Vagalumes
--- Não, não vai dar certo.
--- Claro que vai! Vai funcionar como uma rede.
--- Que idéia mais absurda! De onde você tirou isso?
--- Eu mesmo desenvolvi. E garanto que funciona. Você não vai mais ter problemas.
--- Preciso de uma autorização pra isso?
--- Claro que não! Estamos fazendo um favor pra sociedade.
--- Eu tenho família, hein?! Vou perder meu emprego...
--- Vai nada! Pense por outro lado: se der certo, é dinheiro e fama. Você não vai mais precisar desse emprego horroroso. Quem sabe até eu não saio daqui...
Tino trabalhava como vigia geral da penitenciária de Aurova. De onde ficava sua torre, podia ver todos os detentos, não podendo nenhum deles se esconder. Além disso, o complexo era considerado de máxima-super-mega-elevada-ao-cubo segurança e, teoricamente, ninguém podia sair dali. Era um lugar de prisão perpétua, afastado da cidade mais próxima cerca de 50 km.
Havia uma peculiaridade em relação aos detentos: não eram grandões, com cara de "quando eu sair daqui, vou fazer de novo", não puxavam ferro, não tinham tatuagens. Eram mais o tipo Hannibal. Inteligentíssimos, Q.I. elevado. Alguns eram cientistas, outros trabalhavam em outras áreas da ciência.
E por que então estavam ali? Que pessoa inteligente quer ficar na cadeia? E como todos eles eram assim: Q.I. fora do comum?!
Um perito forense americano criou uma escala que mede a brutalidade e a perversidade do réu dependendo do crime que cometeu e como executou o que planejou. A escala vai de zero a 22. Bom, os detentos de Aurova ficariam no 22 e meio. E sem mais explicações.
Passavam o dia escrevendo, inventando coisas, fazendo experimentos com o que tivessem à disposição. O governo resolveu fornecer um estoque de materiais que, depois de passar por uma inspeção federal, foram atestados como sendo inofensivos contra os vigias, o pessoal que trabalhava no presídio e até contra eles mesmos. Não que precisasse, porque não usavam violência nem contra suas vítimas.
Austéquio era o homem que tentava convencer Tino no começo desta narrativa. Era um dos detentos, mas, por bom comportamento, tinha o direito de conversar com os vigias e estava justamente tagarelando sobre seu novo experimento.
A moda no Aurova era planejar fugas noturnas de apenas algumas horas e depois voltar para lá. Pessoas afirmavam ter visto muitos deles no cinema, no boliche e até fazendo compras no supermercado. Só que ninguém chegava perto por causa da fama dos homens. Ligaram para Aurova e denunciaram. Desde então, Tino tinha pensado como deveria fazer para impedir a fuga, visto que o local era ermo e os detentos usavam a escuridão a favor do passeio. Mas se eles voltavam, por que se incomodar?
--- Eles não podem perambular por aí! O que as pessoas vão achar? Todo mundo vai pensar que é comum cometer crimes e passear! - disse o inspetor geral de Aurova a Tino.
Naquele dia Austéquio chegou com um vidrinho e disse:
--- É só colocar na comida e esperar a noite cair.
Tino, cansado da euforia do inventor de coisas estranhas, pediu que colocassem uma gota daquilo no prato de cada um, depois de se certificar que não se tratava de algo que mataria os homens.
--- Hoje você vai ver estrelas. - disse Austéquio, orgulhoso.
Perto das 9:00 Tino começou a ver vaga-lumes gigantes tentando sair por uma fenda no muro. Esfregou os olhos e não pôde acreditar. Os homens que tentavam escapar apresentavam uma cor florescente fortíssima aos olhos, que os destacava contra o fundo preto da noite.
--- Creia, homem! E agora manda bala!
De fato, naquela noite foi possível barrar todos os homens da tentativa. Ninguém foi ao supermercado.
Isso instigou uma profunda reflexão por parte deles, que confabularam o dia seguinte todo, em grupos. Existe um traidor entre nós? Será que colocaram um tipo de iluminação diferente, que destaca a pele? Ou foi um bicho?
Depois de tanta reflexão, desconfiaram da comida. Pararam de comer. Tino se desesperou.
--- Relaxa, dá pra jogar na caixa d´água e gruda na pele depois do banho. Faz o mesmo efeito.
E assim foi.
E eles pararam de tomar banho.
--- Eles precisam de água nesse calor nordestino. Põe na água.
E os homens pararam de tomar água, suco ou qualquer coisa molhada que oferecessem a eles.
--- E agora, Austéquio? Não era pra ser assim... vou suspender esse negócio. Deixa eles fugirem.
Mas o pessoal continuou desconfiado e não chegou mais perto da água nem da comida. Com o tempo, os homens foram definhando e não tinham energia nem pra pensar, que era a atividade preferida deles. Mesmo com Tino afirmando que não voltaria a acontecer, eles não acreditaram.
Depois de uns meses, morreram todos.
Até onde chega a teimosia?
Na verdade, aprendemos a não cultivar um dos sentimentos mais primitivos e necessários entre os seres humanos: a confiança. Hoje em dia não há mais perdão nem segunda chance. Antes morrer defendendo ideologias individuais do que trocar idéias que possam levar a um outro jeito de pensar.
Crescer em conjunto virou coisa do passado. Quem faz isso é visto como florescente entre os neutros. Felizmente, existe uma certa teimosia até pra isso.
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