resolveu continuar em frente pelo menos até poder ver alguma coisa, e após mais alguns instantes o branco à sua frente pareceu ficar mais escuro, depois adquiriu um tom azulado, e finalmente ele saiu para o céu limpo que se estendia à sua frente até o horizonte, com apenas umas poucas nuvens bem espalhadas visíveis à distância. Por um momento o jovem piloto ficou sem reação, tentando imaginar o que faria a seguir. Ele olhou a sua volta, procurando algum sinal da nave em forma de lentilha onde havia passado os últimos minutos, mas não pôde encontrar nada e concluiu que ela ainda devia estar dentro da nuvem. Ou então nunca existira e tudo aquilo fôra apenas um estranho sonho, uma alucinação.

E foi então que uma explosão a poucas dezenas de metros de distância provocou um solavanco que quase o fez perder o controle de seu avião. Outra um pouco mais longe produziu um grande estrondo, confirmando que o bombardeiro havia sido detectado pelo inimigo e estava sob ataque!

Hiroshi sabia o que estava acontecendo, embora ainda não tivesse confirmado visualmente a presença dos americanos. Com agilidade ele comandou uma forte guinada para a esquerda, inclinando seu avião até que ficasse com as asas em posição vertical, com o duplo objetivo de desviar-se de outros disparos que já deveriam estar sendo feitos contra ele e ao mesmo tempo conseguir algum campo de visão para baixo. E então ele viu, colocados quase diretamente abaixo dele e navegando em sentido contrário, os seis navios que estavam tentando alvejá-lo com seus canhões antiaéreos.

Pelo tamanho e quantidade de torres de canhão o piloto japonês imediatamente identificou as belonaves inimigas que agora começavam a atirar com todas as suas armas depois de terem ajustado a mira após os primeiros disparos, já que a súbita aparição do bombardeiro de mergulho Aichi praticamente acima deles não permitia o uso do radar. Tratava-se de um cruzador antiaéreo pesado acompanhado por cinco destróieres de diversas classes. Aquela frotilha provavelmente estava navegando ali com o objetivo de dar proteção avançada a alguma força-tarefa maior que devia estar um pouco mais ao sul ou sudeste, a qual com certeza incluía porta-aviões e havia sido o objetivo inicial da missão do esquadrão de Hiroshi.

O céu em torno do avião branco, preto e vermelho agora estava salpicado de explosões e nuvens de fumo, e o jovem piloto tentava escapar dos disparos dos canhões de cinco polegadas dos navios com uma sequência de violentas manobras à direita e a esquerda. Como ele era o único alvo para todos os artilheiros dos seis navios a barragem de fogo que estava enfrentando era realmente infernal. Lá embaixo o inimigo parecia exultante, com os jovens marinheiros disputando para ver quem iria derrubar aquele pobre aviador nipônico que sabia Deus como havia passado pela vigilância dos radares e pelas patrulhas de caças, conseguindo se aproximar das belonaves. Ninguém acreditava que a esta altura da guerra as forças armadas japonesas ainda pudessem representar qualquer tipo de ameaça, ainda mais com um único avião, e os tiros eram disparados entre sorrisos e piadas. Hiroshi sabia perfeitamente disso e tinha plena consciência de que estava servindo de diversão para a marujada lá embaixo, que praticava tiro ao alvo contra ele. Se estivessem levando o combate a sério aqueles navios teriam iniciado manobras evasivas para evitar a bomba que ele ainda carregava e chamado seus caças de patrulha para enfrentar o adversário. Os canhões deveriam ser utilizados apenas se o avião japonês mergulhasse para o ataque.

Após todo o sofrimento que testemunhara em seu país e as perdas pessoais que sofrera, a constatação de que o inimigo agora brincava com a guerra e com sua própria vida foi a gota d’água. Ele sentiu seu coração gelar e os semblantes de seu pai e de seu irmão apareceram em sua mente, com suas faces severas deixando claro qual era a ação que esperavam dele.

E ele então tomou sua derradeira decisão.

Suas mãos se crisparam em volta do manche e com os dentes trincados ele parou de manejá-lo para os lados e o empurrou com força para a frente. O avião mergulhou imediatamente, gerando uma força G negativa que o fez descolar de seu assento e ficar pendurado em seus cintos de segurança. Com calma deliberada ele comandou logo em seguida um meio-giro para a esquerda alinhando seu mergulho com a direção em que o maior dos navios americanos estava navegando e apontando o nariz do avião para sua proa. O cruzador mesmo assim continuou navegando firmemente em linha reta ao invés de começar manobras evasivas em zigue-zague, evitando desta forma prejudicar a pontaria de seus canhões em um franco desafio ao ataque do piloto japonês.

