A Casa

No ano de 1864, o marido de Andréa Walter trabalhava na fiscalização de propriedades para o governo, e ela sempre acompanhava suas peregrinações pelo interior do país, pois eles mal podiam ter uma residência pelo fato de viverem em constante movimento.

Numa de suas últimas viagens, o casal chegou num vilarejo onde os habitantes eram extremamente taciturnos e reservados, e como não havia hospedaria, tiveram de permanecer numa casa de família.

Andréa tomou sua prancheta e saiu de casa em casa tomando anotações. O fato que mais a surpreendeu foi que, num povoado tão rude, cercado por uma densa floresta, havia uma propriedade colonial que servia de museu. Fascinada com tal descoberta, decidiu ir conhecer o imóvel.

Um vasto matagal, envolvia a casa, que se estendia sobre palafitas até a margem de um rio; era um espetáculo fascinante e desolador, pois de um lado, era totalmente abandonada e do outro, bem tratada com paredes pintadas recentemente de um intenso branco. A vegetação chegava quase a ponto de invadir o lado abandonado, e foi por este que ela entrou. Havia uma média de cinco cômodos em estado de deterioração, quartos que se percebia que houveram sido mobiliados com extremo bom gosto no passado. Um quarto de casal, com uma pesada cama de ferro coberta por teias de aranha e pó, móveis praticamente destruídos e o que mais lhe chamou a atenção, era o fato de haver uma espingarda rústica, com vestígios de pólvora sobre a colcha da cama. O próximo quarto era de uma criança, e embora estivesse coberto por séculos de poeira, tudo estava devidamente organizado, até mesmo bonecas havia sob a cama. O outro compartimento, era uma espécie de cozinha, pois percebia-se um fogão rudimentar e panelas e utensílios domésticos espalhados por todos os cantos. Chegou em mais um quarto, e quando abriu lentamente a pesada porta, um cheiro acre a envolveu, como se algo podre houvesse sido largado ali durante muito tempo, e o que mais a apavorou foi o fato de que a única coisa que havia ali, era um cobertor, que outrora fora branco, cobrindo algo bem ao centro do aposento. Assustada, correu até a sala e ali, o choque não foi menor, havia um desenho de um corpo de uma mulher feito a giz, no chão, e do lado oposto, um urso de pelúcia carcomido pelo tempo; ela teve a impressão de vê-lo se mover, mas fora um rato que passara rapidamente por perto. Imediatamente saiu do local, indo em direção a uma luz, pensando consigo que tipo de museu era aquele, onde aparentemente eram preservados os horrores de algum crime.

Quando atingiu a luz, notou que estava numa sala ricamente mobiliada e pintada com o mesmo branco do exterior. Embora tudo o que houvesse ali fosse antigo, estava muito conservado. Uma senhora veio andando vagarosamente até sua direção, e quando Andréa notou, levou uma espécie de susto, pois não esperava mais encontrar qualquer coisa com vida.

“Bom dia! Por onde a senhora entrou?” – perguntou a sexagenária.

Ainda tomada pelo efeito do susto, disse que soubera da existência do museu, e que se aproximou pelo lado desolado da casa primeiro, por achar uma construção extremamente curiosa. Num gesto compreensivo, a senhora passou-lhe a explicar:

“De fato seu espanto é bem comum, ninguém ao ver esta casa ao longe imagina que é um museu, e principalmente no seu caso, ao ter visto a parte desolada primeiro, pode supor que seja algo complicado de se entender! Venha, eu lhe mostrarei como funciona nosso museu!”.

A senhora apresentou todos os cômodos da parte organizada da casa, e explicou-lhe que tudo ali eram relíquias da época do descobrimento do país, mostrou-lhe salas onde restauradores trabalhavam, mostrou um refeitório onde pessoas também trabalhavam e salas de estudos onde homens estavam debruçados sobre livros ou objetos singulares, pois, nas suas palavras, todo o material histórico adquirido pelo governo, era enviado primeiro a este local para ser restaurado e só então era enviado para museus maiores. De fato, havia ali riquíssimas telas, esculturas entalhadas na madeira, objetos preciosos, utensílios antigos. Mas, nem assim, a curiosidade de Andréa diminuía, pois não conseguia entender, o que a parte desolada da casa representava. Como se tivesse lido seus pensamentos, a senhora disse-lhe:

