Um passado insuspeito.

Os geólogos olhavam para o pequeno objeto sobre a mesa intrigados, sem conseguir compreender a princípio como ele podia ter relação com o trabalho quase de rotina que estavam executando. Eles estavam apenas testando um novo tipo de broca que seria utilizada para a prospecção de petróleo e de repente haviam sido apresentados àquilo.

- Aí está ela, percebem o que eu queria dizer? – Exclamou o operador da perfuratriz apontando para a peça, satisfeito em notar que os pesquisadores agora estavam tão perplexos quanto ele.

Meia hora antes, quando havia aberto o cilindro extraído pela broca desde uma profundidade de várias centenas de metros abaixo do nível do solo, ele também ficara atônito ao encontrar aquele pequeno objeto em meio ao cascalho e às pedras ainda aquecidas devido ao processo de perfuração. A forma perfeitamente circular da coisa e seu aspecto polido e brilhante já davam logo de início a impressão de serem artificiais, mas quando ele percebeu que em ambos os lados ela parecia coberta pelo que sem sombra de dúvida eram imagens em alto e baixo relevo de símbolos totalmente desconhecidos, teve certeza de que se tratava de algum objeto manufaturado. Mas como podia ser isso, se de acordo com os geólogos a camada de rocha em que a broca se encontrava agora havia sido formada por sedimentos depositados dezenas de milhões de anos atrás?

O operador ligara então para o telefone do chefe da equipe de geólogos e informara seu achado, mas o cientista não havia compreendido o que ele queria dizer. Ele encontrara uma peça metálica no meio do sedimento? Então a broca havia quebrado e um pedaço subira no cilindro de amostras? Não? Talvez o revestimento interno de um tubo de perfuração tivesse se partido. Também não? Então do que diabos afinal ele estava falando?

Percebendo que seria difícil explicar por telefone ele pedira para que outro operador o substituísse na supervisão da perfuratriz, pegara o objeto e o levara até a tenda onde os geólogos trabalhavam nas amostras, para apresentá-lo a eles pessoalmente. E agora eles olhavam incrédulos para o pequeno disco sobre a mesa com a mesma expressão de espanto no rosto que ele havia feito ao encontrá-lo.

- Tem certeza de que isto estava dentro do cilindro, não caiu de algum outro lugar? – Perguntou o geólogo-chefe sem tirar os olhos da pequena peça metálica.

- Absoluta, eu mesmo o recolhi. Também dá para ver as marcas onde ele foi arranhado pela broca, as ranhuras são inconfundíveis.

- Isto não é possível! - Retrucou um dos geólogos mais jovens. - A broca está retirando material de uma camada sedimentar com trinta e cinco milhões de anos de idade. Este objeto é claramente artificial, mas a civilização como a conhecemos tem no máximo algumas dezenas de milhares de anos. Mesmo os ancestrais mais antigos de nossa espécie só existem há uns poucos milhões de anos, como um objeto artificial pode ser mais antigo do que isso?

A implicação era óbvia e ao mesmo tempo inacreditável para todos os presentes. Se aquele objeto realmente estava enterrado desde o tempo da formação da camada de arenito onde havia sido encontrado, então ele deveria ter sido feito antes que qualquer civilização surgisse, em uma época da qual a maioria das espécies de seres vivos existentes só era conhecida através de fósseis!

- Mas só havia animais no mundo há trinta e cinco milhões de anos, esta peça não pode ter sido feita naquela época. A única explicação é que a broca atravessou um trecho de inversão das camadas geológicas. Isto não é tão incomum. – Comentou outro geólogo.

- Como assim, o que é esta tal inversão? Esta peça poderia ser recente e assim mesmo estar lá no fundo do poço de onde tiramos a amostra? – Perguntou o operador da perfuratriz, curioso. Ele era apenas um técnico mecânico e não compreendia o jargão dos especialistas em geologia que avaliavam os dados obtidos durante o trabalho de perfuração.

- Às vezes, ao longo das eras, a crosta do planeta se contorce empurrada pelo movimento das placas tectônicas, ou a parede erodida de uma montanha desaba sobre um vale, e assim camadas de material mais antigo acabam se sobrepondo às de material mais recente. Depois tudo é coberto por novos sedimentos. Isto gera uma inversão das camadas geológicas, que pode passar desapercebida em um primeiro momento. – Explicou o chefe dos geólogos. – Quando se começou a investigar o registro fóssil este tipo de fenômeno confundiu os pesquisadores pioneiros, já que às vezes se encontravam fósseis de criaturas que eram julgadas mais antigas e primitivas depositados em camadas acima de outras onde havia fósseis de seres aparentemente mais novos e avançados. Mas depois foi demonstrado que isto era sempre causado pela inversão de camadas geológicas, e ficou bem estabelecido que camadas contendo fósseis mais primitivos são sempre mais antigas que as que contêm outros mais evoluídos. Esta inclusive foi a primeira e ainda é a principal técnica utilizada para organizar as camadas geológicas em ordem cronológica, avaliando o tipo de fósseis que se pode encontrar nelas.

- Em certos casos seria possível que um fenômeno assim tivesse colocado uma camada relativamente recente abaixo de camadas muito mais antigas, e desta forma talvez pudéssemos encontrar objetos de épocas históricas em grandes profundidades abaixo da superfície, - continuou o geólogo chefe. – Mas não neste caso específico. Apenas camadas realmente muito antigas poderiam ter sofrido inversões e ainda estar enterradas tão fundo, pois acumular novos sedimentos sobre elas leva bastante tempo. Além disso, ainda estamos perfurando a mesma camada de ontem, e já temos a datação dela a partir de fósseis marcadores. A hipótese da inversão de camadas não se aplica aqui.

Por um momento todos ficaram em silêncio. Aquela pequena peça achatada de metal brilhante podia ser o primeiro indício físico real de que uma civilização pré-histórica teria existido antes da atual, a qual certamente teria sido formada por uma outra raça inteligente. Ou ela poderia provir de um outro mundo, e ser obra de inteligências alienígenas. Em qualquer dos casos, era uma descoberta fenomenal!

- Precisamos confirmar a idade e a origem desta peça. – Disse rompendo o silêncio um dos geólogos mais antigos. - Temos que enviá-la para o laboratório da companhia para análise isotópica. Assim poderemos ao mesmo tempo verificar sua idade e se ela não vem de algum outro planeta. Se for confirmado que ela tem milhões de anos podemos estar com a maior descoberta arqueológica da história em nossas mãos, uma prova científica palpável de que nossa raça não é a única inteligente que já apareceu neste planeta, ou neste universo!

E dizendo isso ele esticou sua mão coberta por pêlos escuros e pegou da mesa entre suas unhas negras e cônicas o pequeno disco de metal bicolor, levando-o até próximo de sua face alongada que lembrava vagamente a de seus distantes ancestrais guaxinins. E com cuidado observou sobre a superfície do objeto que tinha o centro prateado e a borda dourada os símbolos para ele totalmente incompreensíveis, os quais para o antigo povo desaparecido que os havia criado tinham um significado bastante simples e corriqueiro: 1 Euro.

Leandro G Card
Enviado por Leandro G Card em 18/06/2009
Reeditado em 20/10/2024
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