Zhenitty - Parte Final

Os seres que aparentavam gorilas, mas com traços bizarros, caminhavam apressados. Os ocupantes do carro olhavam apavorados as 9 figuras que se balançavam sob a luz alaranjada.

Quando a distância que o separava da criatura mais próxima, presumivelmente o líder, era de menos de cem metros, José respirou fundo, fez mira enquanto expirava o ar e puxou o gatilho quando esvaziou os pulmões.

A técnica de tiro de precisão ensinada na academia da polícia militar funcionou muito bem. O líder parou com o impacto, mas seu corpo pesado não caiu. José repetiu a dose, e desta vez o monstro sucumbiu à violência da munição de .44 polegada.

-Isso! Toma, infeliz!- Gritou José. Mas sua alegria não durou muito, pois o restante do grupo, ao invés de se intimidar, foi tomado de cólera ao ver seu líder abatido, e avançaram correndo e rugindo.

José esperou maior proximidade, e desta vez atirou rapidamente com seu revólver de grosso calibre, descarregando as últimas quatro cápsulas, atingido em cheio uma criatura com cada. Com a menor distância, e sendo essas menores que o líder, as quatro foram ao solo.

Ainda restavam quatro, que não se intimidaram diante do poder de destruição do seu oponente. Estavam a menos de 20 metros. Impossibilitado de recarregar o revólver, José o soltou no chão, sacando quase ao mesmo tempo o revólver 380 que estivera com Artur antes do acidente.

As criaturas começaram a correr ao redor do carro, mantendo mais de cinco metros de distância e sem ficar paradas. Esperavam uma oportunidade de se aproximar. José saltou sobre o capô amassado e depois subiu no teto.

-Fora daqui, desgraçados! Vão pra putaquepariu!- Vociferava. Felizmente a proximidade com a barreira invisível não permitia que os seres fechassem um círculo, de modo que José podia vigiar todas quase ao mesmo tempo.

Fossem o que fossem, os monstros eram muito espertos. Um deles tentou se aproximar, mas recuou quando José apontou a arma para ele. O ex-policial não havia disparado ainda nenhum dos seis tiros da arma. Esperava que eles terminassem desistindo. Porém seu cessar fogo poderia ser interpretado como uma súbita fraqueza, portanto ele tentava compensar gritando e rugindo.

Sua estratégia começou a perder eficácia. Os seres continuavam correndo de um lado para outro, mas sempre se aproximando. José decidiu agir. Um deles parou por um instante para estudar a melhor estratégia, mas imediatamente levou um tiro na cara. Rugiu muito alto, colocou as mãos no ferimento e caiu.

O estampido fez as outras três criaturas agirem. Uma delas deu dois grandes saltos em direção a José. No meio do segundo salto foi atingida, mas a bala feriu de raspão seu ombro. Ainda levou mais um tiro no tórax, mas conseguiu jogar toda sua corpulência sobre o homem. Os dois caíram no chão. José teve a perna esquerda quebrada no fêmur, mas não soltou a arma. Terminou de descarregar o revólver na cara e pescoço da criatura. As duas remanescentes levaram a cabo seu ataque de forma brutal.

Dentro do carro todos haviam segurado os gritos para não chamar a atenção. Agora que José estava morto, foi inevitável que os seres tenebrosos se voltassem para o veículo.

-Abaixem-se! – disse Artur, com uma chave de roda na mão, projetando o corpo por cima do encosto do banco traseiro. Sentia muita dor na cabeça, mas a adrenalina o fez esquecer disso. Todos, menos ele, choravam copiosamente, mas obedeceram.

As duas criaturas, tudo o que restou do bando, começaram a dar voltas no carro. Quando uma delas ficou em frente ao carro, viu Artur através do pára-brisas quebrado. Emitiu um rugido curto que pareceu atrair o seu companheiro.

Artur e os seres ficaram se encarando por segundos que pareceram eternos. Sem aviso, a que chegou primeiro saltou sobre o capô e estendeu o braço comprido para o agarrar, mas Artur atingiu sua mão com a chave de roda, com toda força que pôde. A mãozorra se afastou, mas não pareceu muito abalada com o golpe, e logo continuou tentando.

-Fique longe da minha mãe, maldit...(CRASSSHHH!!!) Aaaaaaaahhhh!!- o pára-brisas traseiro foi arrebentado pela outra criatura, que havia dado a volta no carro. Artur foi puxado para fora e seu pescoço foi dilacerado à mordidas.

Marina sentiu dedos grossos, compridos e escamosos em volta de seu braço, que apertavam feito um torno. Foi removida do carro sem a menor dificuldade. Fechou os olhos para não ver o horror que a esperava, mas sentiu apenas o impacto contra o asfalto, quando caiu deitada.

Continuou chorando e soluçando de olhos cerrados. Depois que se deu conta que não ouvia mais os rugidos das criaturas, mas apenas choro e grito muito humano, teve coragem de abrir os olhos.

