Vento ao largo
Os tripulantes do veleiro estavam contentes e apreensivos. Haviam largado de Cape Town, África do Sul há alguns dias, com destino ao Rio de Janeiro. A regata é tradicional e muito disputada; barcos envergando bandeiras de países diversos, muito bem tripulados, dirigiam-se à Cidade Maravilhosa.
Para quem não está habituado, velejar parece algo estranho e até mesmo incrível, pelo fato dos veleiros andarem contra o vento.
Na época das descobertas, as naus, caravelas e galeras não conseguiam esta façanha. Andar contra o vento não é coisa muito nova, mas no século XVI o máximo que as melhores embarcações faziam era velejar com um vento que entra pelos bordos dos barcos, denominado desde aquela época de vento ao largo, ou vento pelo través caso a direção da corrente de ar esteja vindo um pouco mais pela popa, parte traseira do barco.
O veleiro chamava-se Arkhetypon, um nome forte, grego. Como fortes eram seus tripulantes, que há seis dias revezavam-se na faina do convés, sempre meticulosa. Vinha da cozinha um cheiro delicioso.
Por incrível que pareça, o melhor cozinheiro do barco era o seu navegador, o homem que sabe a qualquer hora a posição geográfica do veleiro e determina qual o melhor rumo a ser seguido.
O delicioso perfume de lingüiça com temperos bem escolhidos sobressaía muito ao da polenta cremosa que estava cozinhando todos os ingredientes. Esta comida, normalmente, não é servida no almoço, salvo quando ventos frios gelam quem não estiver bem agasalhado.
Mas como era a refeição noturna, fazia com que todos sentissem o cheiro com mais prazer ainda.
O gostoso e firme vento ao largo fazia com que o Arkhetypon navegasse muito ligeiro.
As velas enfunadas, apanhando vento pleno, transformavam a regata, que não deixa de ser uma corrida, em prazer indescritível.
O regime de ventos, assim denominado pela freqüência que ocorrem, muda pouco naquela região, dependendo da época do ano.
- Francisco, quando começaremos a ver as luzes do Rio?
- Creio que em dois dias. Se o vento continuar como está.
- E esta polenta, sai ou não sai?
- Calminha aí. A lingüiça ainda não deu gosto e vou jogar umas fatias de mozarela em cima. Vocês hoje vão babar!
- Babar e enjoar?
- Rapaz, quem é do mar não enjoa. Não conhece a música?
- Claro que conheço, mas Martinho não é do mar, era sargento do Exército. Vai dizer que nunca enjoou?
- Nunca!
A conversa terminou, Francisco serviu a iguaria, comida sem exagero pelos tripulantes que estavam cansados de saber que farinha de milho alimenta demais, principalmente quando vem acompanhada por lingüiça.
Anoitecia. Já as primeiras estrelas, as de maior brilho, cintilavam no céu ainda não escuro. Um grande veleiro vermelho passou por eles, em direção contrária. O rádio de bordo e os tripulantes saudavam com entusiasmo o timoneiro, enquanto o nome Paratii sobressaia nos bordos. Na roda de leme, Amyr Klink comandava as manobras, sendo efusivamente saudado pelos tripulantes. Não durou muito tempo e o grande veleiro vermelho sumiu.
O Arkhetypon navegava muito bem, e seu timoneiro não encontrava dificuldade em conduzir o barco que só de cabos, nome que se dá às cordas de um barco, tinham cerca de duzentos metros de comprimento. Corda não existe no mar, salvo a do relógio e a do sino. Os tripulantes que permaneceram no convés admiravam o céu limpo e salpicado de estrelas. Em cruzeiros ou regatas, existe o turno de seis horas. Dependendo do gosto de cada um, ou da necessidade, parte da tripulação está dormindo, enquanto a outra faz todo o trabalho.
O cansaço é compensando pelo acariciante vento sentido na pele, pelo silêncio profundo que não incomoda nem traz depressão.
Na manhã seguinte viram outros barcos. A competição estava bonita e muito disputada.
Até que numa noite viram o forte clarão das luzes do Rio de Janeiro, avistadas a muitas milhas da costa.
- Rio, Fernando?
- É a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro – falou o experimentado navegador.
Não tem coisa mais linda...