Valquíria
Passos cansados de uma donzela diáfana. Parou e olhou para o mendigo, estirado no chão; não a via, e não só por estar adormecido: no sonho, que ainda era vida, achava-se preso em uma redoma de cristais rachados; pelas ranhuras, entrava uma luz ébria que ele não era capaz de identificar.
A valquíria desistiu e tomou outro rumo, levitando devagar sobre o trânsito na ponte. Eram seis e meia, ou dezoito e trinta. Entre placas e luzes artificiais, era o auge da angústia numerada, estática e rumorosa. Brunhild, que se movia invisível para as carruagens motorizadas, estaria livre desse arrasto? Emigrara para o sul, como a última de sua estirpe, na esperança de encontrar um guerreiro que a ajudasse a reconstruir o Valhala; contudo, cá como lá, não havia nenhum indivíduo de valor.
Odin, olvidado pela humanidade, desaparecera. Os saguões do Valhala haviam se esvaído entre as batidas contra o chão de uma corrente que prendia um lobo que uivava e rosnava sem cessar. A corrente se rompera. Esse teria sido o verdadeiro Ragnarok? Ainda aguardava o crepúsculo; era impossível que já tivesse se concretizado. Tinham-na esquecido, deixado para trás? Como, se não testemunhara a batalha final? De qualquer forma, esta devia ter acontecido, pois todos os guerreiros estavam mortos e suas almas já haviam sido recrutadas e desaparecido.
Pousou em um terreno baldio e despiu-se, só não largando sua espada. Suas asas cândidas, que já não se moviam, foram cedendo, à medida que perdiam as penas, até despencarem em definitivo. Sua voz mental se perdia em ecos; as penas brancas ficaram sujas de lama.
Por fim, largou a lâmina, que ainda cortava, e se calou, perdendo os sentidos.
Acordou sem saber quanto tempo tinha se passado, em uma cama, só porque um despertador tocava. Como não se movia, uma mulher veio chamá-la pouco depois:
– Bruna, você vai se atrasar pra aula!
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