A História da Fada Madrinha

Aline e Hilda eram gêmeas idênticas, tinham gostos muito similares e, por isso, sempre foram muito apegadas uma à outra. As duas amavam a mágica e viviam praticando seus truques e apresentando para a família. Como eram muito talentosas, não foram poucas as vezes em que receberam conselhos para seguir profissionalmente na área.

 

Viviam em uma pequena cidade do interior e, caso quisessem fazer uma faculdade, deveriam mudar-se para a capital. Não ficariam sozinhas, afinal teriam uma à outra, mas a saudade que sentiriam da família seria muito grande. Não querendo abandonar os entes queridos, foi apenas aos 23 anos que iniciaram a faculdade de artes cênicas.

 

Além de habilidade e dedicação, a dupla tinha muita sorte também. Não demorou para conseguirem emprego fazendo o que mais amavam: truques de mágica. De vez em quando, trabalhavam juntas nos eventos, porém, na maioria dos casos, cada uma fazia suas apresentações em lugares e horários diferentes. Isso ocasionou a primeira divergência de objetivo das gêmeas.

 

Hilda estava muito contente pelo que havia alcançado, mesmo sentindo muita falta da cidade natal. Todo dia ela telefonava para a família, o que diminuía a distância diminuía um pouquinho. Antigamente, cogitava retornar após a formatura, porém já não possuía mais essa vontade. Ela encontrou uma nova família.

 

Conheceu por lá um homem chamado Rogério, por quem logo se apaixonou. Como o sentimento era recíproco, não demorou para começarem um relacionamento. Tudo parecia perfeito. Conseguia facilmente enxergar um futuro cheio de alegria ao lado dele.

 

Aline já estava mais interessada em outras coisas. Pelo menos uma vez por semana ela passava um dia na biblioteca municipal pesquisando sobre coisas fantasiosas. Sempre que Hilda perguntava sobre seus objetivos, a resposta era a mesma:

 

– Eu estou em busca de magia. Magia de verdade. – Dizia ela.

 

Rogério sempre achou essa obsessão pelo sobrenatural um pouco esquisita, mas era a irmã de sua amada e jamais diria algo contra ela. Quem fez isso foi a própria Hilda, quando recebeu uma notícia, no mínimo, questionável.

 

Aline não considerava suas pesquisas na biblioteca municipal apenas distração. Ela tinha encontrado a lenda sobre uma arma perdida e muito poderosa, que acreditava ser a lenda da varinha de condão. Já sabia todas as informações necessárias para partir em sua busca, deixar de ser ilusionista e virar uma feiticeira de verdade. E, é claro, convidou a irmã.

 

– Aline, eu não tenho tempo para brincar de Indiana Jones! Eu vou me casar com Rogério e… estou grávida. – Concluiu com um sorrisinho animado.

 

A irmã queria ficar feliz com a chegada de um sobrinho, porém só conseguia sentir que Hilda estava abandonando-a. Elas sempre foram parceiras para todas as horas e, quando finalmente apareceu uma chance imperdível, Aline deveria ir só. E o pior: nem poderia dizer sua opinião em voz alta, já que a irmã tinha todo o direito de ficar.

 

A jornada foi mais difícil do que o calculado no início e Aline, involuntariamente, sempre atribuía isso à ausência de sua irmã. As dificuldades vieram logo na arrecadação das informações. Ela já tinha o básico. Contudo, se precisasse de um detalhamento a mais, era um sacrifício. Ninguém parecia querer ajudar quem buscava a varinha de condão porque, logicamente, esse tipo de ferramenta só existia em filmes.

 

Mesmo assim, ela persistiu. Depois de sete anos árduos de busca, conseguiu completar sua viagem até a floresta nos confins do mundo em que estava escondida a varinha mágica. Era a reta final e Aline não conseguia esconder a empolgação.

 

A mata era densa e ela, muitas vezes, acabava enroscada nas plantas. Sua sorte era que, àquela altura do campeonato, suas habilidades com faca estavam muito melhores e, na maioria das vezes, soltava-se com facilidade.

 

Os ventos fortíssimos foram outro problema a ser enfrentado. A poeira do chão comumente era levantada pelas rajadas e Aline precisava de proteção de qualidade. Apenas colocar sua mochila na frente do rosto não era o suficiente na maioria dos casos.

 

Além disso, precisou enfrentar muitos morros sem fim e atravessar penhascos em pontes quebradiças. Essa última parte realmente a fazia sentir-se em um filme. Em uma tentativa de perder o medo de cair lá embaixo, pensava nas histórias e ria nostálgica. Muitas vezes a tática não era o suficiente para espantar o nervosismo, contudo. Já acabou pendurada e em desespero mais de uma vez. Ela nem sabia como não havia morrido ainda.

 

Quando finalmente encontrou o local exato no qual a varinha de condão provavelmente estava guardada, Aline chorou de emoção. Em parte, por finalmente encerrar a busca interminável e, em parte, por realizar seu sonho e virar uma mágica de verdade. Mas, principalmente, porque mal via a hora de estar com Hilda novamente.

 

Estava claro que ela sabia da existência de alguma armadilha. Já tinha visto filmes o suficiente para isso. Estava preparada não só com um galho do mesmo peso para fazer a rápida substituição, mas também com um feitiço na ponta da língua para sair dali antes de ser tarde demais.

 

– Bibbidi bobbidi boo! – falou com vontade.

 

A magia logo fez efeito e Aline transportou-se para casa onde Rogério morava. Provavelmente sua irmã tinha mudado para lá depois de sua partida em busca da varinha de condão. Era tão empolgante não depender mais de truques baratos!

