Abóbada Celeste

BRIAN SEMPRE FOI FASCINADO PELAS ESTRELAS. Passava tempo demais deitado sobre a relva com os braços sob a cabeça, esperando o crepúsculo sumir aos poucos para que pudesse vislumbrar a grande abóbada cintilante. Adorava a casa dos avós – um pequeno recanto no interior da cidade, onde as estrelas não eram ofuscadas pelas partículas de poluição. Um terço de hectare suficiente para aconchegar uma grande casa e uma pequena plantação de hortaliças. Quando estava ali, Brian deitava-se no quintal ainda no fim da tarde, olhando para o céu e pensando em seus inúmeros segredos. Adormecia ali mesmo, na grama, quando o dia seguinte estava despontando.

Foram bons anos, que passaram num piscar de olhos. Depois de quase trinta – o avô já falecido e a avó já às vias de partir – Brian ainda era apaixonado pelos enigmas celestes. Estudou astrofísica, e estava presente na sala de conferências quando o presidente da Corporação da Vida Espacial anunciou que a primeira viagem tripulada por humanos seria feita até o novo planeta, e que a seleção para os voluntários começaria o quanto antes.

Brian, obviamente, estava entre os voluntários.

- Não está com medo? – perguntou dona Leonora, avó de Brian, sustentada por sua bengala, enquanto o homem, deitado na grama exatamente da mesma forma que fazia quando era mais novo, perdia-se em seus pensamentos. – É tão grande lá em cima...

- É mesmo – ele comentou, divagando. – Mas vai ficar tudo bem comigo, vovó, não se preocupe.

- Oh, não, eu não vou me preocupar. – ela disse. – É seu sonho, não é? Mas e a Luísa? Ela vai entender?

- Ela tem que entender, vovó. Agora que tenho essa oportunidade, não posso deixá-la simplesmente passar. Além do mais, é seguro: já foram enviadas diversas sondas até lá e nenhuma se perdeu pelo caminho.

- Alguma voltou? – ela perguntou.

Brian não respondeu. Estava concentrado demais, olhando para as estrelas.

- VOCÊ NÃO VAI! – DISSE LUÍSA, OSCILANDO entre momentos de raiva e tristeza. – Você não pode me deixar aqui sozinha!

- Entenda, Luísa, eu tenho que ir! É para um bem maior! – ele respondeu, tentando acalmá-la. – As geleiras estão se derretendo cada vez mais rápido, enquanto nós nos afogamos nesse planeta! Com a descoberta de uma segunda Terra, uma parte do mundo pode ter esperanças! Você pode ir para lá depois e podemos ter tranquilidade! Sem ficar a todo o momento ouvindo notícias de mudanças climáticas e penínsulas afogadas. Não é esse mundo que você quer para ela?

Chegou perto da mulher, alisando-lhe a barriga. Luísa tinha lágrimas que faziam seus olhos, azuis como duas safiras preciosas, cintilarem.

- Você não entende! Eu não posso criá-la sozinha, meu amor! Eu preciso de você aqui, do meu lado!

Os dois sentaram na cama, lado a lado. Brian afastou os cabelos lisos dos olhos chorosos de Luísa. Olhando dentro deles, disse:

- Não se preocupe, meu amor. Vou estar longe por pouco tempo. Antes que você perceba, estarei de volta.

Ela deu um sorriso, enxugando as lágrimas. Ele continuou:

- Faça o seguinte: sempre que sentir saudades, pegue um pedaço de papel e uma caneta, e escreva o que está sentindo. Guarde tudo dentro de uma caixa. Assim que chegar, lerei tudo.

- Vou precisar de no mínimo dez caixas...

Ele riu.

- Lerei quantas forem necessárias.

LUÍSA ESTAVA COMPLETANDO A TRIGÉSIMA SEGUNDA semana de gestação quando o dia da viagem finalmente chegou.

Todos estavam presentes: ao todo, cerca de duzentas pessoas, entre voluntários, familiares, chefes de estado e repórteres das principais emissoras do mundo. Os jornalistas falavam, animados, sobre a possível colonização do novo planeta, que tinha condições semelhantes às da Terra, com água potável em lençóis freáticos e a existência de diferentes tipos de animais nativos.

A cacofonia praticamente esgotou-se quando o presidente da SLP começou seu discurso.