“Com certeza, a senhora deve estar se perguntando sobre o outro lado da casa, pois bem, digo-lhe: logo que os primeiros habitantes chegaram as nossas terras, trataram de fixar suas residências, e essa casa é considerada uma das primeiras delas. Quando aqui chegamos, percebemos imediatamente o valor histórico e decidimos preservar tal como estava, restaurando apenas um dos seus lados. Tudo o que você encontrou do outro lado, está da forma que nós também encontramos, pois conseguimos recuperar uma parte da história dos seus proprietários e decidimos não alterar a ordem dos fatos. Morava aqui uma família pequena, um casal e uma criança; com certeza eles possuíam algum recurso, pois é um imóvel grande e havia resquícios da presença de criados; mas o que aconteceu é que esta família foi dizimada de alguma forma, talvez numa invasão indígena ou saqueadores, pois os móveis não foram destruídos pelo tempo e sim com força bruta. Na sala, há o sinal de que um corpo de mulher ali foi encontrado, e de fato, o corpo ainda está lá, num quarto fechado; decidimos não removê-lo, por considerarmos interessante a conduta da pessoa que o recolheu, pois ela foi encontrada na sala, alguém indicou o lugar do óbito e levou-lhe para o quarto onde o que lhe resta ainda se encontra, ou seja, ninguém averiguou, houve apenas uma remoção dum corpo dum lado para o outro. Não há sinal do que aconteceu ao marido, mas segundo contam os mais antigos habitantes da região, que ouviram as histórias por seus avós, a criança permaneceu solitária na casa até desaparecer também de forma inexplicável. As pessoas comumente têm o hábito de dizer que a casa é amaldiçoada, que durante a madrugada escutam-se gritos de mulher e objetos se movem, mas com certeza é superstição, pois como nós trabalhamos aqui até as seis horas da tarde, quando chegamos, às sete da manhã do dia seguinte, tudo está como de costume e nunca fomos perturbados por qualquer coisa que fosse. Vejo que a senhora está espantada, não é necessário, todos que estão aqui agora não moram no vilarejo, um comboio nos leva e nos traz até uma cidadezinha que fica do lado oposto, mesmo porque não haveria como estudiosos residirem num lugar sem total recurso para suas pesquisas. O governo não se importa de que um resto mortal seja mantido por aqui, pois como a casa é considerada um museu, é visto quase como um sarcófago o lado escuso, por isso não pode ser modificado e nem removido”.

Andréa ficou surpresa com a história do recinto, no meio daquele vilarejo insípido um fato tão precioso e ao mesmo tempo assustador. Agradeceu a senhora pela argumentação e pediu-lhe para permanecer mais um pouco no local para fazer algumas anotações. Caminhou até a varanda da casa, que dava para o rio, e sentou-se, com as pernas balançando, observando o entardecer que se aproximava. Enquanto escrevia sentiu algo pousar em um dos pés, avistou borboletas brilhosas ao seu redor e continuou na sua atividade, mas subitamente refletiu que não havia flor alguma por ali, que se tratava apenas de um rio profundo, lodoso e que não era coerente a presença de tais seres naquele local, tornou a olhar e novamente assustou-se, deixando cair a prancheta na água: não eram borboletas, mas pequenos elfos, seres mágicos, corpo de homúnculo com asas encantadas e verdejantes, que lhe sorriam de forma irônica cantando numa voz sussurrada e melodiosa, apontando com suas mãozinhas delicadas para as profundezas aquáticas. Andréa se aproximou, e só compreendeu o que eles balbuciavam ao olhar na direção indicada:

“Nós a trouxemos para cá, para protegê-la do mundo físico, para que sua alma liberta fosse como a nossa!”.

Nas águas, via-se submerso o corpo da criança, uma menina, num vestido pesado que lentamente a foi puxando ao fundo, até desaparecer. Andréa tentou se afastar imediatamente, horrorizada, mas um dos elfos aproximou-se do seu ouvido e disse:

“Não grite porque ninguém a pode ver, sua alma de criança vive agora eternamente!”

