FILHOS DA LUZ - CAPÍTULO 1

CAPITULO 1 – MAIO DE 1.968

O dia estava confuso, Paris estava confusa, naqueles dias tudo era motivo de discórdia e motivo de violência. Facilmente achavam-se pessoas machucadas, sangue corria nas ruas de Paris neste período. Eu como um visitante naquela bela cidade não entendia muito bem o motivo para tanta violência. Alguns diziam que tudo aquilo era por represália a Classe Dominante, outros juravam que era por uma sociedade mais livre. Haviam razões de ordem políticas também mas, o que se via era uma “onda de violência” gigante e descontrolada – que culminou numa das manifestações mais importantes para a humanidade no século passado.

Eu tentava me esconder ou me proteger de todas as formas, bastava estar nas ruas para ser agredido por policiais. Não importava se era criança, jovem ou idoso, todos corriam o mesmo risco de apanhar dos policiais. Notava-se claramente que muitas e muitas pessoas se quer sabiam porque estavam no meio da rua protestando e pior contra quem. Obvio, uma pequena minoria tinha suas convicções e seus ideais.

Entrei às pressas numa galeria para me abrigar e encontrei um Café, ao entrar no estabelecimento ouviam-se as mais diversas opiniões sobre toda aquela confusão que já durava alguns dias pela cidade, cada um defendendo uma tese para explicar toda aquela “onda” na cidade. Sentei-me junto à janela de vidro e via algumas pessoas correndo de um lado para outro também tentando se esconder ou a fim de encontrar um melhor lugar para atacar os policiais que revidavam a violência da multidão. Somente depois de alguns instantes no lugar é que senti uma força diferente chamando a minha atenção para uma mesa que estava no fundo do Café, havia três crianças neste mesa. Olhei ao redor para verificar onde estavam seus pais ou identificar alguma pessoa responsável por aquelas crianças.

A mesa contrastava com a balbúrdia que existia pelo lado de fora, as crianças permaneciam em silêncio absoluto e transmitiam uma grande tranqüilidade.

Andei lentamente pelo bar após perguntar ao atendente o que faziam as crianças sozinhas naquele lugar, contudo, não me recordo de ter tido alguma resposta convincente por parte do atendente.

Duas das crianças – os meninos permaneciam de cabeça baixa e nem ao menos olhavam para fora do Café, já a garota olhava tudo atentamente, contudo, com uma serenidade acima do normal para uma criança.

Não resisti e impulsivamente me aproximei da mesa deles, havia quatro cadeiras e me sentei na que estava vazia de frente a garotinha. Ela acompanhava com os olhos cada passo dado por mim, percebia aproximando-me cada vez mais e permanecia com a mesma feição.

- O que vocês estão fazendo aqui sozinhos? Perguntei.

- Esperando por você. Foi a resposta da garota sem me olhar nos olhos.

- Esperando por mim? Por quê? Como sabia que eu viria a este lugar?

- Apenas sabia que um homem iria sentar-se aqui e iria nos ajudar...

Depois das palavras ditas por aquela garotinha minha vida nunca mais foi a mesma. - Onde estão os pais de vocês?

Ela levantou o rosto e pude ver seus olhos, eram um olhar penetrante e que me tornava confuso, parecia familiar seus olhos, mas ao mesmo tempo meu cérebro não conseguia raciocinar direito.

-Por aí. – Disse a garota - Não sabemos onde exatamente, mas sei que estão nesta cidade ainda.

A cada palavra dita pela garota meu raciocínio se tornava ainda mais confuso, eu não compreendia o que aquilo queria dizer ao certo e insisti:

- Não entendi! Vocês estão sozinhos aqui e não sabem onde estão seus pais?

- Por que faz uma pergunta se já sabe a resposta?

Cocei minha cabeça em sinal a falta de compreensão de minha parte da conversa estranha que eu estava tendo com aquela garota.

- Olhe, não sei quem são vocês, não sei o que fazem aqui sozinhos, nem ao menos sei por que vim a esta mesa falar com vocês, contudo acho que vocês deveriam ter cuidado nas ruas porque existem muitas pessoas lá fora que não vão se preocupar com vocês, ok?

- Não vai nos ajudar? Perguntou a garota fixando seu olhar em meus olhos.

- Ajudar em que? Perguntei receoso da resposta.

- A encontrar nossos pais.

- Não posso, tenho muito que fazer, vocês devem procurar a polícia e pedir para que eles os ajudem.

- A polícia não pode nos ajudar. - Respondeu a garotinha ainda me olhando fixamente.

- E Porque não?

- Porque eles jamais acreditariam em nós!

- Espere um pouco menina, quem não está entendendo nada sou eu. Acreditar em que? Porque a polícia não pode ajudar vocês? Seja clara e me dê um bom motivo para que eu fique aqui ouvindo você!

A garota olhou para os outras duas crianças que permaneciam em silêncio e tive a nítida impressão de que eles se falavam telepaticamente.Não houve troca de uma só palavra entre eles mas me transmitiam a sensação que se comunicavam.