 

Mal conseguindo conter sua emoção, ela bateu à porta. Uma garotinha toda suja de cinzas atendeu, só poderia ser sua sobrinha. Suas teorias foram confirmadas quando ela lhe deu um abraço apertado e disse animada:

 

– Tia Aline! Você está igualzinha às fotos de antes do meu nascimento. Você veio me ver?

 

– Na verdade, eu vim atrás da sua mãe. Mas com certeza estou muito feliz em encontrá-la, minha querida Ella. – Aline lembrava do nome escolhido de alguma ligação de anos atrás.

 

– Minha mãe não está mais aqui, ela foi para o Céu… – disse deprimida.

 

Ouvir essa sentença deixou a tia sem chão. O que ela tinha feito? Saiu em uma jornada perigosa em vez de aproveitar seus últimos anos com a irmã… E ainda por cima, todos os últimos pensamentos direcionados a ela foram reclamações!

 

Aline ficou tonta, sentiu que desmaiaria a qualquer momento. Por sorte, Ella segurou seu corpo antes do impacto. Sentir a mão da sobrinha junto da sua foi extremamente reconfortante. Era uma parte de Hilda que ainda vivia, e Aline jamais deixaria que partisse também.

 

Ao perguntar por Rogério, mais surpresas vieram. Ele também tinha falecido e a guarda da criança estava com a irmã dele, Gisele. Aline ficou sem saber o que fazer por algum momento. Eram informações demais para captar. Tão logo o impacto inicial passou, ela resolveu perguntar o óbvio: o motivo pelo qual Ella estava toda suja de cinzas.

 

– É que eu durmo na lareira. Minha tia não me deixa ficar no quarto. Aí de manhã, acordo toda suja de borralhas. Ela até diz que sou uma Gata Borralheira por isso. – A criança nem reparou na expressão de horror feita por Aline. – Falando nisso, não posso ficar aqui. Ela mandou que eu limpasse a casa antes que voltasse da festa. – Um olhar de medo cruzou a face da menina.

 

A tia nem perdeu tempo perguntando a razão pela qual Gisele era temida. Era muitíssimo claro que a garota estava em situação de violência doméstica. O peso na consciência da mais nova feiticeira não poderia ser maior: onde ela estava enquanto a sobrinha precisava de ajuda? Não era hora de se lamentar, entretanto. Ainda havia como corrigir seu erro.

 

– Eu vou embora daqui com você. – disse decidida. – E se essa Gisele quiser brigar pela sua guarda, eu chamo o conselho tutelar!

 

– Espera! – Ella pediu tímida. – Será que nós poderíamos ir à festa? A tia Gisele disse que apenas ela iria, mas eu queria muito estar lá…

 

– Acho que podemos ir sim. – Aline respondeu hesitante. – Mas que festa é essa?

 

A sobrinha explicou que o dono da empresa na qual a Gisele trabalhava fez uma festa e convidou todos os funcionários com suas respectivas famílias. A intenção era comemorar um novo contrato milionário com uma empresa parceira. Ella nunca teve autorização para sair de casa e torcia para aquela ocasião ser uma exceção, mas nem assim a menina conseguiu permissão para divertir-se um pouco.

 

Aline não trabalhava naquela empresa. Então, obviamente, não tinha convites. Além do mais, não estava exatamente com roupas de sair. Só que nada disso era um empecilho quando se tinha a varinha de condão. Ela apenas disse “Bibbidi bobbidi boo” e os convites surgiram junto com belos vestidos.

 

A menina não poderia estar mais encantada com aquilo. Ela sabia a razão da viagem da tia, porém era tão cética quanto a mãe. Ver mágica de verdade foi como um sonho e ela precisou segurar-se para não começar a pedir várias coisas à tia recém-chegada.

 

A festa parecia muito animada, mas Aline ainda estava em luto e preferiu não se misturar com a multidão alegre. Ela observava a sobrinha de longe, para garantir que nada de ruim lhe aconteceria. A menina parecia brincar feliz com algum menino mais ou menos de sua idade. Que bom.

 

Quando deu meia-noite, Aline decidiu que era hora de ir. Afinal, ela ainda era muito nova para ficar acordada até um horário tão tarde assim. Então levantou-se e foi buscar a sobrinha. A menina insistiu para ficar brincando um pouco mais com seu novo amigo, que aparentemente chamava-se Pedro e era filho do dono da empresa.

 

– Eu vou poder ver ele de novo, não é tia? – perguntou Ella. Pois sabia que dali iriam para longe.

 

– Vai sim, minha linda. – Aline disse sorridente. – Bibbidi bobbidi boo. – Sussurrou sem que percebessem.

 

Pedro correu para a saída, com o objetivo de acenar até perder a nova amiga de vista. Quando isso finalmente ocorreu, voltou para o salão pensando se conseguiria achar outra criança legal para brincar ou se o resto da festa seria uma chatice só. Eram os contras de ser filho do anfitrião: teria que ficar até o final.

 

Por azar, o menino acabou tropeçando em algo. Ao abaixar-se e conferir o que era, percebeu ser o sapato de Ella. Como a garota já estava longe e não tinha mais como devolver, o rapaz guardou consigo. Entregaria a ela quando voltasse a vê-la. Ele já guardava o objeto quando um bilhete lhe chamou a atenção dentro do calçado. Dizia:

 

“Não saia provando esse sapatinho em todo mundo, não. O número da minha tia é +55 (96) 98453-1990.”

 

E então o rapaz não perdeu tempo em sair correndo para perguntar ao pai quando poderia ligar e marcar mais um dia de diversão.