“E por que eu estou vendo?” – perguntou Andréa sem entender a si mesma.

“Ela só quer uma amiga, foi ela que aqui te trouxe!”.

“Meu Deus! Estou ficando louca... preciso sair daqui!”

De repente, a luminosidade verdejante emitida pelos elfos tornou-se avermelhada, como num lampejo de raiva, e eles gritaram-lhe:

“Os homens queriam lhe fazer mal, nós a protegemos. Mataram toda a sua família e seus criados que estão cobertos por todo este matagal, a mãe sucumbiu à sua frente e a pobre criança sozinha ficou.... então nós, espíritos das florestas fomos tocados pelo clamor da infante, e para que se unisse a nós, a trouxemos para o rio, o mesmo rio que libertou sua alma. O material jaz lá no fundo, mas ela ainda está por aqui, e quer sair para brincar, mas não pode atravessar mais a sua própria casa, pois os homens que aí estão cobriram o seu passado, apagaram com novas tintas as lembranças que ela tinha, e você pode ajudá-la: faça-lhe companhia por uma noite apenas e ela será feliz!”.

Quando Andréa voltou a si, estava deitada na varanda e ficou apavorada, com receio de que alguém tivesse ouvido a conversa, mas ao se levantar e entrar pelos corredores do museu, as pessoas estavam encerrando suas atividades como se nada tivesse ocorrido. Foi quando, novamente viu algo fora do normal, no corredor que separava um lado da casa do outro, avistou uma linda menina transparente, de cachos dourados, trajando um vestido de mais de 300 anos a lhe sorrir tristemente, sentada ao chão, com os bracinhos cruzados, do seu lado estava o urso de pelúcia puído e lhe sorrindo com maldade, balançando a frouxa cabeça. Ela não sabia se sentia medo ou tristeza frente aquelas visões, apenas não entendia porque só ela via a menina, pois a sexagenária estava ao seu lado, falando que o museu estava sendo fechado. Atônita, olhou para a mulher e olhou de volta para a menina e seu brinquedo estúpido, a senhora notou seu olhar e disse-lhe:

“Ainda está assustada, minha filha? Não precisa ficar, não há nada aí, alguém que está morto não volta mais!”.

Naquela noite, deitada ao lado do seu esposo, Andréa não conseguia dormir, contorcia-se sob os lençóis pensando nos angustiosos fatos do dia, não agüentando mais permanecer naquela posição levantou-se, pegou a luneta do marido e caminhou até a janela. Seu coração disparou fortemente ao avistar a casa, e notar luzes que apagavam e acendiam justamente no lado abandonado, tinha a impressão, inclusive de avistar vultos passando pelas janelas, e seu medo deixava-a paralisada, pois queria chamar o esposo, e não conseguia.

Durante um longo tempo permaneceu sentada junto a janela do seu quarto, até que a fadiga venceu e ela descansou brevemente. De repente, acordou sobressaltada com a mão do marido em seu ombro, chamando-a para deitar, foi então, que num ato de desespero e de forma desordenada, ela contou-lhe o que acontecera. Interessado na história, o marido sugeriu para levantarem-se antes do clarear do dia e ir até o museu, e foi o que fizeram.

As últimas estrelas apagavam-se no céu, quando os dois, com lamparinas, foram em direção ao matagal que envolvia a casa; o marido estava surpreso com aquele acender e apagar de luzes, sabendo que ninguém ali estava, e nem mesmo havia um guarda para cuidar do imóvel. Ouviram então, gritos, intensos, agudos e amargurados saídos da casa, e também ouviam cada vez mais baixo o choro de uma criança. Sorrateiramente, de forma imperceptível, aproximaram-se de uma janela e espreitaram o que ali ocorria: uma mulher que outrora devia ter sido muito bela, caminhava ensangüentada e arrancando os cabelos pela casa, gritando. A criança, encolhia-se num canto, com a cabecinha entre as pernas como se estivesse muito assustada. E o que acharam ainda mais sombrio, era o urso, que no seu pequeno tamanho lutava consigo próprio e dava guinchos demoníacos. Com o clarear do dia, as manifestações iam desaparecendo. Primeiro, a mulher encaminhou-se até o quarto onde havia o corpo e desapareceu; logo em seguida, o urso levava a menina até o seu quarto, e voltava para o lugar da parede onde estava recostado. Tudo voltava a ficar como estava antes.

