O Crepúsculo dos Portais 3 - Revelações da Caverna do Dragão 

 

 

Parte 1 - Ritual Maldito

 

O Vale Inverso desmoronava lentamente às costas dos jovens heróis, como se sua própria realidade estivesse cansada de existir. Ao longe, a Catedral de Ossos se dobrava sobre si mesma, mastigando suas memórias como uma fera faminta.

 

Hank ia à frente. Seus passos eram certeiros, duros — quase raivosos. A luta contra a criatura de olhos havia lhe deixado uma marca invisível, mas era outra coisa que o corroía: o olhar de Bobby, tomado pelo medo mais íntimo, ainda reverberava em sua mente. E o Mestre dos Magos? Sempre distante, sempre dúbio. O jovem arqueiro já não se permitia confiar.

 

— Devíamos fazer esse velho falar de uma vez! — murmurou Hank, olhos faiscando.

 

— Calma, cara… — disse Presto, ofegante. — Eu ainda estou digerindo o que aconteceu com aquela aberração ocular!

 

— Não há tempo — rebateu Hank. — Não mais.

 

De súbito, o chão tremeu. Um trovão cortou o céu de ferro oxidado. Não era apenas o som: por um instante, o mundo pareceu prender a própria respiração.

 

— Eles chegaram — sussurrou Yzarak, que surgira ao lado deles como um pensamento antigo demais para ser lembrado com clareza.

 

Então, os céus se abriram como carne lacerada.

 

E lá estava ele.

 

O Vingador.

 

Montado em seu cavalo alado negro, com armadura feita de sombras e dor. 

 

Em seu encalço, rasgando a realidade com sua presença colossal, surgia Tiamat, a besta de múltiplas cabeças, rugindo em diferentes frequências do medo.

 

— Por que agora?! — gritou Diana.

 

— Porque estamos perto demais da verdade — disse Presto.

 

Hank cerrou os punhos. O arco mágico em suas mãos vibrou, e seus olhos ardiam com o fogo da ira contida.

 

— Fiquem atrás de mim!

 

O Vingador desceu em um mergulho insano, sua espada flamejante apontada diretamente para Hank. O arqueiro reagiu num rompante: disparou uma, duas, dez flechas de luz viva, cada uma zumbindo como uma sentença. O céu se iluminava a cada disparo.

 

O Vingador foi atingido no flanco, no ombro, no peito — o impacto o lançou longe de seu cavalo, que relinchou em dor e desapareceu em fumaça.

 

Sem hesitar, Hank correu. Jogou-se sobre o corpo tombado do vilão, e então começou o combate corpo a corpo.

 

Os golpes trocados não eram apenas físicos — eram ecos de toda a raiva acumulada, de cada mentira dita, de cada esperança frustrada. O Vingador respondeu com força monstruosa, mas Hank era pura fúria.

 

Eles rolaram no chão. A espada do Vingador cortou o ombro de Hank, que grunhiu e revidou com uma joelhada no tórax, seguido de um gancho que fez o elmo do inimigo cair, revelando um rosto marcado por runas e tormento.

 

Foi quando Tiamat desceu.

 

Fogo. Raios. Gelo. Gás ácido. Uma dança elemental de destruição.

 

Ambos os combatentes se lançaram para os lados. As cabeças do dragão disparavam em todas as direções, como se o próprio caos houvesse encarnado. Hank rolou, atirou flechas de pura luz nos olhos da cabeça vermelha, e o Vingador retaliou tentando manipular as energias do dragão contra o grupo.

 

A morte era iminente.

 

Mas então… ele veio.

 

O Mestre dos Magos surgiu no centro da devastação, elevando os braços curtos. A realidade ao redor se distorceu como vidro sob calor. Tiamat e o Vingador foram envolvidos por luzes entrelaçadas de cor púrpura e azul, e desapareceram num feixe, como peças recolhidas de um tabuleiro prestes a ser virado.

