Quinta-Terminal

No inicio, tudo parecia apenas mais um caso de surdez, se é que pode tratar um caso deste como comum, ainda me lembro bem era uma quinta-feira e um novo paciente chegou em meu consultorio, o nome dele era Marco e como se já me conhecesse ha tempos, contou para mim tudo que aconteceu na noite anterior com sua esposa Juliana até aquele exato momento que estavamos um de frente para o outro, tudo que ele falava saia com um tom muito maior de desabafo sobre sua vida matrimonial, do que uma consulta médica. Porém, sou médico e tinha outros pacientes a atender depois dele, e me fiz obrigado continuar a consulta o interrompendo.

Como eu desconfiava, realmente o diagnostico depois dos exames era surdez e em um estado avançado, sem possibilidade de contorna tal situaçao. Logo comuniquei a Marco do que se tratava, e a noticia soou para ele como se o mundo tivesse desabado em suas costas, afinal saber que vai ficar surdo nao é a melhor notícia do mundo.Ele automaticamente entrou em desespero e começou a se lamentar, e dizer que toda sua vida havia acabado naquele minuto.

Que sua esposa nao iria entender, e que ele seria demitido. Nessa hora, eu prefiri, me calar e manda-lo para casa, e nao contar lhe, que tinha desconfiança que podia se tratar de um cancer celebral e em fase final, passei a ele uma bateria de exames e pedi para que so voltasse quando estivesse com os resultados.

A noite em casa confesso que me recordei do drama de Marco, mais nao quis ficar pensando muito nisto e logo fui para cama e cai no sono. Passada duas semanas, um outro médico amigo meu, me passou mais um paciente com os mesmos sintomas. Esses casos nao sao rotineiros, mais preferi nao ligar uma coisa a outra, afinal o corpo humano nos surpreende a todo o momento. Passado um mes, Marco voltou e me apresentou os resultados dos exames, e tudo aquilo que eu vi, me deixou completamente sem reaçao, calmamente eu li, re-li e li novamente miniciosamente cada informaçao do exame, e era totalmente diferente de tudo que já havia visto, em toda a minha carreira e na epoca de faculdade. Sem ter ideia do que fazer, de que medida tomar perante, a todas aquelas inflamaçoes, hemorragias internas relatadas no resultado, pedi ao paciente, que deixasse eu mesmo fazer os exames nele. Sem intender, mais tambem sem perguntar porque ele permitiu.

Fiz a bateria de exames, e pedi para que ele fosse para casa e nao se apavorasse, pois nao se tratava de algo tao serio quanto pensava e que era possivel uma cura. Naquela hora a unica coisa que podia fazer era acalma-lo. Mandei que minha secretária desmarcasse qualquer outra consulta durante tempo indeterminado. Durante um pouco mais de uma semana, fiquei trancado dentro de um laboratorio, tentando descubrir o que era aquela doença. No passar da semana, fiquei sabendo que mais cinco novos relatos de pacientes na regiao foram notificados. Comecei a ficar preocupado com a situaçao, mais ainda acreditava que era uma fase avançada de cancer combinada com um epidemia gripal. Ao passar uns tres dias, uma jovem muito linda estava aos prantos em meu consultorio querendo falar comigo, e nao sairia de la, até que conseguisse. Entao resolvi, fazer a vontade da moça ela se apresentou como Juliana, e logo juntei uma coisa a outra, se tratava da mulher de Marcos. Pedi para que ela começasse a falar, pois tinha muito trabalho a fazer.

Em tom de revolta, raiva, desespero e carinho, ela começou a esbravejar comigo dizendo que eu era o responsavel por nao ter curado seu marido, que já estava completamente surdo, um estado de cegueira avançada e com uma sequencia enorme de convulçoes.Tentei ao maximo fazer com que ela se acalmasse, escutando-a, e tambem me explicando dizendo que era inevitavel que nao acontecesse. Ela me abraçou apertado e aos prantos me pediu que achasse a cura. Disse que faria o maximo o possivel e pedi para que ela voltasse para casa, que seu marido precisava dela muito mais com ele, do que comigo reclamando. Juliana, secou as lagrimas e saiu pela porta calmamente, confesso que a moça me convenceu a trabalhar somente neste caso, e assumo que a sua beleza me deixou embasbacado era linda, tinha pele alva, lindos e longos cabelos negros, olhos verdes, parecia até uma modelo, sem duvidas uma das mulheres mais lindas que ja conheci. Fiquei pensando nela por um bom tempo mesmo nao querendo, até por que ela era a esposa do meu paciente e nao podia me apaixonar por ela. Um dia depois resolvi, me trancafiar dentro do laboratorio de novo, comia pouco, procurava sair o menos possivel da cadeira que todavia tinha se tornado a minha cama, o meu sofa, minha cadeira da mesa de jantar.

