O SEGREDO DO OLIVA NEGRA capítulo 2

Belo Horizonte, 16:00hs, no mesmo dia.

Os dedos de Laura deslisavam sobre o teclado suave do computador pessoal enquanto as imagens no monitor mudavam constantemente, como numa mágica nauseante. Estava virando rotina entrar e sair da internet atrás de coisas de que tempos antes vivia tentando fugir mas que agora mais do que nunca a atraía. Coisas que costumavam serem tomadas como sobrenaturais, fantásticas demais por pessoas que se diziam normais, agora lhe eram tão comum quanto prestar atenção no vôo dos pardais pela janela do apartamento. Seu estômago ardia, como se não tivesse digerido bem o que havia acontecido no Shopping uma semana antes. Os olhos do rapaz em metamorfose lhe açoitavam a mente como se ouvisse marteladas de um carpinteiro ensandecido. Observou um porta retratos onde aparecia uma foto sua ao lado de Daniel tirada poucos dias após o casamento e que figurava ao lado de um vasinho verde com rosas feitas de plástico e alguns livros de auto-ajuda. Não havia lido nenhum deles, nem o marido, mas estavam ali por que em algum momento achou-se que poderiam ser utéis de alguma forma.

Daniel, em outra sala, discutia, pelo telefone, um assunto com o ex-sócio sobre o fim de um negócio de cinco anos. Estava tudo indo a ruína: venderam o carro importado que era um luxo acima das possibilidades do casal - agora isso parecia bem claro - compraram um carro usado e barato mas as dívidas não desapareciam. O marido ultimamente vinha se comportando de uma maneira diferente de outras épocas: a agitação nas conversas pelo celular que quebravam o silêncio da casa em números ativos e passivos, com duplicatas a mil e preços no cãmbio, fora substituída pela indiferença de fim de semana com chinelo no pé e bocejos; a ambição e a objetividade haviam sido trocados pela indagação e a hesitação, a ousadia pelo silencio; Laura achava isso compreensível depois do acontecido no Oliva negra, mas não poderiam viver assim por muito tempo. Apesar disso sentia que ele, por debaixo daquele ócio, vinha procurando se tornar uma pessoa mais aberta, no sentido de ouvir mais quem pensava diferente dele.

Alguem tocou a campainha. Daniel foi atender, ao mesmo tempo em que Laura descobria num site sobre ufologia uma noticia curiosa: " Menino de doze anos presencia fenônemo que costuma ser chamado de cabelos de anjo". Aquilo poderia ter aguçado sua curiosidade e fazê-la se enterrar mais ainda naquele assunto mas ouviu Daniel ordenar pelo interfone que alguem subisse as escadas, iriam receber visitas. Olhou de volta para a tela. Cabelos de anjo! nome curioso.

- Querem falar com você.

Laura desligou o computador e foi atender. Na sala encontrou um homem negro alto de cabeça raspada e vestido de terno escuro e com uma reluzente correntinha prateada em volta do pescoço. O homem lhe pareceu elegante demais perto do marido que vestia bermudas e camiseta, e foi logo abrindo um forçado sorriso típico de quem está dedicado a parecer simpático em sua apresentação:

- Boa tarde, eu me chamo Mário e faço parte de um grupo que presta serviço social cujo o objetivo é apoiar pessoas que foram vítimas de marginais.

Laura o cumprimentou,mas ao mesmo tempo pensava que aquele homem poderia ser qualquer coisa entre um produtor de grupos de hip hop a um policial federal alinhado, passando por um membro da igreja, só não parecia um assistente social. Todos se acomodaram.

- Eu andei estudando o caso em que você foi assaltada - continuou Mário - preciso saber sobre como está se sentindo.

- Estou bem. Tenho vinte e cinco anos, sei me virar.

- Há coisas que não podemos enfrentar sozinhos, muitas vezes precisamos conversar sobre o que acontece a nossa volta e principalmente o que acontece com a gente. Como foi que tudo aconteceu?

- Eu já disse tudo o que tinha de dizer a polícia.

- Sim, mas no primeiro depoimento você falou algo sobre um estranho com olhos que não eram de um ser humano...

- Eu disse aquilo porque estava nervosa no começo, não dizia coisa com coisa... depois eu me acalmei.

- De fato. Mas, você falou algo sobre seres de outro planeta e que estava acontecendo tudo de novo. Tudo o que?

- Tudo que eu tinha pra falar eu disse a polícia. Não preciso que se preocupe comigo.

- Tudo bem... - Mário observou a postura defensiva de Laura: seus argumentos curtos que fechavam as portas para quem tentasse desvendar maiores detalhes do suposto assalto, os olhos se desviando para o lado em busca do marido, as mãos se esfregando uma na outra, definitivamente ela não estava satisfeita com aquela visita. Mas havia algo naqueles olhos castanhos que fugiam a preciosidade juvenil, algo que ela tentou esconder quando cruzou os braços e puxou os pés para junto do sófa a qual estava sentada, algo que a assustava... - nem todos reagem da mesma maneira ao ter contato com o que estranho e desconhecido - continuou Mário - uns se expõem exageradamente e até aumentam o fato do qual foram testemunhas, enquanto outros preferem o silêncio. Talvez por medo da reação da sociedade.

- O que? Você não sabe de nada!

- Do que é que eu não sei?

- Calma, Laura, porque não diz a ele tudo o que aconteceu? - sugeriu Daniel.

- Por que você não fica quieto? eu esperei por você a tarde toda e não apareceu. Você não estava lá quando precisei. E agora fica aí dizendo sobre o que eu devo fazer...

Laura lançou um olhar insano ao marido, que ainda tentou argumentar alguma coisa mas desistiu. De qualquer forma Mário se sentiu satisfeito com aquela reação.

Naquele momento a conversa chegou num nível muito tenso. A tarde lá fora parecia tranquila e indiferente. Laura podia sentir isso ouvindo o os gritos das crianças se divertindo na rua. A parede em gesso branco da sala refletia os raios de sol que entravam pelos fundos. Ela passava as mãos nervosas pelos cabelos longos como se fazendo isso pudesse se livrar da incômoda visita.

- Quero apenas te ajudar. Escute você não precisa ter medo. Eu já tive contato com pessoas que me relataram acontecimentos que parecem absurdos a primeira vista. Ouvi falar de naves estranhas, luzes e abduções...

- Não sou uma dessas pessoas loucas.

- É claro que não. Eu posso ajudar se você...

- Não preciso de sua ajuda. Por favor retire-se!

Mário decidiu obedecer Laura. Quando descia a escada em direção a rua foi abordado por Daniel que o seguira. Este lhe segurou pelo braço e começou a falar num tom abaixo do que era normalmente a sua voz:

- Por favor, desculpe minha mulher ela estava nervosa. Mas você não me parece um assistente social, parece interessado em outra coisa.

- Você é esperto - Mário falou, mas continuou andando em direção a saída.

- Mas o que lhe interessa nessa estória?

Mário parou e observou a fisionomia de Daniel, como se o estudasse.

- Não é o tipo de coisa que se fala num corredor.Tome. É meu cartão.Se quiser conversar sobre coisas "diferentes" é só me ligar.