Um Jovem Coelho em Brasília
Um Jovem Coelho em Brasília
Sandra Fayad
Na família Leporidae nasceu um menino que se tornou conhecido simplesmente por Coelhinho. Orgulhava-se de fazer parte de uma prole numerosa, mas sabia que sua existência como a dos irmãos e dos pais poderia ser curta. Tão curta que não conheceu nem mesmo os avós. Seu sonho era poder embalar os netos, cantando-lhes aos ouvidos lindas canções de ninar. Farejava os perigos que o cercavam por toda parte. Nem mesmo o interior de sua casa camuflada era segura. Cresceu e antes de se casar, procurou na internet e no catálogo telefônico todas as alternativas tecnológicas para proteger-se e a sua futura família. Foi ao Iraque e fez um curso completo de”Estrategista de Guerra”; depois começou a frequentar o intensivão “ Jogo de Cintura” no Brasil.
Comentou ainda com o pai:
- Vou instalar um sistema de segurança com câmeras, cerca elétrica e alarmes.
Chamou uma empresa especializada para executar os serviços.
- Começaremos na próxima segunda-feira, porque não trabalhamos de quinta a domingo, informou o instalador.
- Por que não? - quis saber o Sr. Coelho
- É que vamos comemorar a tristeza e depois a alegria. É sempre assim.
- Sei... mas temo que nesse meio tempo apareça algum predador. Vi na TV que vão esvaziar as prisões ...
- É o indulto da Páscoa, esclareceu um bípede que ia passando.
- Até segunda – despediu-se o instalador que não estava interessado no assunto.
Pensou:
- Vou colocar chapéu e óculos escuros e dar um giro por aí. Acho que ninguém vai notar minha presença, entretidos que estão com seus próprios umbigos.
Resolveu visitar o Plano Piloto em Brasília. Andou pelo Parque da Cidade (respirou fundo várias vezes); passeou pelo Conic (bom local para afastar o mal de Parkinson), depois foi até o Conjunto Nacional almoçar na Praça da Alimentação. Lá se deparou com milhares de estátuas suas vestidas com roupas multicoloridas e engravatadas. Pensou:
- Não é pra menos. Afinal de contas estou em Brasília, a capital da República.
Mesmo que tirasse o disfarce, ninguém o veria circulando porque em todos os locais havia superlotação de bípedes acelerados.
Havia também ovos vestidos e com brilho de todos os tamanhos, desde os de avestruz até os de beija-flor. Entrou no supermercado e ficou assustado com tantos seres eretos agitados se atropelando. Pareciam cupins à noite ao pé de árvore seca. Para pegarem aquelas obras de arte dependuradas em pequenos ganchos de plástico, eles se aglomeravam como um cardume de sardinhas ao redor dos restos mortais de baleia. Faziam isso com tal violência que as estátuas se despedaçavam debaixo das roupas brilhantes. Então eles as abandonavam e pegavam outras.
Coelho sentiu no ambiente o cheiro de algo que lhe era familiar. Lembrou-se imediatamente daquela árvore próxima à sua casa que dava uns frutos grandes, ovalados, de gomos brancos e doces que ele tanto gostava de saborear.
Andou mais um pouco e viu outro aglomerado de bípedes que também se atropelavam, gritavam e disputavam centímetro a centímetro lugar em uma banca que fedia a chulé misturado com cecê. Fez vômito e sentiu cheiro de velório. Estariam disputando os mortos? Não, ali não dava para ficar nem mais um minuto. Preferiu voltar para o outro aglomerado. No caminho, uma bípede lourinha queria tirar-lhe os disfarces. Escapou com facilidade.
Foi aí que teve a idéia de aplicar os conhecimentos adquiridos nas escolas. Apanhou umas estátuas quebradas e amolecidas, levou-as até onde estava um espelho grande e pôs-se a lambuzar o corpo todo de marrom escuro. Transformou-se em Coelho Pardo. Vestiu uma daquelas roupas coloridas, mas amassada e rasgada, ficando com a horrível aparência de maltrapilho.
- Pronto! Coloquei em prática um dos ensinamentos da escola iraquiana.
Depois se misturou às demais estátuas para viver alguns momentos perigosamente.
À medida que os seres enlouquecidos arrebatavam algumas das bem vestidas, lançavam-no para lá e para cá. Tanto o atiraram em todas as direções que acabou todo trincado, embaixo de um amontoado das peças destruídas. Por sorte, às três horas da madrugada, alguns ratos, que haviam ido comer os restos das estátuas, ouviram seus gemidos de dor e o ajudaram a sair dali. Voltou para casa, indagando-se:
- Será que aquele professor de “Jogo de Cintura” está me enganando?
