Da Terra à Lua

DA TERRA Á LUA

-pequena história de amor sobre o espaço –

Começou a maior aventura de todos os tempos

“Sonho em, um dia, apanhar boleia no espaço sideral”

Wernher Von . Braun

O meu sonho é estar fechado num gabinete a 300.000 km/s.

A corrida espacial foi a principal responsável pelo meu absentismo escolar. Efeito secundário porventura estranho da aventura começada, segundo uns, quando na Alemanha a renascer das cinzas da Iª Guerra Mundial, um engenheiro ainda muito novo começou a testar quase anonimamente foguetes.

A minha maneira favorita de consumir o tempo quando era miúdo, era da janela do meu quarto, observar –de preferência à noitinha -umas luzes aparentemente estranhas a grande altitude, e nem mesmo quando os primeiros namoricos e os estudos mais a sério me empurraram para uma vida mais dinâmica e física, eu não abandonei o meu velho e delicioso hábito, resgatando ás namoradas e às sebentas alguns minutos (que sempre que podia transformava em horas) para olhar esse céu imenso e as tais luzes que ora vinham, ora iam ao seu encontro.

Mas paremos de falar de mim, e retomemos a maravilhosa história sobre os primeiros foguetes, pois, por bizarro que pareça, será ela a explicar a faltas injustificadas com que iniciei estas linhas.

Alguns anos mais tarde, aquando da ascendência dos Nacionais-Socialistas ao poder, e graças à política de rearmamento nazi, o jovem engenheiro viu o seus recursos aumentarem, bem como os seus resultados práticos. O resultado da mescla entre o génio de uma equipa e do seu chefe e um certo visionarismo da mais negra das ideologias humanas, resultou no primeiro engenho a violar algumas das camadas mais altas da atmosfera terrestre.

Entretanto alguns anos se passaram, e chegámos aos tempos de guerra, pouco dados a estatísticas históricas, mas pouca gente se deu ao trabalho de reparar que se tinham passado apenas quarenta anos desde o voo dos primeiros mísseis e o dos irmãos Wright, também eles praticamente de uma forma anónima.

Quando o conflito acabou, o chefe do nascente departamento aeroespacial alemão, deixou a ilha de Pneumund (centro de pesquisas nazi, demasiado exposto e destruído pelos bombardeiros aliados) para se instalar no coração da maior das potências do novo mundo, onde o dinheiro e a vontade de vencer a nova guerra fria lhe forneceram os meios necessários à prossecução dos seus ainda invulgares talentos.

Entretanto, enquanto a faceta pragmaticamente mortal dos militares transformava o génio de Von Braun (pois é ele o promissor engenheiro com quem iniciei este relato e o meu primeiro mestre das estrelas) e da sua equipa nos primeiros mísseis termonucleares, do outro lado do atlântico, outros cientistas capturados pela URSS, faziam exactamente o mesmo.

A corrida espacial começava então, não com um tiro de pistola, mas com a deflagração desses mísseis, algures na década de cinquenta.

No entanto, das cinzas da grande guerra não brotaram somente as sementes de novas e mais poderosas armas.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a quase mirabolante revolução cientifica que se seguiu, surgiram, por exemplo, o motor a reacção, a possibilitar rápidas deslocações, a energia nuclear como fonte limpa e inesgotável de energia, derivação dos estudos de alguns dos maiores crânios gerados neste século, alguns dos quais trabalharam nas célebres instalações de Los Alamos, de onde saiu a primeira bomba atómica..., a difusão em grande massa dos antibióticos ,etc..., e com um longo período de paz e de fulgurante recuperação económica, bens de consumo anteriormente só acessíveis a certas classes, tornaram-se disponíveis a praticamente toda a população. Refeito pois dos conflitos, e apesar da guerra-fria entre os Estados Unidos e a URSS, o mundo industrializado estava apostado em novos e mais pacíficos caminhos. Todas as suas energias foram aplicadas num gigantesco reconstruir da Europa, cujos frutos trouxeram a mais rica era de prosperidade da história. Toda a sociedade evoluiu em bloco, dado que esta evolução tocou praticamente todos os domínios da humanidade.

No entanto, o céu começou realmente a brilhar quando os russos lançaram o Sptnick I, o primeiro engenho a sair da protectora atmosfera e a penetrar timidamente na última fronteira. E mais brilharam ainda, pouco tempo depois (pois os anos pareciam curtos neste século e décadas vertiginosas) após um a Vostok I e um oficial, novamente russo, ter passado alguns minutos no espaço, pequeno beliscão, a garantir-lhe lugar privilegiado, no panteão dos novos heróis desta nova era. Tal como se querem todos os mitos, Gagarin não chegou a viver uma década depois do seu feito pois morreu quando pilotava um avião de treino que se despenhou algures a meio dos anos 60, ficando as memórias e as imagens de um herói convenientemente simpático e fotogénico, ficando a ganhar os livros de história e as suas oportunas imagens “para a posteridade”.