Após mais o menos um mês, a essa altura nao tinha mais noçao de tempo. Depois de muito estudo, a minha descoberta foi espantosa se tratava de um virus tao perigoso quanto a AIDS, ou até mesmo pior, pois sua propagaçao era rapida o virus se multipliacava rapidamente, demonstrava uma forte evoluçao e adaptaçao ao meio em que vivia, testei ele em varias formas de superficie,no ar, na agua, em um pedaço de pele, e a todas elas o virus resistiu fortemente. Na mesma hora, larguei tudo em cima da mesa, com temor de que o pudesse ter me contaminado, fiz um exame e me acalmei e vi que nao havia contraida a doença, nisso descobri que a forma de transmissao nao era por contato direto com virus. Ainda mais nervoso, por saber que se tratava de algo muito forte, e qua nao tinha a menor ideia de como combater aquilo, resolvi pegar o telefone e ligar para Juliana e passar as novas informaçoes sobre o caso. Ao atender o telefone, ela me disse que Marco teve uma melhora subita, e logo depois voltou a apresentar os mesmos sintomas ainda mais avançados, a expliquei que em casos extremos o corpo sempre tenta uma defesa final com todas as suas forças, para evitar o pior. Expliquei tudo que havia descuberto ela ja desesperançosa disse que so queria, um final sem sofrimento ao seu marido. Entendi perfeitamente o sentimento dela, e disse que faria o maximo, para achar a cura.

No dia seguinte, me olhei no espelho a barba estava a fazer, o cabelo havia crescido, mais nao tinha tempo para isso, tomei um banho e fui fazer um apanhado geral nos hospitais e clinicas, se novos casos com os mesmos sintomas teriam sido notificados. Consegui a informçao que nos 15 hospitais e 5 clinicas daquela regiao, outros sete casos identicos foram constatados. Achei até a noticia boa, esperava por um numero muito maior de contaminaçao. Pois o virus demonstrava ser muito rapido, e se espalhava facilmente, mais talvez dependesse de uma forma exclusiva de contagio. Nunca fui um medico muito prestigiado e tao pouco querido pelos outros, mais quem tem contatos sempre tem uma chance, por sorte do destino eu era amigo pessoal de Pablo Marques, diretor geral do conselho de medicina da regiao, me encontrei com ele e lhe fiz um pedido por todos os nossos anos de amizade, que ele convocasse uma assembleia geral de medicos da cidade, ele me pediu detalhes do que era tao serio que precisasse disto, preferi nao contar e disse que me entenderia na audiçao. Meio que desconfiado de minhas pretençoes, ele resolveu atender meu pedido e marcou para a semana seguinte numa quinta-feira, a convocaçao dos medicos, eu tinha um pouco mais de uma semana para me preparar para tal, e montar uma boa tese explicando muito bem detalhado todo o processo viral que havia descoberto.

Tomei a decisao que iria botar meu sono em dia, e que a noite sairia para distrair um pouco a cabeça, logo fiz o planejado, dormi até o meio dia e a noite fui ate uma danceteria, virei a noite me senti como quando tinha dezoito, dezenove anos. Foi bom, mais ao amanhecer do dia tinha que voltar a rotina, e logo fui para o computador para começar a montar o inicio de minha apresentaçao sobre o virus, um determinado tempo depois que comecei o serviço, me lembrei de ligar para Juliana, para da a boa nova a ela. Quando ela atendeu o telefone, com uma voz fraca e triste, imaginei que era por Marco esta mal, mais no momento que ia passar a noticia que um assembleia seria feita e que a cura com isso, estaria mais proxima de se descubrir, ela me supreendeu com uma noticia que caiu como um balde de agua fria, seu esposo acabava de falecer no dia anterior, e que estava se dirigindo até o local onde estava sendo realizado o velorio e onde o corpo de Marco seria enterrado. Na mesma hora fiquei anestesiado e já nao sabia, de onde encontrar forças para dize-la sobre a audiencia, pois nao faria mais nenhum sentido para Juliana, e muito menos encontrar algumas palavras de conforto pra falar lhe.

A unica coisa que consegui falar, foi pedir o endereço e dizer que iria la, no mesmo momento deixei o laboratorio, e fui até em casa tomar um banho e me vestir apropiadamente para a situaçao. Depois de pegar um pouco de engarrafamento, em uma das principais rodovias da cidade, cheguei até o local o clima era do piores, houve uma missa, e depois o enterro.