Percebeu que a luz alaranjada havia sido substituída por uma luz esverdeada muito mais forte. Olhou para cima e viu que a fonte dessa luz era aquele objeto hexagonal que Luiz acreditava ser um veículo espacial. Viu também a criatura paralisada, como se houvesse sido congelada, com a mão que antes a segurava, aberta.

Marina se pôs de pé, olhando para a nave. Logo Raul e Luiz estavam ao seu lado.

-E a dona Letícia?- Perguntou, quando percebeu que os amigos haviam saído do carro.

-Desmaiou de medo.- Respondeu Raul. –Ainda bem. – Acrescentou para si mesmo, vendo o corpo terrivelmente mutilado de José, a poucos metros dali.

-Meu Deus... É mesmo uma nave!- Disse Luiz.

-OLHEM!- Alardeou Marina.

Uma estranha luminescência azulada, em forma de raios verticais estava se formando a dois metros deles. Uma silhueta emergia dos raios, e quando tomou forma completa a luminescência parou.

Estavam agora boquiabertos diante de um ser andrógino de um metro de noventa de altura, extremamente esguio, vestindo uma espécie de batina. Tinha a pele branca e lisa, grandes olhos pretos.

Ele estendeu a mão e os três se sentiram mais calmos. Até a sensação de frio fora aliviada.

A criatura nada dizia, apenas os olhava com uma expressão bondosa.

-Err... Bem vindo à Terra!- Disse Luiz Eduardo, timidamente.

O visitante retesou os cantos da boca numa careta estranha. Seria um sorriso amistoso? Depois ele apontou o dedo fino para o céu, onde pairava sua enorme espaçonave.

Ela começou a emitir luzes que giravam em uma grande alternância de cores. Tudo em volta pareceu adquirir luminosidade própria. Em seguida todos pararam de sentir o peso. Estavam flutuando. A luz que partia de todo o cenário, inclusive a emitida pela nave, não feria os olhos, mas estava ficando tão forte que tudo estava se reduzindo a um clarão indiscernível. Mesmo assim, e sem saber como, nenhum deles teve medo, apenas sono...

*******

A energia elétrica foi restabelecida. Era estranho como o mundo ficava diferente quando era fracamente iluminado...

Eles se olharam como se não se conhecessem por alguns instantes. Especialmente Thaíssa. Mas essa sensação esquisita passou rápido. Raul apagou sua lanterna de socorro com os olhos semicerrados.

-Até que voltou rápido. Ainda dá para assistir Laranja Mecânica!- Disse Marina.

-É... Que pena...- Pilheriou Luiz.

-Ah, para com isso...

-Bem, gente, vamos assistir logo essa laranjada! Mas primeiro vamos para a... em que rodada de pipocas estamos? - disse Raul. Já havia esquecido completamente a sensação estranha que tivera.

Epílogo

Luiz Eduardo estava mais aéreo que o normal na sala de aula. Ficava rabiscando folhas do caderno com assuntos alheios à aula.

-Luiz, meu amigo! O que você está escrevendo aí?- disse Marina, na hora do intervalo quando encontrou o amigo rascunhando sentado num dos bancos no pátio do colégio.

-Oi, Marina! São algumas idéias que eu tive para mais uma estória.

-Mais ficção científica? Adoro sua imitação de Isaac Asimov!

-Engraçadinha! É ficção sim. Estava fazendo umas sinopses...

-Sinopses! Você está falando como um escritor. Posso ler?

-Pode sim. Mas são umas idéias, apenas...

Marina leu as pequenas sinopses. Gostou do que leu.

-Legal. De onde tirou essas idéias?

-Para falar a verdade, saíram de uns sonhos que eu andei tendo...

O sinal tocou. Era o fim do intervalo. Marina e Luiz foram cada um para sua sala. Já na sala de aula, Luiz mais uma vez repassou suas anotações:

“Sinopses para estórias de ficção científica, por Luiz Eduardo:

O Planeta Zhenitty desenvolve tecnologia para invadir o planeta Zebes. Com ela o espaço é gradualmente curvado, e a distância entre esses planetas fica muito menor. Título: Janela no Céu.

Cientista japonês desenvolve sistema de tele-transporte, mas acaba abrindo passagem para monstros de uma dimensão paralela à nossa, por acidente. Título: Invasores por Acidente.

Ex-policial enfrenta monstros na calada da noite para proteger sua família. Título: Rastejadores noturnos. Obs1: O herói pode ser parecido com aquele vizinho do Raul. Ele parece durão. Obs2: Os monstros podem ter vindo da experiência de Invasores por Acidente.

Cientista alienígena desenvolve um aparelho que é capaz de reconstruir um organismo vivo, curando ferimentos e até ressuscitando. Título: Lazarus.

Alienígenas seqüestram seres humanos, examinam como querem, depois apagam a memória deles. Conseguem fazer isso a uma cidade inteira, mas um homem não se esquece completamente. Título: Horas Apagadas.”

Luiz ficou feliz com a “imaginação” que tinha.

FIM