ALITERAÇÕES DE DESEJO

Ela entrou na sala. Sabia que aquele dia só seria mais um como tantos outros que já foram e virão. Aprendera como o mecanismo funcionava: aulas, pesquisas, provas... faltaria somente aquele período e ponto: começaria outra jornada, outra vida. Estaria formada em Literatura.

Naquela sexta-feira e àquele horário já estava esgotada. Final de semana, final do dia, final de suas energias... início do seu sono, início do seu cansaço... pensou em ir embora quando “ele” entrou na sala.

Não era tão bonito, mas conversava bem. Notava-se que era dotado de conhecimentos. Misturado aos outros alunos chamou sua atenção e despertou-lhe certo interesse. Ela fingia não olhar, mas olhava. De repente ele levanta, caminha em direção ao quadro e ela treme quando de seus lábios saem as palavras que a fez delirar:

- Boa noite! Sou o novo professor de Literatura.

Literatura... Literat... Liter... Li? Já esquecera a que veio. Sua mente já não pensava na disciplina que a trouxe àquele lugar, mas nele. Ele. ELE!

As sextas-feiras já não eram as mesmas. Eram melhores. Era tudo o que ela esperava toda a semana. Ansiosa. Calada. Discreta. Apenas o olhar revelava seu desejo. As roupas, o penteado... tudo mudou com o objetivo de chamar para si um pouquinho da sua atenção, e... nada. Ele nem a notava.

Descobriu tudo sobre ele: solteiro, sem filhos, descompromissado, religioso, amores aleatórios, família feliz... e quanto mais o descobria mais o queria.

Decidiu esquecê-lo. Não valia a pena. Foi até a igreja e pôs-se a rezar. O padre chegou perto dela, conversaram um pouco e ele foi buscar-lhe um rosário novo. Há tempos não aparecia na igreja e esqueceu o seu. Concentrava-se em suas preces quando uma mão lhe toca o ombro:

- Boa tarde. Você sabe onde está o padre?

Reconheceu a voz. Olhou. Viu. Tremeu. Desejou. Esquentou. Esfriou. Balbuciou. E nisto iniciaram uma conversa. E da conversa tornaram-se mais íntimos. Viam-se em todas as missas e aulas. Mas ela não estava satisfeita. O queria pra ela.

Tornou-se mais atraente. E agora ele percebeu. E sentiu-se incomodado. O professor pôs-se a rezar ainda mais. Ele sabia que estava errado. Ela era sua aluna, sua amiga, sua irmã mais nova,...

Começou a fugir dela mas ela percebia e provocava. Ele? Gostava, e muito. Seu comportamento mudou. Saía com mulheres, muitas... e esqueceu-se dela.

Mas ela, não.

O professor recebeu notícias de sua ex-namorada, por quem ainda nutria uma paixão, e entristeceu-se. Foi até um bar e encontrou sua aluna.

Ela o provocava... dançava, se encostava, beijava,...ele... deixava. Seu corpo pediu e ele atendeu.

Quarto de motel. Primeira vez, para ela, num lugar assim.

Ele a despiu. A beijou. Beijaram-se. Fizeram-se um. Os olhos dela lacrimejavam, sua pele lacrimejava, seu corpo lacrimejava... ela chorou, sorriu, sentiu. Ele saciou-se.

Próxima sexta, próxima aula. Ela ansiava a hora de vê-lo.

Ele entrou na sala. Deu sua aula. Foi embora. Nem a viu.

A aluna já sabia que seria assim, então não se chateou. Entristeceu-se mas superou.

Para ele, ela foi uma mulher. Para ela, o homem. Para ele, uma noite. Para ela, a noite. Para ele, uma aluna. Para ela, o professor.