 

O velho mago voltou-se para os garotos e, com um leve sorriso, piscou um olho.

 

E desapareceu.

 

O silêncio ficou insuportável.

 

— Aquilo foi… — Bobby começou, sem saber terminar. 

 

— Loucura — completou Presto, exausto. Seu rosto estava pálido. Muito pálido.

 

Yzarak adiantou-se, os olhos-brasas fixos no horizonte.

 

— O tempo está se esgotando. As outras chaves aguardam.

 

— Onde estão? — perguntou Diana, ainda tensa.

 

— A terceira… jaz sob o Lago do Esquecimento, onde almas afogadas sussurram segredos esquecidos. Quanto a quarta, apenas a "Estátua-Mãe", nos corredores vivos do Labirinto de Vitral, construído pelos magos cegos, poderá nos dizer...

 

* * *

 

O Lago do Esquecimento era uma extensão líquida de memórias perdidas. Suas águas negras refletiam não o presente, mas aquilo que os observadores tinham esquecido de si mesmos.

 

Para encontrar a terceira chave, precisavam atravessar de olhos vendados, guiados apenas pelo som dos próprios nomes sussurrados nas vozes de entes queridos mortos.

 

Presto vacilou.

 

— Eu ouço a voz da minha mãe — disse, tremendo. — Ela me chama…

 

Hank segurou seu braço.

 

— Isso não é real. Continue!

 

Mas foi tarde demais.

 

Presto retirou a venda e mergulhou.

 

O lago explodiu em espuma e dor. Algo o puxava. Um tentáculo feito de lembranças falsas envolveu seu peito, e ele gritou, afundando cada vez mais. Quando Diana e Sheila o puxaram de volta, ele estava ferido — gravemente. Inconsciente. Tossia sangue.

 

— Ele vai morrer! — gritou Bobby.

 

— A chave… está aqui — sussurrou Diana, com a estrutura em mãos. Era uma esfera líquida que mudava de forma de acordo com o toque.

 

Yzarak estendeu as mãos sobre Presto. O necromante murmurou encantamentos antigos, e um brilho pálido selou parte das feridas.

 

— Mas a alma dele… está fraturada. A cura exigirá um preço ainda mais alto...

 

— Então faça o que for preciso para salvá-lo! — rugiu Hank. — Não deixe ele morrer.

 

Yzarak concordou com um gesto de cabeça e apontou para uma enorme pedra sob uma árvore retorcida e morta:

 

— Tirem a roupa dele e deitem-no sobre àquela pedra. — O Necromante ordenou enfiando a mão em uma fenda no solo, retirando um pouco da lama curativa que havia naquela região e a colocando em um recipiente tirado de seu alforge.

 

Em seguida, caminhou até Presto deitado sobre a pedra. Deteve-se por um instante olhando para os garotos.

 

— Saibam que os espíritos das trevas exigem um alto preço por seus serviços. Uma vida, por uma vida! — ele vaticinou com uma voz lúgubre.

 

Sem entender muito bem o significado sombrio daquelas palavras naquele momento de tensão, os garotos apenas entreolharam-se aturdidos.

 

— Apenas cure-o! — Sheila disse num rompante, um misto de dor e desalento oprimia-lhe o peito.

 

Yzarak desenhou runas arcanas por todo o corpo nu de Presto, recitando um feitiço que parecia modular o ar com um silvo estranho e assustador. Quando o cobriu com a lama mágica, espíritos obscuros pairaram no ar e em volta de Presto. Atravessando seu corpo como feixes de laser. 

 

A um gesto de Yzarak, todos deram as mãos em volta do corpo de Presto, e uma luz azul prateada envolveu-os, devolvendo a energia vital do amigo. 

 

Yzarak conjurou e despediu os espiritos. Presto despertou com um bocejo preguiçoso, e os amigos o cercaram felizes abraçando-o.

 

— Onde estou? — perguntou aturdido.