Quando tudo ja havia terminado ofereci uma carona para Juliana, e mae de Marco que se chamava Sandra, no caminho eu expliquei como estava o processo de evoluçao do virus, e o que estava fazendo para impedir que continuasse, todavia no momento em que citei a convocaçao geral, a viuva, demonstrou animaçao e disse que fazia questao de estar presente. Nao percebi mais ja faltava apenas uma semana, para tal. Ja era Quinta feira. Nem fui em casa, deixei Juliana e sua sogra, em sua residencia e me dirigi direto ao meu laboratorio para avançar nas pesquisas e na tese pois o tempo era curto. As horas passavam tao rapido, quanto um guepardo corre atras de sua presa, o despero do medo de nao estar com tudo pronto até o dia me dominava, e a base de calmantes tentava manter o equilibrio mental, para meu propio bem e pelo que descandeava, pelo bem de muitos tambem. Conforme as horas, os dias passaram num piscar de olhos, e ja era noite de quarta feira dia 22 de julho, um dia antes da assembleia. Como havia prometido liguei para Juliana, e a convidei a ir comigo sem muita delongas ela aceito e marcamos uma hora para ir. Um pouco depois abri o envolope com os dados dos novos casos registrados nao so na cidade, mais em todo o estado informaçao que consegui atraves do meu amigo Pablo. Me espantei tudo era muito impressionante, o virus se propagou no estado mais rapido que uma ferrari chega de 0 km a 100 km, aquilo que me deixou muito preocupado foi a quantidade de novos relatos, outras quinhentas pessoas em todo o estado ja apresentava os sintomas. O que antes era um caso regional, nesta altura ja era estadual, e quem sabe ate mesmo um caso federal pois já podia estar abrangendo uma extensao territorial muito grande do país.

Procurei me retirar o mais cedo possivel para ter uma boa noite de sono, o que apesar do nervosismo consegui ter, acordei cedo repassei meu discurso inumeras vezes, fiz uma alimentaçao leve, a tarde procurei assistir tv, dei uma volta no quarteirao e a começar a noite ja estava pronto para ir discursar e confiante que convenceria a todos do perigo que estavamos passando e buscariamos uma cura juntos. Busquei Juliana e a levei até o teatro municipal onde seria realizada a assemblia geral. Para me surpresa, la nao se encontrava apenas medicos, mais tambem os principais advogados, vereadores e o prefeito da cidade. De inicio achei bom, pois assim seria melhor por que teriamos ajuda de custo do governo para desenvolver um metodo para a cura. Minha apresentaçao começou, e ao passar dos minutos todos ficavam espantados e apavorados a cada nova informaçao adquirida, todos demonstravam desespero, temor do que poderia acontecer. Quando terminei meu amigo Pablo, presidente da associaçao pediu a palavra e disse que haveria um recesso e que dentro de dois dias, outra assembleia seria convocada para a decisao de alta culpula se passada a todos. Sai dali, com a sensaçao de meu trabalho feito e que tinha mostrado a todos o perigo eminente e conseguiriamos uma soluçao. Porem, outra coisa passava minha cabeça a opniao de a esposa do falecido Marco, confesso que a essa altura do campeonato, assumo como uma confissao de um crime, que estava completamente apaixonado por aquela mulher, e que ela nao saia de meus pensamentos.

Sei que jamais poderia acontecer aquilo ela era a viuva de um paciente meu e isto seria extremamente anti-etico, entao preferi ficar quieto e nao fala disto com ela, tambem nao a encontrei. Dois dias depois como havia sido prometido a assemblia geral deu seu resultado, e era o seguinte: " O Dr. Nunes, segundo a corte estadual apos averiguaçao cientifica acaba de ser condenado a prisao pela criaçao de um virus mortal, e tambem é culpado por sua propagaçao na sociedade". Juro que neste momento fiquei congelado, e eu que nao era muito apegado a religiao, comecei a rezar. Mais parecia que ninguem tinha me ouvido, vide que sai algemado do teatro municipal, com toda a sociedade medicinal e juridica me culpando de ter criado o virus mais perigoso ja visto em todo o mundo. Passei cinco dias e quatro noites na cadeia, nesse tempo convivi em uma cela com um assassino de aluguel que ja havia matado para mais de quinze pessoas, confesso fiquei recioso dele fazer algo comigo, mais pelo contrario se demonstrou muito simpatico, e me disse uma frase que nao esqueço, eis ela: " Já matei muitas pessoas nao escondo, mais o que realmente me importa é como me dou com as que estao vivas ", achei meio que tanto psicopata mais com razao o que ele disse, até que a unica pessoa que poderia me livrar daquela, Juliana apareceu e deu seu depoimento, dizendo que ela e que muito menos Marco seu noivo falecido, nunca haviam tido nenhum tipo de contato comigo antes daquela consulta o que me livrava da acusaçao de criaçao do virus e de todas as mortes que ja tinham ocorrido devido a contaminaçao. Assumo que o momento em que fui solto, foi um dos melhores de minha vida, a alegria moral era enorme, agradeci incansavelmente a viuva, por ter ido até la, me livrar daquilo. Apesar de ter sido preso sem julgamento, preferi nao perder tempo com processos pois o virus me preocupava muito mais.

