O plano de Santorno

O túnel escavado na rocha desembocava numa câmara subterrânea que estava sendo preparada para abrigar uma sala de controle de comportas. O piso da mesma era constituída por grandes placas sextavadas esverdeadas de sal-gema, que já estavam ali quando a escavação fora iniciada.

- Ou seja, quem preparou este piso, sabia até que profundidade teríamos de cavar, caso fôssemos recuperar Umbrareia como o pântano que era originalmente - explicou a endopaisagista Flossie Spargo para sua convidada, Elspeth.

- Estamos falando do seu predecessor, Ali Santorno - ponderou Elspeth. - O projeto de urbanização é dele.

- Sim. E é notável como conseguiu convencer os bereginyas a abrirem mão do seu antigo lar e se mudarem para a Vila do Jardim Botânico, do outro lado do rio - admitiu Flossie Spargo.

- Talvez essa seja a resposta - disse Elspeth, ajoelhando-se e tocando no piso de sal-gema com as mãos espalmadas. Fechou os olhos e concentrou-se, para que as energias fluíssem até ela. Subitamente, arregalou os olhos.

- Cailleach seja louvada! - Exclamou, fechando as mãos e erguendo-se. - Agora compreendo o que Santorno estava tentando proteger com essa camada de sal-gema.

- O que você descobriu? - Indagou a endopaisagista, apreensiva.

- Aquelas antigas fontes de ferro de turfeira, - disse Elspeth, batendo as mãos para limpá-las - ficaram bem abaixo do sal-gema. Se não tivessem sido isoladas, duvido que o povo das fadas pudesse circular livremente pelo antigo pântano, mesmo depois da retirada dos bereginyas.

- Ou seja: Ali Santorno realmente colaborou para que o projeto do prefeito Lubelha se viabilizasse - comentou Flossie Spargo. - Isso é um tanto decepcionante para mim; sempre achei que ele estivesse secretamente trabalhando para minimizar o impacto da urbanização da área.

Elspeth deu de ombros.

- Creio que Santorno fez o que pôde. Ele colocou os ciprestes no parque, que nos protegeram contra qualquer coisa malévola que surgisse na área urbanizada se essa entrasse em decadência... o que realmente acabou acontecendo, como sabemos. A camada isolante de sal-gema também cumpriu a função de impedir que essas forças negativas se unissem ao que pode estar ainda mais abaixo das turfeiras... lugares de onde sequer os mortos voltam.

- Mas se vamos reconstruir o pântano, todo esse sal vai acabar se dissolvendo - ponderou Flossie Spargo. - Isso não nos exporia ao perigo que acabou de citar?

- O pântano é a condição natural desta região - avaliou Elspeth. - Enquanto ele existiu, havia equilíbrio. Quando for recuperado, as coisas voltarão a ser como eram antes do projeto de urbanização de Lubelha e Santorno. Não haverá mais necessidade do sal-gema, e Santorno sabia disso. Mas para minimizar qualquer risco, também será necessário providenciar a volta dos antigos residentes, mesmo que eles tenham se afastado daqui há séculos...

- Os bereginyas - intuiu a endopaisagista.

- Estes mesmos - assentiu Elspeth. - Provavelmente, com um pedido de desculpas da prefeitura, pelo tempo em que ficaram exilados.

- Acredito que ficarão bastante satisfeitos - ponderou Flossie Spargo. - E alguns dos pantaneiros da Vila do Jardim Botânico também irão querer voltar, imagino.

Elspeth levou a mão ao queixo.

- Esses eu já não sei; afinal, para nós humanos, já se passaram dezenas de gerações depois do fim de Umbrareia. Os antigos pantaneiros já foram quase que totalmente integrados à vida urbana, e penso que não irão querer deixar o conforto da cidade para ir viver no meio do pântano - por mais que esse pântano hoje esteja praticamente no meio da cidade.

- Os mais velhos provavelmente não, - sugeriu Flossie Spargo, abrindo um sorriso - mas aposto que muitos dos jovens serão atraídos pela perspectiva de um estilo de vida mais simples... e receber uma ajuda da prefeitura para isso.

Elspeth ergueu as sobrancelhas.

- Você não está pensando em transformar Umbrareia num parque temático, espero? Com visitas guiadas e coisas assim?

A endopaisagista ergueu as mãos em defensiva.

- Longe de mim! Só quero recuperar o perfil demográfico do pântano... os pantaneiros eram parte dele, não eram?

A contragosto, Elspeth teve que reconhecer que sim, eram.