 

— Não se preocupe, você está vivo, meu amigo. — Hank disse eufórico. — Vivo! E isso é o que importa.

 

Sheila o abraçou sorrindo e fazendo uma brincadeira com o seu corpo enlameado.

 

— Mas agora, até que um banhozinho cairia bem! 

 

Todos riram. 

 

Yzarak se afastou, deixando os amigos comemorarem a cura de Presto, curtindo um breve momento lúdico. Haviam encontrado três das cinco chaves. Estavam cada vez mais próximos de sua volta para casa, e aquilo era bom demais para ser verdade...

 

* * *

 

Parte 2 - A Estátua-Mãe

 

Na manhã seguinte, eles prosseguiram sua jornada, em busca da Quarta Chave Mágica...

 

Aproximavam-se do Labirinto de Vitral. Um lugar que reescreve sua estrutura com base na moral dos que nele entram. 

 

— Não pensem. Apenas sigam as batidas aceleradas de seus corações. — foi dizendo Yzarak.

 

O necromante caminhava como se seguisse um som que mais ninguém podia ouvir. À sua frente, o grupo avançava em silêncio — Sheila cuidando de Presto, que se apoiava em Diana, o rosto ainda pálido pela experiência quase fatal. Hank, à frente, empunhava o arco com os olhos em chamas. A fúria em seu peito era como um tambor que não cessava de bater.

 

— Estamos próximos — disse Yzarak, parando diante de uma planície coberta por uma névoa azulada. — O Lago das Almas Submersas não reflete o céu. Ele mostra o que se perdeu. E o que se perdeu, deseja voltar.

 

O lago não tinha margens definidas. Sua superfície líquida parecia vidro derretido, onde silhuetas humanas se moviam lentamente sob a água, suas bocas abertas em gritos silenciosos. No centro, uma ilha que girava em órbita lenta, coberta por estátuas com expressões de tormento.

 

— A Estátua-Mãe está lá! — disse Yzarak. — Mas ela se protege com ilusões. Aquele que deseja obter seus favores deve atravessar a água… e resistir ao chamado dos afogados.

 

— Eu vou — disse Hank, firme.

 

— Não! — Presto deu um passo à frente, mesmo fraco. — Deixe comigo.

 

— Presto, você mal consegue... — começou Sheila, mas o mago ergueu a mão.

 

— Eu estudei o suficiente sobre essas ilhas encantadas. Sei o que fazer. Ao chegar lá, a Estátua-Mãe — disse ele, apontando. — cobrará um alto preço pela informação da quarta chave, mas eu já sei como irei recompensá-la, e sou o único quem possui um chapéu mágico para fazê-lo.

 

Todos concordaram.

 

Presto caminhou até a borda. A água o envolveu como um manto de veludo frio. Conforme afundava, braços esqueléticos tentavam agarrá-lo, sussurrando promessas de perdão, de descanso. Sua mente começou a falhar — via sua casa, seu quarto, sua mãe chamando por ele. Mas algo o fez resistir: a imagem dos amigos, e o grito de Hank, ecoando firme:

 

— Lute, Presto! Lute!

 

Ao tocar a ilha, Presto cambaleou. A Estátua-Mãe virou-se sozinha, olhos de pedra lacrimejando. Ele estendeu a mão com o que lhe restava de força, tirando seu chapéu — enquanto tamborilava seus dedos no ar, como a realizar um encantamento. A Estátua-Mãe comunicou-lhe seu desejo telepaticamente.

 

Presto então pagou o preço. Bramindo um estrondoso HOCUS POCUS, enquanto gesticulava dramaticamente, ao conduzir uma esfera de energia brilhante de seu chapéu até a garganta da estátua.

 

Instantes depois, ela o olhou com ternura.

 

— Obrigada! — disse ela pela primeira vez. Presto havia lhe concedido o dom da fala. Em troca, a Estátua-Mãe materializou em suas mãos, o mapa com a localização da Quarta Chave Mágica, que os levaria de volta para casa.