- Meus caros, em tempos remotos, as viagens interplanetárias eram consideradas uma mera ilusão, possíveis apenas na literatura ou no cinema. Mas agora, em 2039, quase cem anos desde a primeira viagem do homem à Lua, essa perspectiva tornou-se real. Foi muito mais rápido do que qualquer um poderia imaginar, mas finalmente conseguimos! Foram anos de pesquisa e bilhões investidos em um novo tipo de tecnologia, que está em vias de se modernizar cada vez mais.

“É com muito orgulho que apresento-lhes nossos voluntários. Vinte, ao total, selecionados após uma série de testes físicos e psicológicos. A partir de agora, eles entram em nosso ônibus rumo às estrelas, ou, como gosto de dizer, em nosso navio rumo ao grande oceano azul que é este nosso céu. Essa viagem vem como um sinal de esperança para nós, terráqueos. Nosso planeta está muito doente, e nós fomos os principais vírus que, aos poucos, o infectamos. Mas agora temos uma segunda chance. O novo mundo pode ser uma nova oportunidade para pensarmos em nossas formas de desenvolvimento. Não podemos dizer que nunca é tarde demais para recomeçar”.

Os aplausos irromperam assim que o homem terminou de falar. Brian tinha lágrimas nos olhos. Beijou Luísa, abraçando-a apertado. Depois se agachou, beijando a barriga dela.

- Não esqueça das cartas.

- Não vou esquecer.

Beijou-a mais uma vez nos lábios, e então se foi.

- MAMÃE, É VERDADE QUE O PAPAI MORREU?

- Quem te disse isso, querida? – perguntou Luísa. Estava sentada sobre a mesa, escrevendo uma carta.

- Um menino do colégio disse que o amigo do pai dele é um dos voluntários que viajou para o outro planeta. Então eu disse que o papai também era um. E o menino me disse que os voluntários nunca mais vão voltar, porque eles pousaram no Sol e morreram queimados!

- Não acredite nele, Sara! – disse Luísa, pegando a filha e colocando-a no colo. Secou as lágrimas que a menina tinha nos olhos, tão azuis quanto os da mãe. – Olhe: estou escrevendo uma carta para o papai. Quer me ajudar?

Ela pegou uma das canetas e começou a rabiscar no canto do papel.

- Quando ele vai voltar, mamãe?

- Não sei, querida. Não sei.

POR FAVOR, BRIAN, VOLTE LOGO! SARA ESTÁ CRESCENDO, meu amor, e eu não tenho a mínima idéia do que fazer. Encontrei um maço de cigarros na mochila dela. Ela só tem quinze anos, Brian, quinze! Ela não pode sair por aí fumando e usando drogas, e sabe-se Deus mais o quê! Por favor, meu amor, volte! Olho todo dia para o céu, e meus olhos não conseguem parar de chorar. Preciso de você, querido! Você disse que ia ser rápido, não disse? Volte logo, por favor, volte!

- MAMÃE, QUANDO VOCÊ VAI PARAR com isso? – perguntou Sara, a cabeça encostada na parede, olhando enquanto a mãe tentava segurar uma caneta desajeitadamente. – Ele não vai voltar. Será que não percebe?

- Ele vai voltar! – ela disse, com sua voz asmática e envelhecida, enquanto seu rosto se contorcia de dor. – Ele vai voltar, ele prometeu! Ele disse que estaria aqui! Ele vai pegar em minha mão, e vamos ler essas malditas cartas, e vamos rir de tudo isso! – seus olhos, antes dois belos e cintilantes globos azuis, pareciam se apagar pouco a pouco, sempre repletos de lágrimas e desilusões. – Eu não posso parar de escrever essas cartas!

- Você está se matando de dor! Sua artrite está pior a cada dia que passa, mamãe. Não pode ficar se dando ao luxo de escrever quando mal consegue segurar a caneta!

- Me deixe em paz, sua insolente! Vá embora para o seu mundo perfeito e me deixe em paz!

- Pare de se matar por um fantasma, mamãe.

LUÍSA ASSIS VIANA

Querida filha e mãe

2012 – 2089

A NAVE CHEGOU SEM ALARDE. SEM IMPRENSA ou ovações. Pousou em silêncio, no local em que havia sido programada para pousar. Destruiu um prédio abandonado, mas o barulho do concreto podre caindo não passou de um sussurro.