- Venha, precisamos ir embora daqui. Disse-me a garota levantando da mesa.

- Hei! Não vou a lugar algum com um bando de crianças perdidas. Além do mais, as ruas estão cheias de pessoas se agredindo, é muito arriscado sair agora daqui.

- Se você quer mesmo entender o que está acontecendo aqui, precisa vir conosco e esperar o momento certo para as respostas.

- Vi as crianças saírem do bar sem que ninguém se importasse com o fato de ter ali três crianças sozinhas perambulando pela cidade. Tentei falar algo com o atendente e mais uma vez fui ignorado por ele, então saí atrás das crianças.

O tempo de hesitação que permaneci no Café fez com que eu não pudesse ver para onde as crianças tinham ido e comecei a andar pelas ruas procurando-as.

Agora que eu estava sozinho sem a presença do olhar forte daquela garota podia refletir melhor, mas insto não tornava aquela conversa mais insólita ainda. Eu não conseguia compreender as poucas palavras ditar por uma garotinha de pouco mais de 13 anos, mas estava eu, um homem formado por uma das melhores universidades do mundo, em meio às ruas de Paris a procura de três crianças que nem ao menos eu sabia o nome.

Andei por quase toda tarde com o intuito de achar as crianças, mas foi em vão, cheguei a acreditar que eu tinha tido uma alucinação, foi quando desisti de procurar e resolvi voltar para o hotel onde eu estava hospedado.

Quando me aproximei da recepção do hotel para retirar minhas correspondências e as chaves do quarto, tive uma nova surpresa:

- Boa tarde senhor! Como está o trabalho Senhor Joseph?

- Boa tarde Otto! Vai bem, muita coisa ainda a fazer...

- Isto é bom Senhor, assim poderá ficar conosco por mais tempo.

- Até semana que vem meu caro amigo, até semana que vem...

Quando estava me dirigindo para as escadas, Otto me chamou:

- Sr.! As correspondências!

- Ah sim claro! Voltei ao mezanino para pegar as correspondências.

- Aqui estão todas as correspondências destinadas ao senhor.

- Obrigado Otto.

- Ah senhor, mais uma coisa, uma garotinha esteve hoje aqui procurando pelo senhor!

- Uma garotinha?

- Sim! Ela deveria ter pouco mais de dez anos de idade. Disse ser sua conhecida e que o senhor não precisa se preocupar que ela está bem e logo pela manhã virá a seu encontro.

Meu cérebro mais uma vez ficou tomado pela confusão ao ouvir aquelas palavras e demorei em voltar a raciocinar normalmente.

- Ela disse onde passaria a noite?

- Não Senhor! Apenas pediu para que lhe desse este recado.

- Ela estava acompanhada com alguma outra criança? Ou algum adulto?

- Não Senhor! Estava sozinha...

- Desculpe Senhor Joseph, mas existe algum problema?

Como dizer para aquele homem que eu estava ficando maluco e se quer saber quem era a garotinha que havia surgido na minha vida tão misteriosamente e que agora sabia até onde eu estava hospedado!

- Não meu caro Otto, está tudo bem! Obrigado pelo recado.

- Se precisar de algo senhor, pode me avisar!

- Obrigado Otto, mas está tudo bem! Boa noite!

- Boa noite Senhor.

- Lembro-me daquela noite ter pedido a refeição no próprio quarto, pois estava demasiadamente estafado. Ao ligar a televisão (não havia muitas alternativas de canais como hoje em dia) fiquei observando um noticiário local onde se destacava novamente a violência que estava ocorrendo por todos os lugares da cidade. Evidente que existia algumas pessoas que explicavam os motivos para aquela agitação toda, contudo eu me perguntava: Onde aquilo iria nos levar? Qual o propósito de tanta violência?

Deitei na cama juntamente com alguns papeis que faziam parte do meu projeto e em poucos minutos eu estava me entregando ao sono.

- Joseph! Joseph! Acorde...

- Acordei assustado e vi o rosto da garotinha do Café do dia anterior. Pulei assustado da cama e percebi que não se tratava de realidade e sim de um pesadelo. Levantei assustado com a realidade e com a percepção da presença da garota no quarto. Por alguns instantes procurei por ela girando a minha cabeça para todos os lados, meu corpo estava arrepiado e trêmulo. Havia a nítida sensação de que aquela menina estava ali!

Fui até a janela a fim de tomar um pouco de ar, olhei para o horizonte e ainda podia ouvir alguns gritos vindos das ruas vizinhas. O Hotel estava em silêncio completo, não havia ninguém na rua de frente minha janela apenas algumas árvores dançando de acordo com o sopro do vento.

Antes de fechar a janela tomei um copo de água e joguei um pouco em meu rosto para me refrescar, esfreguei as mãos sobre os olhos e quando olhei novamente para a rua deserta...

Continua o capítulo...

ESTE CAPÍTULO É PARTE INTEGRANTE DO LIVRO "FILHOS DA LUZ" ESCRITO POR ADÉRCIO GARCIA.

Adércio Garcia
Enviado por Adércio Garcia em 16/07/2008
Código do texto: T1083441
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.