Frutos da terra

- Também há folhas verdes - disse Cicely Sherbourne, ao chegar ao terreiro em frente à choupana que ocupava e complementar o que Agnes indagara à mãe adotiva, Parnell Langstone. A menina a encarou surpresa, como se a recém-chegada estivesse escondida atrás do muro, ouvindo a conversa. Parnell, todavia, sorriu e abraçou com satisfação a recém-chegada, uma mulher gorducha de faces coradas e cabelos grisalhos amarrados num coque atrás da cabeça, usando um vestido amarelado de linho, sobre o qual havia sido amarrado um avental branco. A parte inferior do avental havia sido amarrada em torno da cintura de Cicely, para formar uma bolsa, e estava cheia de ervas da estação: beldroega, conchelos, mostarda brava e cachos de flores de sabugueiro.

- Então, essa é a famosa Agnes, de quem ouvi tanto falar? - Indagou Cicely, dando uma piscadela marota para a garota.

- Eu não sou famosa - defendeu-se Agnes, testa franzida.

- Ah, é sim - insistiu Cicely, mãos na cintura, inclinando-se para ficar à altura dos olhos de Agnes. E aprumando-se para falar com Parnell:

- Ao menos, Grissell me garantiu que ela é a melhor aluna que já teve nos últimos vinte anos!

Parnell, mal cabendo em si de orgulho, assentiu:

- Essa menina realmente aprende muito rápido... já está lendo quase tão bem quanto eu mesma!

Cicely ergueu uma sobrancelha, como quem não considerasse o comparativo dos mais elevados, mas fez um gesto em direção à choupana:

- Bom, vamos entrar. Espero que fiquem para a minha fritada de sabugueiro...

- Também vim na esperança de que ainda tivesse um pouco de sabugueiro, mas do vinho - confessou Parnell, quando entraram no cômodo que era ao mesmo tempo sala, quarto e cozinha da casa. Mas, para uma pessoa morando sozinha, realmente não era tão pequeno, ponderou Agnes.

- Vinho? Acho que ainda tenho uma garrafa do verão passado - ponderou Cicely, enquanto colocava tamboretes de três pernas em torno da mesa redonda ao centro do cômodo. A mesa, percebeu Agnes, havia sido feita com uma seção serrada do tronco de uma grande árvore. Ela ficou fascinada com os veios concêntricos do lenho, tantos que mal podia contar.

- Sim, era uma árvore bem antiga - comentou de passagem Cicely enquanto acendia a lareira de pedra num canto do cômodo, encimada por uma chaminé que furava o telhado de colmo da habitação. - Foi derrubada por um raio, nós só aproveitamos a madeira...

Pôs uma panela de ferro com um pouco de banha para aquecer, e depois apanhou uma garrafa de vidro verde em uma das prateleiras rústicas na parede junto à porta de entrada. Colocou-a sobre a mesa, acompanhada de dois copos de cerâmica.

- Não, Agnes, ainda não é para você - disse Parnell, divertindo-se diante do ar de decepção da filha.

- Nada de vinho, mas tem suco - complementou Cicely, apanhando uma jarra e enchendo outro copo de cerâmica com um líquido esverdeado, que colocou diante da garota. Agnes provou a bebida e fez uma cara satisfeita.

- Do sabugueiro se aproveita praticamente tudo - comentou Cicely, enquanto desamarrava o avental e espalhava o seu conteúdo sobre uma bancada de madeira ao lado da lareira. Finalmente, apanhou um pote em outra prateleira, e com uma concha de cerâmica, começou a despejar parte do conteúdo dentro da panela sobre o fogo. E ainda de costas, depois de mexer a mistura na banha com outra colher:

- Mas aposto que Agnes está aqui hoje para aprender mais sobre o Foresnotor.

- O "Foresnotor", - explicou Parnell para a menina - é a alma sábia da qual lhe falei.

Agnes balançou afirmativamente a cabeça, sem dizer palavra, lambendo os lábios depois de haver bebido o seu copo de suco.

- A senhora faz um ritual para invocar o Foresnotor? - Indagou Agnes, curiosa. - A minha mãe faz um, quando precisa falar com os mortos.

- O Foresnotor funciona de um jeito um pouquinho diferente - redarguiu Cicely, enquanto polvilhava tempero dentro da panela. - Calma que você já vai ver como é...

Finalmente, enquanto um cheiro de fritura se espalhava pelo ambiente, ela abafou o fogo e começou a retirar pedaços de fritada da panela, transferindo-os para pratos de barro. Colocou-os sobre a mesa, juntamente com fatias de um melão amarelo e encheu novamente o copo de suco de Agnes.

- Você faz a oração de graças - disse para Parnell, após sentar-se à mesa.

As três curvaram suas cabeças e a bruxa recitou:

- Senhor e Senhora, velai por nós, e nos abençoem enquanto comemos. Abençoem esta comida, esta dádiva da terra, nós lhes agradecemos, assim seja.

- Assim seja! - Repetiram a anfitriã e a menina.