O CHAPÉU

Todo-poderoso, descansa no alto da estante da sala. Sua presença marca uma ausência. Será que ele foi esquecido? Não pode ser, o seu dono lhe tem muita estima, não anda sem ele. Será que voltará para pegá-lo?

Foi-se e levou tudo em doses homeomáticas: o terno, as camisas, calças, sapatos, pilcha, camisetas e cuecas. Levou a alegria, as discussões, a paixão, a tesão, até o cachorro e o rato. Deixou uma nostalgia comprida e muita ferida que a terapia do tempo se encarrega de sarar. E os livros? Foram-se com ele! Do Evangelho de Allan Kardek até a Euforia Perpétua de Pascal Brukner, levou tudo, deixou as prateleiras cobertas de poeira e meia-dúzia de traças vagando doidas perante o vazio do nada. Tudo foi e o chapéu, tão pessoal, íntimo, continua alí me olhando sereno. Que provocação! Não posso tocá-lo porque o cheiro de suor do seu dono está infestado na palha do Panamá. Este cheiro incomodaria meu olfato . Melhor não mexer. Sinto-me perturbada andando pela casa perseguida pela presença deste chapéu tão cheio de vida. Penso em queimá-lo. Para executar meu intento preciso tocá-lo. Não, naõ posso provocar meus sentidos, tão alertas.

Os dias passam e o chapéu de palha permanece onipotente e indelével no encalço dos meus passos, invadindo minha privacidade , roubando-me a energia, o sono e a razão, com esta espera sem fim.