ABÊNÇÃO DINDINHA LUA

Abença, dindinha lua,

Me dê pão com farinha,

Para dar a minha pintinha,

Que ‘stá presa na cozinha...

- Justina já lhe disse uma porção de vezes para não deixar Artur na frieza junto dessa janela...

- Vá dormir menino e feche a janela, que eu já mandei...

- Não sei o que é que você procura tanto...

- Que mania, essa de ficar olhando pela janela, toda noite...

- Esta mancha brilhante que você está vendo no canto superior esquerdo do telescópio são as Estrias de Andrômeda...

Todos esses pensamentos e as imagens antigas eram recorrentes, agora que o pequeno Artur se transformara no doutor em astrofísica e passava as horas vagas, na varanda do apartamento com os olhos pregados no infinito como desde pequenino.

Talvez aquele gosto pelas estrelas tivesse sido influência da velha Justina.

Mulher simples, antiga em todos os gestos, pouquíssima instrução, mas que sabia admirar o céu.

Já a mãe, com toda a formação que possuía e a eterna mania de doença que culminou com a morte pela tuberculose, só sabia reclamar.

A transfusão do conhecimento técnico que lhes deram os professores das matérias curriculares do curso de astronomia, tudo isso fazia com que Artur a cada dia ficasse mais encantado com o infindável mundo de pontos luminosos que numa ciranda sem fim, exercia um fascínio brilhante irresistível.

Meio absorto na observação e nos pensamentos, Artur notou um ponto brilhante que se movia em sentido contrário ao que ele imprimia ao telescópio caseiro.

Voltou e procurou melhorar o foco...

Era algo novo...

Foi à estante e pegou o mapa mais recente...

Não achou nada que pudesse corresponder...

Voltou ao telescópio.

O ponto agora bem maior revelava sua forma cilíndrica e em rota de colisão com a Terra.

Meia hora depois de ter avistado o ponto pela primeira vez, ligou para o Observatório Astronômico para alertar aos colegas de plantão.

O pessoal do rastreamento já havia detectado...

Muito tarde da noite e Artur nem havia pensado em dormir por estar acompanhando aquele objeto se movendo numa velocidade fantástica. Dormir seria impensável para alguém tão ligado à Astrofísica.

As estações meteorológicas foram alertadas de que um objeto não identificado estava se aproximando da Terra e em rota de colisão, mas também poderia ser que passasse tangenciando a ionosfera.

E o ponto de luz crescendo...

Cinco e meia da manhã a base aérea despachou aviões de caça para interceptar o objeto não identificado.

Os tiros disparados com os canhões laser de nada adiantaram, pois eram desviados como bolas de bilhar...

O pessoal do Observatório anotou no diário. – astronave, possivelmente tripulada, passou pela linha do equador a mais ou menos 75 km de altitude da crosta terrestre – o que ocorreu na realidade foi que, estando Artur na janela, olhos fixos nos instrumentos, viu a astronave estacionar numa determinada altura.

Nada poderia atingir-los, pois todo que se aproximava era desviado num movimento curvilíneo.

Os aviões de caça não podiam ultrapassar 25 km de altitude e isso deixava os habitantes da Terra a mercê dos alienígenas.

- Sugiro que suspendam todas as hostilidades, berrava um locutor numa estação de rádio de segunda categoria.

Outro dizia que um óvni de mais de cem quilômetros de tamanho estava invadindo a terra.

O telefone tocou.

Era o Diretor do Observatório, convocando-o para uma reunião de emergência.

- Tudo bem vou guardar o equipamento, chegarei já.

Artur desligou o telefone e voltou-se para a varanda...

Do lado de fora, flutuando num veículo de retro propulsão, estava um homem com escafandro de astronauta.

Com gestos rápidos, Artur abriu espaço para que o visitante entrasse.

Numa manobra perfeita o homem entrou no apartamento. O aparelho não fazia ruído, apenas um leve deslocamento de ar. Estacionado no meio da sala, saíram pés retráteis da parte de baixo da cadeira.

O ruído cessou e o homem desembarcou.

Soltou o cinto de segurança, levantou uma espécie de redoma que havia sobre a cabeça e ficou de pé.

Uma avaliação rápida revelou ter mais de metro e oitenta, roupa brilhante, capacete, luvas, botas, cinto com vários compartimentos como o cinto de utilidades do Batman.

O astronauta movimentou alavancas na altura do pescoço e tirou o capacete.

