Abrigo Nuclear

Atravessaram o corredor. Três, ao total, caminhando rapidamente pelos cavernosos caminhos subterrâneos construídos há algum tempo atrás. Construídos para casos de emergência. Casos como aquele.

A que vinha em frente era uma mulher com olhos saltados e ansiosos, cabelos vermelhos e curtos, andar deficiente e doloroso. Não tinha sequer quarenta anos, mas os sulcos em sua face e a preocupação constante dava-lhe um aspecto ao menos vinte anos mais velho; em segundo, um garoto. Não mais de quinze, baixinho e atarracado, com ossos frágeis e braços finos. Vivia a espirar, e, segundo consta nos autos, tinha praticamente todas as alergias conhecidas pelos humanos; e por último – e muito menos importante, devo ressaltar – vinha um cachorro preto e grande, com orelhas caindo-lhe pela cabeça e dentes afiados que nunca foram muito bem utilizados. Criatura dócil aquela, que sempre obedecia às ordens de seu magro e franzino dono.

- O que está acontecendo, mãe? – o garoto perguntou, sem diminuir o passo, enquanto o corredor chegava ao fim, dando em uma porta com uma janela arredondada.

- Você não viu os noticiários? – ela perguntou, chutando a porta e segurando-a. – Os desgraçados dos terroristas estão para detonar uma bomba atômica em solo nacional! Temos que nos proteger!

- O que você está dizendo, mãe? – ele perguntou, franzindo o rosto enquanto segurava a porta para que o cachorro entrasse na sala. – Deus do céu, a senhora está bem?

- Estou ótima, ótima! – ela gritou, mancando até um pequeno sofá de dois lugares que havia em um canto do aposento.

O cheiro de bolor fez o garoto espirrar três vezes consecutivas. O nariz, desacostumado a cheiros fortes como aquele, pôs-se a coçar e avermelhar-se.

Ele olhou para aquele abrigo pela vigésima vez. Era sempre assim: primeiro, a mãe o assustava com todo aquele papo de bomba atômica, arma biológica ou qualquer sorte de desastres, e então fazia ele e o cão descerem até o abrigo que mandara construir a alguns anos atrás. “Depois daquele maldito atentado, não estamos mais a salvo”, ela resmungava, enquanto o garoto via todo o dinheiro da poupança descer pelo ralo com aquela construção inútil.

Era difícil para o menino admitir que sua mãe estava ficando louca, e por mais que ele tentasse negar, aquele fato já era evidente até mesmo aos desconhecidos.

- Mãe, não vai acontecer nada... – ele resmungou, desinteressado, espirando novamente em seguida. – A senhora deve ter sonhado. Vamos voltar para casa.

- Não! – ela gritou, olhando para os lados. – Aqui temos tudo, tudo! Os enlatados, os alimentos não-perecíveis, a água, o gás, tudo! Não precisamos subir novamente, não agora! Eles vão explodir suas bombas bem aqui, filho, agora é pra valer! Oh, que sorte temos que podermos nos proteger.

- A senhora... está ficando louca! – ele gritou, impaciente. – Vamos, não vai acontecer nada, sua cabeça-dura! Não há bomba nenhuma!

- Se você visse os noticiários saberia que estou falando sério! As pessoas estão todas enlouquecidas, filho. Estão correndo por aí, se matando, estuprando umas às outras. Elas todas sabem que vão morrer e querem fazer tudo o que não fizeram quando a cidade era um lugar seguro. Venha, venha, vou lhe mostrar.

Pegou o controle remoto e ligou a televisão.

- Aproveite enquanto a transmissão ainda não foi cortada pela bomba.

O cachorro latiu, aninhando-se entre as pernas da mulher, enquanto o garoto mudava de canal.

Uma criança apresentando um programa de crianças.

Dois repórteres em um estúdio, com aparência tranqüila, discutindo alguma coisa concernente ao carnaval do próximo ano.

Uma apresentadora mostrando a difícil vida de um travesti que se envolvera com um ator famoso.

- Não tem nada! – ele disse, jogando o controle no sofá. – Estou subindo. A senhora vem?

- Não, e nem você! Você vai ficar aqui, mocinho! Não ouse me desobedecer!

- Eu... eu vou ligar para o papai. Vou pedir para ele vir aqui.

- Não! Aquele desgraçado merece morrer! Merece morrer!

- A senhora... a senhora não está bem, mamãe. Não posso mais fingir que não está acontecendo.

- Ótimo, então! – ela gritou, assustando o cachorro, que se levantou de repente, correndo até as pernas de seu dono oficial. – Vá até ele, seu ingrato! Quando estiver derretendo, lembre-se da sua mãe e da loucura dela!

- Desculpe, mãe – ele disse, a voz embargada pelo choro inevitável. Antes que viesse, ele espirrou mais uma vez.

- Por favor, não vá! – ela disse. – Estou falando sério. Dessa vez é sério. Está acontecendo. Será que você pode me ouvir, pelo amor de Deus?

- Não vou mais aturar suas loucuras. Quando papai chegar, tudo vai ficar bem.

- Ele não vai chegar. – ela disse. – Nem você.

O garoto deu as costas à mãe, saindo do abrigo nuclear lentamente.

Quando a bomba explodiu, todos morreram. Exceto a louca manca, única sobrevivente, resgatada uma semana depois. Diziam que, quando a encontraram, ela remexia os restos pastosos dos humanos. Dizia procurar um cachorro e um menino. Ninguém sabia como ela havia aparecido ali, e nem lhe deram muita importância.

Foi trancafiada em um sanatório, e permaneceu ali até sua morte. E, quando morreu, doze anos mais tarde, a terceira guerra ainda não tinha chegado ao seu fim.