O Ciclo do Silêncio
o Capítulo 1 – As Férias da Memória, totalmente unificado:
O ônibus laranja parou como quem respeita o silêncio das árvores. A poeira da estrada dançava no ar quente da tarde, enquanto os portões do Sítio Esperança se abriam não só para mais um verão, mas para algo que os oito primos ainda não sabiam nomear.A casa era velha, mas viva. As janelas rangiam como risadas antigas, e a varanda estalava sob o tempo. Pelo quintal, galinhas andavam entre mangueiras e roseiras selvagens. O cheiro de terra molhada, café recém-passado e bolo de fubá parecia contar histórias sozinho.Na varanda, o avô Augusto, de chapéu de palha e bengala de madeira, os esperava com o mesmo sorriso de todos os verões. Mas naquele, havia uma quietude pensativa em seu olhar, um brilho diferente que prenunciava algo mais.Ele abriu os braços e disse que eles estavam grandes demais para caber no colo, mas ainda cabiam no coração.Um a um, os netos o abraçaram. E em cada abraço, algo antigo parecia se alinhar como folhas encontrando de novo o galho.Marina encostou a cabeça no ombro do avô. Vô, o cheiro daqui continua o mesmo. Cheiro de tempo guardado respondeu ele.Eduardo sorriu. E aquele pomar ainda tem as jabuticabas que a gente roubava escondido, com o coração acelerado e a escada bamba? Tem sim. Só que agora, vocês têm altura pra não precisar mais de escada.Eliane observava os móveis no interior da casa. Você trocou os quadros da sala? Não, filha. São os mesmos. Só que agora, vocês olham com outros olhos.Roberto apontou para o velho fogão de lenha. Ainda tem sopa de milho à noite? Tem. Mas só pra quem contar histórias depois.As risadas se espalharam como vento entre árvores.Depois do café, enquanto o sol começava a se deitar atrás das colinas, Augusto puxou uma cadeira de balanço, pigarreou e falou com voz de quem já pensava longe: Este ano, quero mais que risos e comida. Quero lembranças vivas.Luiz, o mais novo, perguntou como assim, vô.Quero que cada um me traga um conto. Um conto que carreguem no peito. Algo que ouviram, viveram ou imaginaram.Salete arregalou os olhos. Pode ser história de medo?Medo, amor, dor, beleza… o que importa é que seja verdadeiro pra vocês. Mesmo que nunca tenha acontecido.Nádia, silenciosa, sorriu. Ela sabia. Sabia que aquele verão seria mais do que férias. Seria uma travessia.Eduardo, já animado, perguntou quem começava. Isso a fogueira decide. Amanhã à noite, vamos todos sentar ao redor dela. A brasa escolhe.O dia terminava tingido de laranja e púrpura. Os grilos já afinavam suas canções. E o velho sítio… o velho sítio parecia sorrir.Ali começava algo que nenhum deles esqueceria.