Terra

Muito tempo havia passado e a Terra, destinada à extinção, sobrevivera. Vários foram os séculos em que lutamos para que este planeta se afastasse do abismo em que estava.

A chamada natureza recuperara aos poucos seu equilíbrio e agora permitia nosso convívio harmonioso com o mundo. Uma saga louvável, de dar orgulho aos nossos ancestrais. Muitos seriam os que ficariam orgulhosos por verem um mundo destruído reerguer-se do modo como foi feito.

Mas não é meu objetivo relatar a restauração do planeta, mas sim o desfecho da guerra que nos levou ao nosso atual estado. Um conflito que julgávamos, há muito, encerrado.

Sábios afirmam que o conflito antigo não era necessário e que o diálogo era possível. Mas os fatos que despejaram a morte em centenas de irmãos e que teriam levado nosso inimigo à extinção foram perdidos no tempo.

Restou para nós apenas esta herança cruel: A batalha que está acontecendo, neste momento, e que pode condenar novamente o planeta.

Extinção. Queríamos tanto a dizimação de nosso inimigo que, quando ela pareceu real, erguemos a notícia aos ventos e a deixamos percorrer o mundo. A guerra havia acabado. Havíamos vencido.

Mas agora, os descendentes daqueles que um dia guerrearam, são obrigados a amargar este contra-ataque furioso. Resta a nós enfrentar a ira de uma raça de orgulho ferido e sem nada a perder.

O inimigo havia se escondido nas entranhas do planeta. Só agora soubemos que eles encontraram cidades antigas, inimagináveis, que pertenceram às antigas raças do mundo.

Por séculos aprimoraram suas fraquezas e estudaram as nossas. Dominaram uma tecnologia perdida no tempo. Multiplicaram-se e se prepararam, dia após dia, para retornar e clamar por sua vingança. E fizeram seu trabalho com maestria.

Nossos geradores de energia limpa foram os primeiros a serem destruídos. Eles vieram com inúmeros veículos, por solo e ar. Artefatos de aço com textura semelhante à rocha. Pareciam sustentados pelas inúmeras linhas azuis néon, desenhadas em sua base e lateral, semelhantes aos hieróglifos antigos que tanto estudamos.

Suas armas disparavam ondas energéticas que criavam centros de gravidade descomunais, implodindo nossas estruturas.

O ataque de um dia reduziu nossas reservas energéticas a quase nada. Despreparados, por sermos uma geração que desconhecia a guerra, não pudemos reagir.

Os poucos que tentaram reativar nossas naves e demais artefatos, responsáveis pela antiga vitória, foram mortos nas semanas seguintes, nos ataques incessantes do inimigo. Eles não tinham medo, não tinham escolha.

Sem energia e sem comunicações, descobrimos, boca a boca, que as estações de combate Squirrah e Pritarrah haviam sido reativadas com sucesso e enfrentavam o inimigo de igual para igual. Finalmente, um vestígio de esperança.

Então, após meses experimentando do amargo gosto da guerra, Squirrah chegou ao nosso céu, colossal e imponente. Trazia a notícia que sua irmã Pritarrah havia sido destruída, que as outras cidades capitais haviam sido dizimadas e que éramos o último reduto de nossa raça.

Neste momento, muitos estão escondidos, solitários ou unidos. Outros estão lá fora, prontos para resistir àquilo que tanto desejamos ao inimigo no passado... A extinção.

Estou fora dos limites da cidade capital Amazônia, na estação de comunicação Fizhar. Estou olhando para os céus, procurando por um brilho mais forte, por um brilho de esperança. Mas somente ouço uma cacofonia de sons altos, de naves se aproximando pelo solo e pelo ar, derrubando árvores e desfazendo nuvens. Eles chegaram.

O som retumbante dos canhões de Squirrah somam-se à canção da guerra, e as naves de aço rocha, respondem à altura.

Desculpem-me, mas não terei forças para registrar o massacre... Talvez nem sobreviva para isso. Peço apenas àqueles que receberem meu relato que não encham de ódio seus corações. Não busquem por vingança, não venham aqui.

Nós salvamos o planeta Terra uma vez, mas do modo errado. Tentar extinguir os humanos em prol do planeta. Foi nossa desculpa pela inabilidade em dialogar. Nos julgamos avançados, mas não estávamos tão distantes deles.

O que acontece hoje é o fruto do que plantamos durante a invasão. Deixem a Terra para os humanos. Eles a reconquistam neste dia, e com muita bravura.

Espero somente que eles aproveitem a nossa tecnologia como aproveitaram a das cidades perdidas. E que o mundo continue melhor após nossa partida. Tanto o deles, quanto o nosso.