Zhenitty - Parte 4

A casa de José era iluminada por quatro luzes de emergência, com bateria para seis horas. Havia uma lanterna, também, mas as pilhas estavam fracas há semanas, e não duraram nada. Arrancaram uma das lâmpadas de emergência para continuar tentando consertar o carro.

Enquanto pai e filho cuidavam do carro, os garotos tomavam chocolate quente com a dona Letícia, no andar de cima. Ela não se sentia bem com a idéia do seu marido e filho saírem de carro com monstros rondando, mas sabia que não era bom contrariar os instintos de macho de homens do tipo de José.

Luiz estava louco para abrir uma janela e olhar para o céu. Quando aquela nave chegaria? Será que, quando ela chegasse, seria para bem ou para mal?

Todos desceram as escadas correndo quando ouviram o ronco do motor.

-Funcionou!- Disse José, quando os quatro chegaram lá- Vamos sair todos daqui!

-Todos?- Indagou Dona Letícia, aturdida- Pensei que você fosse apenas buscar ajuda!

-Pensei melhor. Não é seguro que a gente fique aqui. Tive a impressão que outro macaco daqueles estava farejando o portão...

Todos estremeceram.

-Nesse caso, vou vestir alguma coisa mais apropriada- Disse dona Letícia, que usava uma camisola coberta com um roupão.

Dona Letícia foi se trocar, os meninos entraram também e sentaram-se na sala.

-Gente, eu vou até a cozinha pegar o um pedaço de bolo que deixei pela metade. Já volto! – disse Luiz.

Ele subiu as escadas, mas passou direto pela mesa onde ainda estavam as coisas do lanche. Foi direto até uma pequena sacada que estava fechada. Abrindo a porta sentiu o ar frio da noite. Olhou em volta com muito cuidado. Nem sinal de monstros... Ele queria apenas dar uma pequena olhada no zênite...

Ela estava lá. Não estava se sobrepondo ao planeta, mas sua silhueta hexagonal podia ser vista contra o imenso túnel de nuvens em tons alaranjados. Seu tamanho angular já era superior ao planeta. Luiz supôs que medisse de oito a dez quilômetros.

Subitamente um grito de pavor tirou Luiz de seu devaneio. Depois um tiro. Os sons vinham de alguma casa na rua de trás. Em cima dos telhados iluminados pelo planeta desconhecido, uma criatura semelhante àquela que viram primeiro saltava, fazendo muito barulho quando atingia as telhas. Não parecia ter visto Luiz, mas este imediatamente entrou e trancou novamente a sacada.

*******

Letícia, Marina, Luiz Eduardo e Raul se acomodavam como podiam no banco de trás. Felizmente o carro era largo. O motor estava ligado, mas o portão ainda estava fechado. O senhor José estava ao volante. Artur estava preparado para abrir o portão.

Depois de examinar a rua pelo olho mágico, Artur disse:

-Certo, vou abrir!

Soltou o cadeado e abriu o portão com força. José arrancou exagerando um pouco na potência, e quase atingiram o portão da casa da frente. Mal passaram, o portão se fechou. Artur trancou o portão de veículos e correu para a porta de pedestres. Saiu fechando a porta atrás de si. Entrou rapidamente no carro, que arrancou cantando pneus.

Se dirigiram até a estrada BR-060. José queria chegar até seu antigo quartel, em Taguatinga. Apesar de não haver sinais de neblina nas proximidades, viram que estavam em um grande círculo de cerração. Era como se as nuvens que formavam aquele túnel no céu se estendessem até o chão.

Tomaram diversos sustos à medida que cruzaram os três quilômetros que os separavam do limite de brumas. Viram um bando de morcegos gigantes, uns vultos e luzes estranhas, um grupo pequeno de macacóides bizarros maiores que aqueles que viram antes. Atropelaram uma centopéia de dois metros que atravessava a pista.

-Parece que a maioria deles não se aproximou das casas. Ainda bem!- Disse Artur.

Quando estavam a menos de trezentos metros do nevoeiro, o motor apagou.

-Cacete!- Disse José, pondo o carro em ponto morto e tentando dar partida novamente. A caravan continuou por inércia até atingir o nevoeiro, pois o terreno era plano. Felizmente já estava com a velocidade bastante reduzida quando atingiram algo que era bem firme, oculto pela cortina de vapor d’água.

José foi seguro pelo cinto de segurança, mas Artur o havia esquecido, e quebrou o vidro com a cabeça, perdendo a consciência. Luiz, que estava sentado mais ao meio, foi parar em cima do capô, mas Raul, Marina e Letícia apenas foram lançados sobre os bancos da frente.

-PORRA! PORRA! MAS QUE MERDA É ESSA!?!?!- Gritou José. Olhou atordoado para todos. Apenas Artur parecia inconsciente. O resto gemia. Luiz tentava se levantar.

-AH! MEU FILHO!- Quando o atordoamento começou a se dissipar, dona Letícia viu percebeu que Artur estava imóvel e sangrando por um corte na cabeça.

José saiu do carro sacudindo a cabeça. O carro havia recuado quase dois metros depois da colisão. O outro objeto ainda estava invisível. Ajudou Luiz a por os pés no chão.

-Você está bem?

-A.. acho que sim... Apenas alguns arranhões.

Depois o ex-policial abriu a porta do passageiro e retirou Artur, deitando-o no chão. O rapaz voltou à consciência com um gemido, mas estava completamente zonzo. Dona Letícia saiu do carro também e se ajoelhou ao lado do filho.

Luiz Eduardo, ainda tremendo do susto, olhou para o nevoeiro. Era de uma densidade fora do comum, e não ultrapassava um limite invisível, mas bem definido.

-Luiz, você está bem? Você saiu voando!- Disse Raul, que saíra do carro junto com Marina.

-Estou bem, sim. E vocês?

-Estamos bem.- respondeu Marina.- Mas vamos para o carro, sim?

-Vejam.- Luiz apontou para a estranha muralha de vapor que subia até o céu.- Vou tocar nela...

-Não, Luiz! Vamos para o carro! Tem muito monstro e... Oh, meu Deus! Acho que o carro não vai mais funcionar...- Disse Marina.

Indiferente, Luiz caminhou até lá, acompanhado de Raul, que também estava apavorado, mas curioso.

Ambos estenderam as mãos assim que a cortina etérea estava ao alcance. Suas mãos penetraram, mas sofreram uma resistência que aumentava rapidamente quanto mais profundamente os dedos iam. Enfim, tocaram em uma barreira que parecia de pura pressão, insubstancial. Ela se estendia até onde conseguiam tocar...

-Se o carro não tivesse quebrado de novo,- Disse Raul- Estaríamos mortos agora!

-PRO CARRO! JÁ!- Disse a voz retumbante de José. Ele estava com Artur no ombro. Abriu o porta malas espaçoso e fechou o rapaz lá dentro. Atrás dele, a duas ou três centenas de metros, o grupo de macacos que haviam visto a pouco avançava sobre eles, abrindo uma meia-lua afim de cercá-los.

A mulher e os três amigos encolheram-se no banco traseiro da caravan. José ficou do lado de fora, usando o teto do carro para apoiar a arma.