QUARTA DIMENSÃO

A viagem foi instantânea. Chegamos num planeta qualquer nos confins do universo. No jardim da casa de Maria. Era noite. Havia enorme semelhança com o planeta terra. Apenas os organismos eram diferentes. Quase não havia água e a vida era completamente diferente da que conhecemos. Todos eles sintetizavam alimentos e podiam passar longas temporadas para consumir a produção reservada de um único dia. Assim como nosso tecido adiposo, eles possuem tecido próprio para armazenar nutrientes. São longilíneos e de crescimento ilimitado, como nossos vegetais, mas também são capazes de limitar o crescimento e regenerar partes do corpo ou órgãos mutilados ou com deficiências. Meu interesse desde o primeiro contato foi a maneira de locomoção. Como tinham conseguido vencer distâncias daquela magnitude em tão pouco tempo.

- É simples, fazemos a troca de dimensão. Foi a resposta que obtive quando finalmente pude me comunicar com aqueles seres mais do que interessantes.

O primeiro contato foi por puro acaso. Era manhã de domingo. O sol entrava em cheio pela minha varanda envidraçada. Eu estava desanimado para me vestir e descer para a piscina do prédio. Coloquei a espreguiçadeira de lona na varanda, passei protetor solar onde alcancei e pedi a Luiza, minha empregada, para passar onde minha mão não alcançava. Apesar dos muitos anos que trabalhava lá em casa, Luiza nunca ficou à vontade diante de minha nudez, muito menos quando, eventualmente, ocorria uma ereção.

- Eu gosto muito de trabalhar aqui, mas não sei por que o senhor tem a mania de andar nu.

- É mais prático Luiza. Tire sua roupa também.

- Deus me livre. E saiu rindo em direção à cozinha.

Coloquei óculos escuros para proteger a visão dos raios UV e deitei de frente para o sol. Não sei se dormi com aquele calor maravilhoso o fato é que mais senti do que vi três sombras escuras entrando pela varanda. Ora, só podia ser ilusão. Como é que três pessoas poderiam entrar pela varanda no décimo sexto andar? O prédio da frente ficava pelo menos a trinta metros, do outro lado da rua. A solteirona ruiva que ficava, por trás da cortina, me observando não podia ser, pois apesar de seu interesse na minha anatomia quando nos encontrávamos na rua ela virava o rosto para fazer de conta que não me conhecia. O veadinho, dois andares acima da ruiva, que tinha uma luneta permanentemente apontada para meu apartamento, também não. Quase que sentei na cadeira, observando as três sombras que rapidamente começavam a se materializar diante de meus olhos. Aquilo que parecia diáfano, translúcido, disforme, quase gasoso estava compondo em forma tridimensional, como o filme de um vidro de segurança estilhaçado girando em sentido contrário, três figuras sendo uma grande e duas bem menores. A maior tinha quatro pares de membros e os menores três. O corpo coberto por membrana escura pontilhado de amarelo e vermelho. O grande era mais amarelo que os menores. Produziam zumbido e me observavam. Não consegui distinguir olhos ou bocas naquelas criaturas, digamos estranhas. Quando a materialização foi concluída, dobraram os membros inferiores e sentaram no chão da varanda em minha frente. Apesar da surpresa eu não estava com medo e comecei falando:

- Eu sempre ouvi dizer que havia vida lá fora e sempre tive curiosidade de saber como vocês eram. Vocês são muito interessantes. O que vieram fazer aqui? De onde são vocês? Como chegaram até minha casa? Viajaram de quê? E não estou vendo nenhum disco.

Luiza chegou à porta da sala e perguntou se eu havia chamado por ela. Diante da negativa, perguntou:

- E o senhor está falando com quem?

- Com meus amigos aqui. E apontei os troncos, pois era esse o aspecto que tinham. Eram como arvores sem folhas, com galhos distribuídos pelo tronco.

- Onde o senhor arrumou esses vasos?

- Não são vasos. São ETs.

- O senhor deixe de suas gracinhas, viu!

- Traga balinha de coco para as crianças. Quando eu disse isso, o menorzinho levantou e estendeu um dos ramos para Luiza.

- Valha-me Deus. Não é que esses diabos são gente mesmo.