Brian não havia envelhecido mais do que um ano. Como os outros voluntários, ficou completamente aturdido quando desembarcou da nave. Como, em tão pouco tempo, tudo parecia ter mudado tanto?

A primeira coisa em que pensou foi em Luísa e em sua filha.

- EU AS ENTERREI AQUI. – DISSE SARA, ANDANDO lentamente. O rosto era amargurado, e os passos, claudicantes, auxiliados por uma bengala. – Eu não acredito que, depois de todos esses anos...

Falava baixinho, com um tipo de rancor implícito em suas palavras. Os olhos eram idênticos aos da mãe.

- Eu fiquei completamente chocado quando cheguei. Para mim, foi como um piscar de olhos, não se passaram mais de seis meses. Mas aqui...

- Tudo cinza e velho – disse a idosa. – Aqui estão. – apontou para o chão. – Comece a cavar.

Brian cavou. Ainda estava tonto, não só por descobrir que sua mulher estava morta, mas também por perceber que tudo o que tinha construído havia desaparecido. A filha – que agora tinha a idade de sua avó Leonora quando ele partiu – parecia odiá-lo com todas as forças. Talvez por ele ter tirado dela o direito de saber o que é um pai, ou então por ter feito a mãe esperar por ele até a morte. Brian não sabia dizer.

Continuou cavando, até que encontrou a caixa. Puxou-a lentamente, enquanto o material desfazia-se em suas mãos pela decomposição natural. Rasgando-a sem muito esforço, tirou os volumosos pacotes de plástico lacrados. Eram oito ao total, todos recheados com os mais diferentes tipos de papel.

- Essas foram as últimas – Sara apontou com a bengala para um dos sacos, apoiando-se em um poste para não perder o equilíbrio.

Brian abriu o pacote, puxando um dos papéis. Ficou de pé, e, desdobrando a carta amarelada, viu que as letras eram trêmulas e disformes, como as de uma criança semi-alfabetizada. Mesmo com dificuldade, pôs-se a ler.

Meu querido, tudo isso dói tanto! Não consigo mais suportar, não depois de todos esses anos. Não só a dor física de minha artrite – esse é o menor de meus problemas – mas um outro tipo de dor, mais pungente e agressiva; essa dor que se instala em meu peito e não quer sair, que aumenta o vazio aqui dentro e faz com que minha esperança fique cada vez menor. Será que você realmente vai voltar? Será que valeu a pena esperar? Valeu a pena privar nossa filha de um pai, por uma esperança tola de que você um dia realmente voltaria? Será que aquele menino, no final das contas, não estava certo? Será que você não pousou acidentalmente no Sol e morreu? Meu Deus, as perguntas são tantas, e as respostas, tão poucas!

Sara te odeia, e nem mesmo te conhece. Você me faz sofrer, e ela sabe disso. Meu tempo está acabando, Brian, e não posso esperar para sempre pela sua volta. Deixe-me descansar. Mesmo que não volte, mesmo que tenha morrido, por favor, me faça ficar sabendo. Deixe-me dormir sem pensar em você ou nessas estúpidas estrelas!

Deixe-me em paz!

- Ela... ela desistiu de mim.

Brian viu uma gota cair sobre a folha de papel, mas percebeu que a lágrima não saía de seu olho.

Olhou para os olhos de Sara, e ali dentro viu os olhos de sua Luísa, chorando por ele. Da mesma forma que choravam no dia da partida – Deus, foram mesmo tantos anos assim?

Os mesmos olhos azuis pulsantes e vivos que antes o fitavam com aquela cumplicidade singular.

- Foi a única coisa boa que ela fez desde que você partiu. – disse Sara. – Agora tenho que ir, Brian. Foi um prazer conhecê-lo.

Sara secou os olhos e se afastou silenciosamente, deixando-o lá, olhando para as palavras escritas naquele papel de caderno envelhecido. Sabia que aquele “prazer em conhecê-lo” havia sido dito apenas por educação. Brian sabia que, se Sara tivesse forças, seria a primeira a tentar matá-lo por tudo que fizera Luísa sofrer.

Brian sentou-se, deixando toda a dor escorrer-lhe pelos olhos. Ficou muito tempo ali, lendo as cartas escritas durante toda uma vida.

As partículas de poluição cobriam completamente os céus. Não houve estrelas naquela noite.