A sala ou fora dela

Ele entrou na sala como quem atravessa uma porta sem saber muito bem o que espera do outro lado, mas sem dúvida esperando que o lado de dentro fosse seu por direito. Não tinha 60 anos, nem qualquer deficiência, exceto a mais disfarçada de todas: a incapacidade de ver o outro. E os que estavam ali, naquele espaço abafado e dilacerado pela espera, eram sombras de si mesmos, como se o tempo tivesse parado para todos, menos para ele.

Quem estava na fila, já exaurido pela lentidão da vida, viu-se de repente no papel de réu, como se o simples ato de esperar fosse a transgressão. A lógica, agora irreconhecível, parecia ter se tornado uma traição. A sala, que antes era um ambiente confortável, transformou-se em um tribunal onde as vítimas também eram os algozes, e o privilégio se impunha como uma sentença irrevogável. O mais absurdo de tudo, no entanto, era que ninguém parecia notar a falência da justiça. A fila, agora, carregava a culpa de algo que jamais cometeu, e os que observavam, cansados da rotina, aceitavam essa inversão com uma resignação perturbadora, como se a própria natureza das coisas fosse uma prisão sem muros.

E, como em um pesadelo sem solução, a indignação perdeu o sentido. O simples ato de se revoltar só fazia reforçar o erro. O privilégio continuava a fluir com uma naturalidade desconcertante, enquanto os outros, imersos na espera e no absurdo, se tornavam mais partes da paisagem do que protagonistas de suas próprias vidas.

Erogat C
Enviado por Erogat C em 25/12/2024
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