E deu uns passos para trás. A criaturinha acompanhou. Luiza estava assustada, mas talvez pela minha tranqüilidade diante do inusitado, não correu. Foi até a mesa da sala abriu a bombonier, tirou uma balinha e entregou ao pequeno.

- Tire o papel. Ele não deve saber fazer isso.

Luiza tirou o papel e deixou a balinha na palma da mão. No mesmo instante, quase na ponta do ramo mais fino, surgiu como se fosse uma folha com cinco lobos. Suavemente pegou a balinha e colocou no que seria a cabeça de um ser humano. Semelhante a anêmona, surgiram tentáculos que englobaram a balinha. A criaturinha voltou correndo para junto da maior que o levantou do chão, como qualquer ser humano faria com um filho pequeno e vibraram intensamente, espalhando ondas de felicidade que se espalhou pela sala. Emocionante.

- Seu neném é lindo. Disse para o maior

O zumbido que havia entre eles cessou e começaram a falar minha língua com toda clareza. A maior falou.

- Sou encarregada de cuidar deles desde que se destacaram. Nós nascemos por brotamento e eu os trouxe numa excursão pelo sistema solar. Vimos sua casa e resolvemos falar com você. Eu nunca tinha vindo à Terra. Seu planeta é lindo.

- Ah! Esteja à vontade para voltar quantas vezes quiser. Aqui tem locais maravilhosos que eu faço questão de mostrar. Vocês podem adquirir forma humana?

- Sim. Nós temos nossa forma definida, que é essa que você está vendo, mas podemos adquirir qualquer outra. Tem muitos de nós no meio de vocês sem que sejam notados.

- E o que querem aqui?

- Nada de especial. Apenas diversão, passeios, amizades. Nós não precisamos nem queremos nada. Só precisamos de luz para viver. Esses pigmentos coloridos transformam energia em alimento.

- Mas o neném gostou da bala que Luiza deu a ele.

Nesse momento procurei ver Luiza. Ela estava sentada no sofá da sala, com neném no colo, dando todo meu estoque de balinhas de coco a ele.

- Faça um rosto humano em você para conversarmos melhor.

- É mais fácil mudar todo o corpo. Dizendo isso a maior foi ficando difusa, quase sumiu e logo em seguida começou a recompor-se numa belíssima mulher com o corpo digno de ser capa da revista Play Boy. Pegou neném nos braços e o transfigurou numa criança de uns quatro anos. A outra criatura relutou um pouco, mas diante de minha insistência, transfigurou-se numa linda adolescente com a cabeça cheia de cachinhos vermelhos.

Pronto agora a solteirona ruiva e o veadinho tinham para verem, uma família toda na varanda, nus e tomando banho de sol. Um homem (eu), uma mulher adulta, uma adolescente e um garotinho pouco mais que um bebê. Luiza trouxe água que foi recusada por Maria (pensei chamá-la assim, pois nem sei se tinha nome) eles não bebiam água. Apenas utilizavam água para crescer. Fazendo a conversão para o tempo terrestre as férias deles durariam uma semana. Pedi que ficassem com Luiza, enquanto eu iria comprar roupas para eles.

- Não podemos ir com você?

- Iria provocar o maior alvoroço na loja.

Comprei vestidos para as duas e um macaquinho Jeans para o neném e fomos passear de ônibus pela cidade. Avisei a eles:

- Vamos representar uma família. Maria, você me chamará de meu bem ou de querido, você será Neuza, você será neném e eu serei seu papai.

Foi um domingo maravilhoso. Chegamos ao anoitecer. Só eu comi o jantar que Luiza havia preparado com tanta boa vontade. De humanos eles só tinham a forma exterior. Tive consciência disso quando levei Maria para a cama com a intenção de mostrar a ela o melhor de se ser humano.

Maria me explicou como fazer a troca da 3ª para 4ª dimensão.

- Além de altura, largura e profundidade temos a expansão que anula a relatividade entre a velocidade, o tempo e o espaço. Portanto uma viagem de quinhentos anos luz podemos fazê-la instantaneamente.

E foi assim, instantaneamente que chegamos Luiza (carregando o neném), Maria, Neusa e eu naquele jardim de plantas tão diferentes