Andréa cobriu o rosto com as mãos, e implorou ao marido que desejava ir embora, nunca mais voltar aquele vilarejo; e ele assim o fez, levou-a dali, e no mesmo dia, partiram para uma outra localidade.

********************

Um jovem entregador de jornais bate a porta de uma casa, uma senhora idosa lhe atende:

“Olá, meu filho!”.

“Bom dia, senhora Walter! Aqui estão as notícias do dia!”.

“Obrigada!”.

A senhora Walter pegou o jornal e trancou a porta, e ao se encaminhar para a sua poltrona, contemplou os retratos sobre a estante, seu querido marido já falecido e os filhos crescidos e os netos morando longe. Sentou-se confortavelmente, e abriu o folhetim, suas mãos já enrugadas pelos anos, tremeram fortemente ao ler o título de uma das reportagens:

“Gazeta de W. 1916. Prédio Industrial construído sobre um antigo museu de Y. desaba num atentado”.

Não restava dúvida, a casa assombrada fora demolida para a construção de um prédio moderno, e este sofreu um atentado. Há mais de 50 anos que ela não tinha notícia do lugar, e nunca mais havia se deparado com manifestações sobrenaturais. Sentiu-se tentada em visitar o local, pelo menos uma última vez, enquanto a vida ainda lhe corria pelas veias. Sabia que só encontraria destroços, mas a necessidade de estar ali era muito mais forte.

As pessoas contemplavam aquela senhora idosa frente aos escombros com curiosidade, pois ali só haviam técnicos, homens do resgate e alguns religiosos fazendo suas preces. Andréa se encaminhou até um homem de aparência séria e indagou-lhe as causas do atentado. Ele respondeu:

“A guerra, minha senhora, a guerra, é a principal causadora disso tudo. Embora este prédio tenha sido muito mal construído, não justificava detonar explosivos com pessoas ali dentro!”.

“Por que ele era mal construído?”.

“Antigamente funcionava aqui um museu, foi saqueado algumas vezes e além disso, pessoas foram encontradas mortas pelos arredores. O governo então resolveu desativá-lo, e com a expansão, um vilarejo que existia aqui, se tornou uma cidade e no local foi construída uma indústria”.

“Mas ninguém fez nada com relação aos assaltos e mortes no museu?”.

“Não havia como, na época isso aqui era uma floresta praticamente, nunca foi identificado qualquer assassino na região. Mas todos os que foram encontrados mortos por lá, eram assaltantes, por isso não houve grande agitação!”.

“Mas continuo sem entender, por que o prédio era mal construído?”.

“Ah, sim! Uma boa parte do que havia no museu foi levado para outros locais, e segundo consta, havia um depósito abandonado, tudo foi derrubado tal como estava e em cima foi construído o prédio, mas havia muitas infiltrações, rachaduras, era como se ele estivesse balançando, pois foi construído até a margem do rio, que era um escoadouro dos resíduos industriais. Provavelmente, a estrutura não era muito bem feita e...”.

De repente, um senhor muito enrugado, com um aspecto casmurro, aproximou-se e cortou o assunto, dizendo:

“Nada, isso aí, era amaldiçoado!”.

Andréa assustada, imediatamente perguntou-lhe:

“Por que, meu senhor?”.

“Já meus pais diziam que o museu era uma casa onde houve muitas mortes horrorosas e que foi restaurado, mas uma série de acontecimentos estranhos ocorria; gente que ia lá a noite, não voltava, e depois que construíram a indústria, eu trabalhei durante um tempo como vigia, e foi um horror! Escutava passos, gritos de uma mulher, choro de criança e até mesmo um dia, encontrei um urso de pelúcia, extremamente velho encostado numa parede, joguei no lixo, e não é que na outra noite, ele estava no mesmo lugar onde eu o havia encontrado? Engraçado que ele estava do lado da parede onde havia a maior de todas as infiltrações, e nem assim estava molhado”.