Do cinto, retirou um aparelho de comunicação e disse num tom ameno, quase familiar...

- Cuma vai Artuzinho, meu fio?

Num lapso de tempo, Artur reviu a velha Justina em sua frente.

- Como você pode falar com a voz de mãe Justina?

- Você tinha ido para a escola, muito longe de casa, quando viemos buscar espécies terrestres para estudo e localizamos a velha Justina que ainda hoje está sendo de muita valia para entendermos os sinais recebidos da terra.

- Quer dizer então que Justina não foi embora, como minha mãe disse.

- Ela já estava muito desgastada, mas fizemos um bom trabalho de restauração.

- E o que vocês querem aqui?

- Fazer novos estudos sobre a espécie humana. Nós acreditamos que temos a mesma origem. Nossa missão é fecundar várias mulheres como sêmen que trouxemos e levar sêmen daqui para fecundar as mulheres de lá. Depois cruzaremos esses produtos para testar se o híbrido é fértil. As voluntárias receberão pagamento em ouro, metal que vocês dão muito valor. Eu vim buscar você para atender ao pedido de Justina, ela quer vê-lo e pede que venha conosco.

Nosso planeta faz parte da galáxia que vocês chamam de Pégasus...

Nossas pesquisas científicas estão bem mais adiantadas do que as daqui porque não nos dedicamos às guerras que tanto mal fizeram a vocês.

Artur ligou para o Observatório.

- Quero falar com o Dr. Kildermann... é o Dr. Artur... vocês vão ter que fazer essa reunião sem mim. Fui convidado e vou para uma viagem interplanetária...

Vou deixar a chave do apartamento debaixo do tapete na entrada.

Vejam o DVD que vou deixar gravado... Até a volta.

Artur retirou do armário, câmera e tripé. Gravou imagens da cadeira veículo, do astronauta, das peças do cinto, e pediu que o visitante ficasse nu.

Não havia diferenças anatômicas evidentes.

A única coisa digna de nota era o cabelo grande do visitante em contraste com a cabeça raspada do Dr. Artur.

A câmera foi colocada no tripé e o visitante abriu um compartimento no encosto da cadeira e alongou o assento para trás de forma que as duas pessoas ficariam de costas uma para outra.

Retirou um macacão de astronauta, capacete, botas e luvas flexíveis. Os óculos, rígidos como máscara de mergulho tinha mangueira para fornecimento de oxigênio.

Um ajudou o outro a vestir as roupas, sentaram-se na cadeira e repetindo a manobra para a entrada, saíram pela porta da varanda...

A câmera desligaria automaticamente cinco minutos depois.

A viagem entre o apartamento e a astronave durou alguns minutos, pois a velocidade era quase de fóton...

Foram admitidos por uma porta em formato de diafragma de câmera fotográfica.

A cabine de comando era tão simples quanto a de um automóvel de passeio.

Os comandos eram executados por computação...

Concluída a missão de coleta de sêmen e de inseminação, o comandante determinou a volta.

Pelo relógio de Artur, a viagem durou dois dias.

Olhando pela janela da cabine de comando, os astros apareciam e desapareciam numa velocidade espantosa... Chegaram.

Ogana era um planeta com as mesmas características da Terra a diferença era que não havia noite por ser iluminada por dois sóis e não havia estações do ano.

A temperatura era constante em 40°C, por isso não usavam roupas.

A população, controlada por taxas iguais de natalidade e morte, era extrativista em sua maioria e a longevidade chegava perto dos mil anos.

Eles tinham conseguido controlar os elementos constitutivos do organismo e principalmente matriz extracelular, entre elas o colágeno.

A velha Justina estava com aspecto de vinte anos apesar dos cem cronológicos.

Artur visitou todas as instituições científicas e viu com desgosto o quanto os seres humanos da Terra estão atrasados por conta das guerras, da estupidez religiosa, da ganância.

Artur meditou bastante o quanto de vantagens teria em ficar com aquele povo tão inteligente quanto à espécie humana, tão amável e cortes.

Ofereceu-se para lecionar na universidade e decidiu que não mais voltaria ao planeta Terra.

O Dr. Kildermann do Observatório Astronômico, depois de assistir ao DVD, anotou em seu diário que no dia 31 de março de 2120, o Dr. Artur Ferreira da Silva, fora sequestrado por alienígenas, entregou o disco ao Ministério da Defesa e deu o caso por encerrado.