E entretanto, e, acicatada pela desvantagem, a América, a grande e poderosa América lançou-se então no objectivo louco de chegar à Lua. O prazo era de oito anos na voz do mais mítico dos presidentes deste país, e os recursos demasiado absurdos, para um mundo que tinha saído há apenas vinte anos do seu mais devastador conflito.

Os milhões populacionais saciados tornaram-se então ávidos de novos produtos. A sua paz e conforto exigiam mais, e como o dinheiro até nem era problema...a máquina económica fez o resto.

Viviam-se então tempos de “vacas gordas”, a permitir até certas diletâncias até então consideradas extravagantes. Era o tempo do início do apogeu da cultura das massas, felizes sem o cinismo das duas últimas décadas e meia do século, tempo a permitir o surgimento de outras formas de pensamento. O redescobrir de culturas estranhas foi o passo seguinte, com o consequente acesso a todos os produtos que estas consumiam.

Por fim, o louco afã desta 1ªFase teve o seu corolário no inesquecível Julho de 69, altura em que, para América o pavor de uma “lua vermelha” desapareceu, mas para o mundo este foi o mês da chegada do homem ao primeiro solo extra-terrestre, da chegada à Lua

Tudo parecia indicar que as décadas seguintes iriam conduzir a projectos ainda mais loucos, mas de assombrosa e possível concretização.

O mundo industrializado vivia o seu auge, a tecnologia parecia a nova deusa, alimentada por fabulosas máquinas industriais, alimentadas, em parte, pelo combustível barato que vinha do Médio Oriente.

E tudo parecia de facto estar a correr bem, os estados ricos prosperavam, a ciência dava uma certa ideia de poder trespassar tudo e todos, mesmo os dogmas em que periodicamente cair, estabelecendo metas cada vez mais ambiciosas. O curioso aforismo de que “o céu é o limite”, parecia até estar desactualizado...As sondas enviadas pelos dois blocos sucediam-se com já habitual frequência Viking I, II, Pioneer, Soyus IV, V, VI, VII, VIII, etc...parecendo, mesmo que a imaginação dos projectistas carecia de certo défice ante tantos projectos e tão ambiciosos projectos...O progresso e a ambição eram de tal ordem, que uma expedição tripulada a Marte chegou a estar pensada para 1983!

Raras vezes na história a ciência esteve tão bem vista em todos os domínios, mas ela própria devia saber da impossibilidade da existência de verdades e poderes absolutos, que quanto mais se deusifica um assunto, mais riscos este corre...”A verdade jamais é pura e raramente simples””, ora a quase recusa dessa simplicidade, uma certa falta de humildade proveniente da riqueza quase desmesurada, foi apenas mais um erro entre tantos em que o pós-guerra foi fértil. Apesar de já existirem alguns sinais de possível quebra na dinâmica ( como eram exemplo disso as crises sociais nos Estados Unidos e na Europa). Parecia só faltar qualquer acontecimento para dar início à grande crise, que se segue sempre aos períodos de opulência.

Como que a tocar precisamente no coração das grandes nações, uma crise no distante e aparentemente menor médio oriente fez com que o preço do petróleo fosse substancialmente aumentado.

Foi o descalabro.

Alicerçado o progresso em parte na lógica do ouro negro barato, o mundo desenvolvido entrou em ruptura quando os preços não baixaram para os níveis anteriores.

A América entrou definitivamente em crise económica e social e na Europa o Estado Providência deu os primeiros sinais de esgotamento. Todas as situações graves latentes e escondidas pelo progresso vieram repentinamente ao de cima, demasiado importantes para serem agora ignoradas. Era impossível esconder a miséria oriunda da opulência. Se anteriormente esta escondia nos seus reflexos dourados a parte obscura, tendo estes desaparecido, o cenário era diametralmente oposto às visões quase infantilmente optimistas dos anos precedentes.

Doentes, as grandes nações passaram a dedicar mais tempo e recursos à realidade imediata, mantendo os programas espaciais com verbas irrisórias, já que se tinham aberto demasiadas portas, ao ponto de ninguém se atrever a fechá-las completamente. E foi assim que os recursos quase inesgotáveis foram substituídos por “verbas de circunstância”, com as quais os cientistas se deveriam contentar até ao retorno do interesse pelo espaço. Von Braun morrera entretanto, e a sua geração principiava a reformar-se, cedendo o lugar aos novos “jovens lobos” espaciais, igualmente apaixonados, mas infinitamente mais cautelosos. Apesar das baixas humanas se contarem pelos dedos de uma só mão, e dos insucessos serem irrisórios, a escassez de verbas obrigava a cautelas acrescidas, pois, em caso de malogro os novos projectos poderiam muito bem ser cancelados...