 

Em seguida, uma enorme criatura alada que ela chamou de "Karun", sob o seu comando, transportou-o de volta à margem.

 

Uni e os demais o receberam eufóricos, assim que tocou o chão.

 

Mas ele desmaiou.

 

— E lá vamos nós de novo... — Eric resmungou.

 

— Ele vai sobreviver? — Sheila perguntou, aos prantos.

 

Yzarak assentiu.

 

— Sim. Ele está seguro! — E foi a primeira vez que os garotos viram àquele ser esboçar um sorriso 

— ou quase isso.

 

Hank tomou o mapa nas mãos. Animado, ele pôs-se em marcha.

 

— Vamos lá pessoal. Ainda temos uma longa jornada pela frente!

 

* * *

 

Parte 3 - A Torre do Sem-Tempo

 

Horas depois, o grupo seguiu até o último destino daquele dia: A Torre do Sem-Tempo, um lugar onde os relógios não funcionavam e o tempo se contorcia sobre si. A quarta chave estava ali, guardada pelo Enigma Inverso — um ser que só poderia ser derrotado se suas perguntas fossem respondidas ao contrário do que parecesse lógico.

 

A entrada era uma espiral infinita de degraus, onde cada passo fazia o grupo esquecer algo — nomes, memórias, sentimentos. Para cada lembrança, uma pergunta surgia na parede:

 

"O que é mais leve que a luz, mas mais denso que o vazio?"

 

"O que nunca nasceu, mas está sempre morrendo?"

 

Presto, ainda fraco, sussurrava as respostas com esforço. Sheila usava o manto para gravar respostas nas paredes, pois as palavras desapareciam da memória após serem ditas. Eric ria nervoso, esquecendo quem era. Bobby, chorava por não lembrar o nome da irmã. Hank, furioso, mantinha a mente focada apenas na missão.

 

Eu sou o peso. Eu sou a lâmina. Eu sou o relógio quebrado. Onde estou? — perguntou a voz final, do Enigma.

 

— Está dentro de nós. Porque o tempo morreu no dia em que viemos parar aqui — respondeu Hank.

 

A espiral cessou. Uma sala se abriu, cheia de engrenagens que giravam ao contrário. No centro, uma ampulheta de cristal negro. Dentro dela: a quarta chave.

 

Diana caminhou até ela. Mas, ao tocá-la, as engrenagens explodiram em movimento, e um vulto surgiu do teto: o Enigma Inverso em forma corpórea. Tinha corpo de areia e olhos como tiques de relógio, que piscavam descontroladamente.

 

A batalha foi intensa. Eric cortava engrenagens, Bobby usava o tacape para esmagar paredes móveis. Sheila confundia os reflexos. Presto criava portais instáveis. Hank, furioso, saltava entre paredes como um predador, até que disparou uma flecha dentro do olho do Enigma — quebrando a criatura de dentro para fora.

 

A ampulheta se partiu. E a quarta chave foi enfim recuperada.

 

Yzarak os aguardava no topo da torre, com o céu agora ainda mais fragmentado — como um espelho prestes a despencar.

 

— Quatro chaves. Um Reino em ruínas. E a última chave... àquela que os libertará deste mundo de uma vez por todas. É chegada a hora de irmos em busca dela, meus corajosos infantes! — disse ele, antes de desaparecer nas sombras, mais uma vez.

 

A noite caiu como tinta sobre o mundo. E de algum ponto distante, Tiamat rugia.

 

No trono da escuridão, o Vingador costurava sua nova armadilha.

 

E o Mestre dos Magos… assistia tudo, com olhos cheios de mistério.

 

O último portal se aproximava.

 

(Continua)

 

 


 

LINKS PARA:

 

👉 Capítulo 1

👉 Capítulo 2

👉 Capítulo 4

 

L Mandrake
Enviado por L Mandrake em 21/04/2025
Reeditado em 25/04/2025
Código do texto: T8314249
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.