O homem sério que estava conversando com Andréa, disse-lhe:

“Isto é superstição, ou ás vezes o senhor estava muito cansado!”.

“Não, sei muito bem o que faço! Não me engano fácil, não! Eu vi!”.

Foi quando um dos religiosos se aproximou e exclamou:

“Na certa, o museu e a indústria foram construídos em cima de uma casa onde houve grande sofrimento, as almas das pessoas que aí moravam foram sufocadas e não puderam se libertar!”.

O velho rabugento contou então ao religioso a mesma história, que a senhora do museu contou à Andréa. O religioso permaneceu um bom tempo em silêncio, meditando e por fim disse:

“A criança deve ter morrido afogada!”.

Andréa sobressaltou-se, como alguém jovem ainda, que não havia visto tudo o que ela viu, e que guardava consigo, poderia chegar aquela conclusão?

“A família inteira é assassinada e o que é feito dessa criança? Não há possibilidade de desaparecimento, pelo fato de ser numa vila onde todos se conhecem, alguém teria de saber alguma coisa, por mínima que fosse. O mais provável é que a menina tenha caído no rio ou sido morta por afogamento. Isso se deve ao fato das infiltrações num prédio tão novo e a presença do brinquedo, justamente no lado onde isto se torna mais freqüente. Com certeza onde quer que fosse, a menina levava o tal brinquedo. O que deve ter acontecido é que sua pobre alma não conseguiu se libertar e ficou presa na casa, por isso que ocorriam essas manifestações. E com certeza, também a alma da mãe ficou presa ali, tendo morrido antes, incapaz de proteger a criança, por isso o seu desespero”.

Andréa estava perplexa, tudo era exatamente condizente com o que ela havia presenciado, mas não entendia porque nada aconteceu a ela e ao seu marido e porque o brinquedo tinha vida. Perguntou a religião do homem, e ele respondeu-lhe:

“É uma nova doutrina...”

O homem sério, gentilmente pediu licença, e afastou-se; o vigia, no entanto, curioso, indagou ao religioso:

“Mas ainda não entendo esse acontecimento com o urso de pelúcia...”

“Provavelmente, o brinquedo foi presente do pai da criança, e ele deve ter sido o responsável pelo massacre que a família sofreu, e como deve ter sido o primeiro de todos a sucumbir, sua alma prendeu-se ao objeto, dando-lhe vida para proteger a alma perdida da criança!”.

Eram teorias surpreendentes, até mesmo revoltantes para uma concepção cética, mas não para a cabeça da idosa Andréa, que com seus 25 anos, presenciara tais façanhas. Ela sequer conseguia argumentar, apenas observava o diálogo que se instaurara. Foi quando o vigia fez a derradeira pergunta:

“Mas como seria libertada a alma, pelo menos da criança?”.

“Uma pessoa de bom coração durante a noite, deveria ter ido na casa, aberto a porta e guiado a criança até a terra; não só esta alma estaria salva, como a de todos os outros ali presentes!”.

Andréa sentiu como se a luz houvesse fugido dos seus olhos, e o chão dos seus pés, os homens a ampararam, alegando que ali não era local para uma senhora, mas ela insistiu, respirou fundo e permaneceu. Sua consciência estava em polvorosa, por culpa dela aquelas almas inocentes foram condenadas a viver aprisionadas, por culpa dela pessoas morreram, por culpa dela atraiu uma maldição para aquele local. Ela havia tido o poder para resolver toda a situação, mas seu medo deixou-a paralisada, sentia-se infinitamente culpada e não sabia como agir, por fim, perguntou ao religioso, que já se afastava:

“Mas, o que fazer pela alma de todos que aí ficaram?”.

“Rezar para que encontrem a paz!” e afastou-se.

Andréa voltou à sua casa, cansada, sentindo-se impotente, sem ninguém para desabafar a dor que sentia. Jogou sua bolsa ao chão do lado da porta, sentindo frio. Foi então que olhou para a sua poltrona estupidificada, e viu ali, o que restava do urso de pelúcia.

Ana Claudia Brida

Ana Claudia Brida
Enviado por Ana Claudia Brida em 05/05/2008
Código do texto: T976151
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.