As quatro décadas seguintes à visita lunar assemelharam-se pois a um enorme travão na corrida espacial. Os próximos passos assemelharam-se a isso, a apenas passos.

Cada ideia deveria ser testada teoricamente, quase até ao absurdo, e só depois dessa obsessiva segurança teórica dos computadores, seria levada até uma rampa de lançamento.

Durante algum tempo, o espaço pareceu só servir para a construção da “aldeia global”, (sendo inundado por satélites de comunicações, através dos quais mesmo o mais remoto ponto da terra estaria contactável) e ao crescente domínio do homem sobre a superfície do planeta. Jazigas de minerais, cidades antigas perdidas entre outros, foram descobertos por estes satélites maravilha, cujo expoente máximo constituía a vertente militar naturalmente desconhecida, mas dizia-se, capaz de vigiar atentamente e com pormenores incomodativamente precisos, a vida do mais vulgar e anónimo cidadão...

Como que seduzida pela seu novo antropocentrismo, a humanidade entretinha-se a ver e a rever-se a si própria, deixando a pouco mediática e até “enfadonha” tarefa de enviar sondas pelo espaço fora, de pesquisar a existência de sinais de luz ou de rádio extra-terrestre, e até, extravagância das extravagâncias (!) fazer aterrar em Marte e noutros planetas robôs cujo fito seria o de apenas os fotografar, recolher amostras do terreno ou...de ouvir o som desses planetas, (etc...!) a indivíduos de aspecto matizadamente extravagante, ratos de laboratório das estrelas que quase em segredo constituíam os herdeiros do sonho de Von Braun. Quando a coisa até dava para se mediatizar, para ganhar alguns votos (ou por necessidade deles...), chamavam-se as grandes cadeias de televisão, escolhia-se alguém que soubesse explicar as vantagens da iniciativa, espalhavam-se uns pozinhos de antevisão, fazia-se a colagem “à realidade que ultrapassou a ficção”, e todos ficavam mais felizes por saber que os nossos netos poderiam ir passar a Lua de Mel à Lua..., para depois se entregarem aos seus afazeres domésticos, porque para a humanidade as estrelas eram apenas mais um sonho, e não o sonho principal como já tinha chegado a acontecer…

E esses eram passos sempre demasiado pequenos, sempre tolhidos pela falta de visão a emparelhar a falta de dinheiro, a persistente falta de dinheiro...

O fim da URSS em princípios dos anos noventa do século XX só veio piorar o atraso. Herdeira do gigante e do seu programa espacial, foi uma Rússia mergulhada em cíclicas e intermináveis crises económico-sociais que tentou manter este programa demasiado dispendioso, isto não obstante a ajuda do antigo inimigo da guerra fria, que insuflava o programa espacial russo com milhões de dólares, tentando com isso mantê-lo vivo. Apesar de um quase pré-caos, foram mantidas algumas pesquisas essenciais. Assim eram os antigos comunistas a disporem de maiores dados sobre os efeitos da prolongada ausência de gravidade sobre o organismo humano, (dados obtidos nas suas pequenas estações espaciais) elementos fundamentais para a 2ªFase da exploração do Cosmos, altura em que as diversões em torno da órbita terrestre dariam lugar e retomariam a verdadeira e genuína exploração espacial, a empurrar o homem para demasiado longe do seu berço, para o espaço profundo e para aquilo que eu sempre pensei ser o seu destino: as estrelas.

Tínhamos atingido o pico da evolução na terra, e os resultados dessa evolução começavam a manifestar-se bem na natureza e na sua progressiva e inexorável destruição. Os recursos principiavam a esgotar-se, a atmosfera também a deteriorar-se. Se no início fora o rumo natural dessa evolução a empurrar-nos para as estrelas, no final do terceiro milénio começava a ser uma alarmante necessidade de salvar a espécie. Antes de tudo se tornar insustentável, dispúnhamos ainda de um ou dois milénios, mas a altura para a partida, para o consolidar de bases (que mais tarde se transformariam em colónias ) noutros planetas tinha chegado.

Claro que no final da segunda década do século XXI a corrida começou de novo a acelerar, graças ao espírito renascido no mundo civilizado, por força de uma estabilização económica, do entusiasmo ressuscitado, pelo advento de novas potências espaciais –como a da poderosa China, do Japão – e também pela entrada na corrida das grandes empresas privadas; este último facto foi um dos determinantes, pois não admitindo ficar em segundo lugar na maratona espacial, tantos os EUA como a Europa investiram razoáveis meios naquilo que quase chegou a ser uma ciência oculta…E até a velha, e tornada banal, profissão de astronauta recuperou o estatuto perdido; quando se perguntava na escola a uma criança o que queria ser quando adulta, as respostas mais ambiciosas passaram a ser “engenheiro aeroespacial” ou “cosmonauta”.