A velocidade do bombardeiro de mergulho subiu rapidamente para mais de quinhentos quilômetros por hora e Hiroshi reduziu a rotação do motor e acionou seus freios de mergulho para evitar que ela subisse ainda mais. O avião começou a vibrar, mostrando os grandes esforços a que estava sendo submetido, mas seu piloto sabia que ele havia sido projetado e construído exatamente com o objetivo de realizar aquele tipo de ataque e não tinha nenhuma dúvida de que cumpriria sua missão. Com movimentos sutis do manche e dos pedais ele comandava suaves curvas ao redor da sua trajetória de descida, prejudicando a pontaria da anti-aérea inimiga sem perder a direção do alvo. O climb agora estava colado em seu limite inferior e o altímetro girava como louco enquanto os ouvidos de Hiroshi zuniam com o rápido aumento da pressão, mas ele não prestava atenção a nada disso e mantinha toda sua concentração apenas no navio inimigo e na furiosa barragem de fogo lançada contra ele, que passou a incluir também os canhões de tiro rápido de quarenta milímetros. Mas sua altitude diminuía muito rapidamente em uma trajetória irregular e os projéteis americanos, tanto os de impacto quanto os equipados com espoletas de proximidade, não conseguiam se aproximar à distância adequada para explodirem e causarem estragos mais sérios.

Quando estava a mil metros de altitude o jovem japonês assestou sua mira e acionou a liberação da bomba, que se soltou com um forte solavanco e mergulhou em direção ao cruzador cuja tripulação finalmente percebeu que a guerra ainda era uma coisa real. Pelas instruções do manual do Aichi D3A2 ele deveria agora puxar suavemente o manche e iniciar uma cuidadosa recuperação, saindo do mergulho e afastando-se da área de impacto da bomba para evitar ser atingido por estilhaços da explosão. Mas não eram estas as ordens que recebera, e nem a sua intenção. Por isso não havia um artilheiro no banco de trás de seu avião, ele estava atulhado de explosivos que transformavam o aparelho em outra bomba, que deveria atingir o alvo ampliando a destruição. E o mais jovem dos irmãos Fuchida estava decidido a garantir que era isso mesmo que aconteceria, cumprindo assim a missão kamikaze para a qual seu esquadrão havia sido lançado naquele dia.

Seis segundos antes do impacto contra o navio um projétil de cinco polegadas do inimigo explodiu próximo à sua asa direita, arrancando toda a ponta desde a base do aileron e incendiando o tanque de combustível daquele lado. O solavanco e o enorme desbalanceamento da força de sustentação sobre a asa ainda intacta na velocidade do mergulho fez o avião iniciar um rápido giro longitudinal no sentido horário. Um piloto menos hábil e experiente teria tentado compensar este movimento com o aileron restante, comandando um giro para a esquerda, mas a falta de quase metade de uma asa teria tornado a tentativa impossível e levado o bombardeiro a entrar em um tounneau barril divergente que o faria perder o controle e estalar-se contra o mar, longe de seu alvo. Hiroshi, contudo, nem sequer pensou em tentar isso e ao invés comandou um rolamento na mesma direção em que seu avião já estava girando, entrando num forte parafuso que evitou qualquer desvio da trajetória. A dois segundos do alvo a cauda do Aichi foi arrancada por uma rajada de quarenta milímetros, mas o rápido giro do aparelho o manteve firme na mesma direção. Nenhuma força no mundo poderia agora desviá-lo de seu alvo, e Hiroshi sabia disso.

Quase desmaiando devido à força centrífuga ele não percebeu o impacto da bomba contra a coberta de popa do cruzador, nem seu próprio impacto um segundo e meio depois logo atrás da ponte de comando. Em seu último instante de vida a única imagem que Hiroshi viu foi o rosto de Mitiko, sorrindo para ele. E ele sorriu de volta, acreditando que em breve estaria com ela.

* * *

O tenente Mark Mathew voava seu F-4U Corsair como ala do capitão Robert “Ducky” Jones, enquanto os dois retornavam para junto de seus companheiros de esquadrão após haverem se separado para esclarecer o que se revelara um eco falso captado pelo radar de um dos navios. Todos lá embaixo pareciam estar bem nervosos agora. Ele e Ducky mantinham um silêncio de rádio constrangido enquanto ouviam a fonia entre seu líder de esquadrilha e o controle de vôo. O major estava recebendo uma descompostura por deixar passar o Aichi “Val” que havia causado enormes baixas em um cruzador anti-aéreo, e não conseguia explicar como isso podia ter acontecido.

Olhando em volta com medo de que outro avião japonês conseguisse passar, Mark de repente notou uma pequena e estranha nuvem lenticular à distância, e achou que seu aspecto era bastante incomum para aquela altitude. Subitamente, contudo, a tal nuvem disparou para o alto em uma enorme velocidade e desapareceu no céu azul em apenas um instante, deixando o piloto americano sem ter sequer certeza de que havia realmente visto alguma coisa. Por um momento ele pensou em chamar Ducky e perguntar se ele também tinha percebido aquilo, mas acabou deixando para lá e já havia se esquecido do assunto antes mesmo de pousar de volta em seu porta-aviões.

E nunca mais ninguém viu aquela nuvem, nem nenhuma outra como ela.

Leandro G Card
Enviado por Leandro G Card em 25/06/2009
Reeditado em 20/10/2024
Código do texto: T1666781
Classificação de conteúdo: seguro