O GIRASSOL QUE NÃO GIRAVA
Havia um girassol que não girava… Os outros o criticavam muito por causa disso:
- Por que você não sai dessa posição?
E ele não respondia, permanecia imóvel, mudo. Alguns o alcunhavam de deficiente ou orgulhoso, mas ele não ligava. Com o passar dos anos aprendeu a ficar surdo, isolar-se, viver única e exclusivamente para si.
Estranho não? De certa forma é, entretanto, não nos precipitemos em julgá-lo, talvez possamos entendê-lo, se soubermos que no dia em que nasceu viu uma árvore, que ficava na floresta em frente ao jardim onde morava, ser morta… Viu cair ovos do ninho que lá havia, a casa do João de barro… a agitação dos milhares de insetos. Aquela visão o impressionou, e desde então não parou mais de olhar. Ele viu (e sentiu profundamente) essa chacina, essa devastação, avançar cada vez mais… inúmeras vezes.
Nos dias que se sucederam, ali, no lugar da floresta, foi construído um prédio, e um pouco à frente, uma estrada.
Lembrava-se como se tivesse acontecido neste instante: as finíssimas folhas de capim, entrelaçadas, tentando permanecer na terra em que nasceram e se criaram. No entanto, a agonia coletiva foi em vão, construíram a estrada. Logo começou o trânsito de automóveis e vieram as pessoas.
O atropelamento de cães e gatos todos os dias o deixava muito triste… vários bichos perderam suas tocas, sua fonte de alimentos… Nesse ritmo, em poucos dias não restaria mais nada. Pra sua sorte, o jardim dos girassóis ficava longe e era desconhecido.
Sorte? Muitas vezes não achava isso bom. Não seria melhor se tivesse nascido naquela floresta e morrer? Pelo menos assim, não sofreria ao ver o milagre da vida se extinguindo por aqueles tais seres humanos. Por que será que eles são os únicos que não dividem seu espaço com os outros animais, em harmonia com o meio?
Noutro dia, seu vizinho, que girava, disse haver ainda muito espaço para todos, que ele não via daquela posição. Embora mudo, escutava atentamente tudo que passava ao seu redor. Um dia ele pensou em dizer o seguinte para seu vizinho:
- A questão não é espaço, quando ainda havia floresta, vi que os outros animais matavam para comer, que ocupavam apenas o território que precisavam… Aquele homem por exemplo, com aquele "carro enorme", porque ele mora sozinho naquela área que é três vezes maior que o seu jardim? Não, ele não entendia.
Foi por isso, que em meio àquelas desgraças desde seu nascimento, decidiu nunca girar.
- Se você girar, verá coisas bonitas, em nossa volta há muitas coisas lindas. - Disse seu vizinho tentando persuadi-lo.
E ele pensou:
- De que adianta ver coisas bonitas se elas acabarão?
Enquanto isso todos giravam, durante anos.
Acho que já deu pra entender por que ele não girava, né? Um dia chegou até ele um pólen, que ele cuidou de germinar. Em pouco tempo desprendeu-se uma semente, e logo nasceu um novo ser. O vento levou sua semente ao alcance das suas vistas. E ele viu sua cria nascer, crescer e girar como as outras.
Um dia surgiu uma criança, e esta, quando viu aquele girassol que não girava, não teve dúvidas de que o queria, iria mostrar a todos seu girassol especial… Porém, logo a criança ficou frustrada, pois assim que o girassol foi arrancando, após poucos passos, começou a girar… E na medida que se movimentava girava mais ainda. Isso revoltou a criança, por isso o jogou no chão e foi embora.
Por que ele girou?
Porque não queria perder "seu filho" de vista, pois somente o amor o fez mudar… E ali, com sua raiz exposta, sentindo que sua partida era questão de tempo, se contorcia com muita dificuldade para fitar sua prole… na sua agonia, e numa curiosidade repentina, deu giro de trezentos e sessenta graus e viu que ainda havia muitas coisas belas… que ainda havia esperança… Escutou o cântico dos pássaros, tal melodia anunciava aos quatro cantos do mundo, àqueles que soubessem escutar, que abrissem seu coração, que o mundo é cheio de possibilidades.
E assim, ele morreu, seco, porém feliz. Pois o amor o fez girar, e encontrar a paz.