Com a minha soltura, e minha inocencia comprovada, muitos dos medicos resolveram me ajudar na busca da cura, infelizmente ja era tarde, muitos ja haviam morrido, e nao se faz ideia de quantos estavam contaminados, em menos de 2 meses a doença se espalhou por todo o mundo, e ja eram relatados sintomas do virus na Australia. Nesses tempo que passou, mesmo nao sendo muito profissional, me declarei para Juliana, e depois de muito insistir, apesar da recente perda de seu esposo, acabamos ficando, sinto que isso aconteceu muito mais por pressao do que por vontade dela, eu ja pelo contrario estava perdiamente apaixonado. Muitos calculos, muitas falsas soluçoes foram publicadas, e tambem muitas pessoas continuavam sendo contaminadas, e apelavam para supertiçoes, promessas a Deus e a santos, confesso que todo homem precisa de uma religiao para buscar força quando nao tem, mais acho que nem mesmo Deus podia salvar a maioria das pessoas depois da contaminaçao, a nao ser que ele ajudasse a descubrir a cura e o foco onde nasceu a doença, uma ajuda jamais pode ser negada, e ate eu que nao era religioso me apeguei a uma. Nao so a uma, mais a varios dogmas de inumeras religoes, nao sei se é certo mais ja tava desesperançoso da salvaçao. Os estudos continuaram e com todo o mundo correndo risco, meu caso a viuva aumentava e finalmente acreditava que ela realmente estava ficando comigo por gostar de mim. Durante 3 meses as pesquisas proseeguiram, e so noticias ruins chegavam, nenhum indicio de soluçao. Mais uma coisa me alegrou e muito, Juliana me contou que estava gravida de uma menina, e que seria minha filha. Sinceramente eu fiquei feliz, mais nao muito, pois nao queria que minha filha nascesse durante uma epidemia mundial.

O tempo continuou passando, e uma descoberta minha me destruiu, ....descubri que o virus nasceu apartir de uma serie de acontecimentos do organismo de Juliana e que so nele , a doença se mantia viva para se procriar, nas outras pessoas ele apenas se hospedava e nao se reproduzia. E a unica forma de acabar com isto era a morte de minha amada, preferi nao publicar isto, pois minha filha estava no ventre daquela pessoa que eu tanto amava, e sinto que nao conseguiria viver sem ela, pois ela era meu porto seguro. A cura para salvar os contaminados foi descoberta, mais nao descubriam o foco da onde toda as outras pessoas contraiam o virus, e nem da onde ele nasceu. Escondi as pesquisas em meu escritorio, dentro de uma gaveta com chave, para nao correr o risco de ninguem descobrir. Seis meses se passaram e minha filha nasceu, infelizmente o organismo dela tambem adquiriu a mesma doença que a mae. Milhares ja haviam morrido. E a soluçao para que mais ninguem morresse por isso era se as duas morressem. Em uma quinta feira, cheguei em meu escritorio, e vi tudo bagunçado, e vi que Juliana estava la, com as pesquisas na mao chorando e se lamentando. E me perguntou se Gisella nossa filha tambem sofria com aquilo. Tive de dizer a verdade e disse que sim, e que milhares de pessoas ja haviam morrido por causa de elas duas ainda estarem vivas. Ela me abraçou forte me beijou e foi para casa sem falar nada. Durante toda a semana eu pensei nisso, e na quinta da semana que vem cometi o maior crime da minha vida, enquanto minha filha e a Juliana dormiam, provoquei nas duas uma parada cardiaca atraves de uma injeçao de ar. Tenho uma dor na consciencia até hoje por causa disso, mais salvei muitos e tambem matei muitos por deixar elas vivas por tanto tempo. Foi os melhores momentos da minha vida ao lado delas. Mais isso se fez necessario, e hoje aquela frase que escutei na cadeia, me faz sentido........." Nao importa quantos eu matei, o que me importa é como me dou com as que estao vivas " , e acho que me dou muito bem pois muitos estao vivos, por causa do meu pecado. A minha vida se resumi as quintas feiras de 1 ano e 3 meses. Nem gosto de pensar, no estado terminal que as proximas podem me deixar.

Dinho Almeida
Enviado por Dinho Almeida em 17/09/2008
Reeditado em 17/09/2008
Código do texto: T1182444
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