A magia tinha pois aparentemente voltado.

Mas, para não variar, tudo andou muito devagar.

Continuámos a avançar, claro, mas sem o afã virginal já perdido dos tempos iniciais. Avançávamos por rotina, e já não por paixão absoluta. A razão do arrastamento talvez estivesse aqui, porque num empreendimento tão importante como este a vertente do sonho deveria ser partilhada não só pelos criadores, mas também pelos executantes.

No entanto, o facto importante era que não deixámos de avançar, lenta, mas seguramente.

Lembro-me claramente do dia em que chegámos a Marte, da alegria incontida que invadiu todas as nações do planeta e devolveu, finalmente o espírito pioneiro dos primeiros tempos. Lembro-me porque chorei de alegria, de esperança, ante o ar espantado de quem me rodeava e não compreendiam, e lembro-me também das fotos nítidas da lua de Júpiter Europa, da primeira expedição, das provas trazidas sobre a existência de vida nela, vida primitiva a provar que não estávamos sós no universo, aforismo inquestionável, mas teimosamente deixado por provar devido à nossa demasiado longa solidão enquanto raça.

Lembro-me bem demais de tudo isto, e de quase tudo que há para saber sobre esta corrida que entretanto prosseguiu até à altura destas linhas. Lembro-me porque na escola tínhamos uma cadeira opcional de História (História da Conquista Espacial), onde, consoante a paixão do professor, a matéria era mais ou menos bem dada, mas o suficiente para me tornar indefectível destas aulas, saindo delas e faltando às outras, para me enfiar em todos os livros, ou qualquer tipo de registos que me ensinassem mais sobre o assunto.

As imagens, quase todas, apesar de antigas, fazem tanto parte de mim como as minhas próprias memórias. As frases treinadas nas naves e ditas, em jeito de improviso, mal se pisava num lugar novo, também são minhas, cada vez que as leio ou ouço sinto que fui eu que as disse.

Nunca compreendi esta vontade, esta sede de ler e querer saber mais, embora já soubesse quase tudo quanto tinha para saber, sentia uma vontade de agir, tendo por isso me formado e dedicado com todas as minhas energias à engenharia aero-espacial, continuando a busca , participando por fim directamente nela pensando e elaborando máquinas cada vez mais perfeitas, destinadas a explorar pontos claros no céu, apenas estrelas para os outros, mas para mim são, desculpem-me o péssimo lugar comum, as luzes da estrada que teríamos que estar sempre a percorrer.

Ainda hoje, e, apesar da dolorosa parte inicial do caminho já ter sido percorrida, sinto ainda uma certa pena, uma certa nostalgia, por tudo ainda andar tão devagar, e ao mesmo tempo uma enorme saudade dos primeiros tempos, uma saudade do local onde tudo começou, da minha Terra que nunca pisei, do planeta azul onde tudo começoui, mas que a sinto intensamente, talvez por viver no primeiro lugar fora do berço que conseguimos adaptar totalmente ao nosso organismo, me orgulhe disso, me honre disso, mas lamentar por não haver mais locais como este, tendo em conta o seu sucesso.

Faço parte da terceira geração nascida e criada em Marte, não dentro das cúpulas dos primeiros tempos, mas ao doce ar livre que a humanidade soube criar aqui, apesar do cepticismo que tal ideia gerou quando foi na teoria concebida. O homem conquistou o planeta vermelho e soube adaptá-lo, criando assim uma segunda Terra, lançando assim definitivamente as suas sementes no espaço, dando assim o paço a faltar para a sua imortalidade como raça.

O tal absentismo escolar e o tempo roubado às namoradas fica assim explicado pelo amor maior pelas estrelas, pelas tais luzes que iam e vinham, pelas naves, verdadeiras transportes, veículos, do sonho maior da raça.

E talvez por isso, cada vez que tenho a oportunidade e o tempo das férias, deixo a família entregue ao prazer das praias de areia vermelha, e alugue algumas horas no radiotelescópio da zona para observar o belo planeta azul de onde vieram os nossos antepassados.

Hoje tento recordar as prováveis expressões dos primeiros homens do programa Apolo, cada vez que olhavam a Lua, sabendo tímida mas inevitavelmente que um dia a iriam pisar, enquanto imito o gesto ao contrário, mas muito mais longe, lamentando pela distância a impossibilidade da visita (apesar dos avanços as viagens rotineiras ainda só estão acessíveis a profissões mais importantes e a VIPS), mas olhando o planeta quase gémeo como se o olhasse apenas da Terra à Lua.

Conto baseado na série televisiva(e respectiva banda sonora) “From the earth to the moon” (Da terra à Lua)

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