Um Jovem Coelho em Brasília
Sandra Fayad
Na família Leporidae nasceu um menino que se tornou conhecido simplesmente por Coelhinho. Orgulhava-se de fazer parte de uma prole numerosa, mas sabia que sua existência como a dos irmãos e dos pais poderia ser curta. Tão curta que não conheceu nem mesmo os avós. Seu sonho era poder embalar os netos, cantando-lhes aos ouvidos lindas canções de ninar. Farejava os perigos que o cercavam por toda parte. Nem mesmo o interior de sua casa camuflada era segura. Cresceu e antes de se casar, procurou na internet e no catálogo telefônico todas as alternativas tecnológicas para proteger-se e a sua futura família. Foi ao Iraque e fez um curso completo de”Estrategista de Guerra”; depois começou a frequentar o intensivão “ Jogo de Cintura” no Brasil.
Comentou ainda com o pai:
- Vou instalar um sistema de segurança com câmeras, cerca elétrica e alarmes.
Chamou uma empresa especializada para executar os serviços.
- Começaremos na próxima segunda-feira, porque não trabalhamos de quinta a domingo, informou o instalador.
- Por que não? - quis saber o Sr. Coelho
- É que vamos comemorar a tristeza e depois a alegria. É sempre assim.
- Sei... mas temo que nesse meio tempo apareça algum predador. Vi na TV que vão esvaziar as prisões ...
- É o indulto da Páscoa, esclareceu um bípede que ia passando.
- Até segunda – despediu-se o instalador que não estava interessado no assunto.
Pensou:
- Vou colocar chapéu e óculos escuros e dar um giro por aí. Acho que ninguém vai notar minha presença, entretidos que estão com seus próprios umbigos.
Resolveu visitar o Plano Piloto em Brasília. Andou pelo Parque da Cidade (respirou fundo várias vezes); passeou pelo Conic (bom local para afastar o mal de Parkinson), depois foi até o Conjunto Nacional almoçar na Praça da Alimentação. Lá se deparou com milhares de estátuas suas vestidas com roupas multicoloridas e engravatadas. Pensou:
- Não é pra menos. Afinal de contas estou em Brasília, a capital da República.
Mesmo que tirasse o disfarce, ninguém o veria circulando porque em todos os locais havia superlotação de bípedes acelerados.
Havia também ovos vestidos e com brilho de todos os tamanhos, desde os de avestruz até os de beija-flor. Entrou no supermercado e ficou assustado com tantos seres eretos agitados se atropelando. Pareciam cupins à noite ao pé de árvore seca. Para pegarem aquelas obras de arte dependuradas em pequenos ganchos de plástico, eles se aglomeravam como um cardume de sardinhas ao redor dos restos mortais de baleia. Faziam isso com tal violência que as estátuas se despedaçavam debaixo das roupas brilhantes. Então eles as abandonavam e pegavam outras.
Coelho sentiu no ambiente o cheiro de algo que lhe era familiar. Lembrou-se imediatamente daquela árvore próxima à sua casa que dava uns frutos grandes, ovalados, de gomos brancos e doces que ele tanto gostava de saborear.
Andou mais um pouco e viu outro aglomerado de bípedes que também se atropelavam, gritavam e disputavam centímetro a centímetro lugar em uma banca que fedia a chulé misturado com cecê. Fez vômito e sentiu cheiro de velório. Estariam disputando os mortos? Não, ali não dava para ficar nem mais um minuto. Preferiu voltar para o outro aglomerado. No caminho, uma bípede lourinha queria tirar-lhe os disfarces. Escapou com facilidade.
Foi aí que teve a idéia de aplicar os conhecimentos adquiridos nas escolas. Apanhou umas estátuas quebradas e amolecidas, levou-as até onde estava um espelho grande e pôs-se a lambuzar o corpo todo de marrom escuro. Transformou-se em Coelho Pardo. Vestiu uma daquelas roupas coloridas, mas amassada e rasgada, ficando com a horrível aparência de maltrapilho.
- Pronto! Coloquei em prática um dos ensinamentos da escola iraquiana.
Depois se misturou às demais estátuas para viver alguns momentos perigosamente.
À medida que os seres enlouquecidos arrebatavam algumas das bem vestidas, lançavam-no para lá e para cá. Tanto o atiraram em todas as direções que acabou todo trincado, embaixo de um amontoado das peças destruídas. Por sorte, às três horas da madrugada, alguns ratos, que haviam ido comer os restos das estátuas, ouviram seus gemidos de dor e o ajudaram a sair dali. Voltou para casa, indagando-se:
- Será que aquele professor de “Jogo de Cintura” está me enganando?