Yoki e os 7 Guardiões

Em uma das muitas partes encantadas da Floresta Amazônica, onde os rios cantam melodias ancestrais e as árvores sussurram segredos milenares, vivia Yoki, filha de Ubirajara, o líder de uma grande tribo. Desde pequena, ela caminhava descalça pela mata, sentindo o pulsar da floresta em cada passo e ouvindo os conselhos dos espíritos que habitavam o vento, as águas e as sombras das árvores.

Seu nome, que tem tantos significados, como “pássaro azul”, “expectativa”, “premeditação”, “chuva”, simboliza a expectativa de receber boas notícias e é uma referência de esperança. Yoki era conhecida por sua habilidade de compreender os sinais da natureza, como o movimento das nuvens ou o canto dos pássaros, e por sua conexão especial com o lago sagrado da tribo.

A aldeia de Yoki era um lugar vibrante. O som dos maracás e tambores ecoava durante as noites de lua cheia, quando a tribo se reunia para homenagear os espíritos da floresta. Ubirajara ensinava sua filha a liderar com sabedoria e respeito, e ela aprendia a preparar os ungüentos que curavam, a identificar os cantos das araras e a interpretar as mensagens trazidas pelo vento.

Um dia, uma mulher de terras distantes chegou à tribo. Seu nome era Maíra, e ela dizia ter vindo estudar os costumes e conhecer as riquezas da floresta. Sua aparência, com roupas de tecido desconhecido e adornos brilhantes, fascinava os mais jovens e despertava a curiosidade dos anciãos. Ubirajara, acreditando em suas intenções, acolheu-a como hóspede. Com o tempo, Maíra mostrou-se habilidosa em ganhar a confiança de todos, e logo conquistou o coração do líder, casando-se com ele. Mas seus olhos, sempre inquietos e ambiciosos, estavam voltados para os segredos ocultos da floresta.

Quando Ubirajara adoeceu repentinamente, deixando apenas seu colar com um Muiraquitã para Yoki, e partiu para o grande espírito, Maíra assumiu o comando. Rapidamente, suas verdadeiras intenções começaram a aparecer. Ela explorava os recursos da floresta, manipulava os guerreiros e procurava formas de alcançar os espíritos que protegiam o território. Sob suas ordens, árvores antigas foram cortadas, e animais começaram a abandonar a região.

No centro da tribo, havia um lago sagrado conhecido como Yacyupá, “o espelho da lua”. Diziam que suas águas refletiam verdades e que os espíritos da floresta usavam seu brilho para comunicar-se com os líderes. Todas as manhãs, Maíra caminhava até o lago, acompanhada por uma comitiva de guerreiros, e perguntava com voz firme:

– Yacyupá, espelho sagrado, mostre-me quem tem poder sem ser alvo.

E o lago, em suas águas cristalinas, mostrava a imagem de Yoki, protegida pela floresta e amada por todos. Isso enchia Maíra de ódio, pois ela sabia que jamais poderia controlar a tribo enquanto Yoki estivesse viva. Movida pela inveja, decidida a eliminá-la, Maíra arquitetou um plano cruel contra a jovem. Chamou caçadores leais e ordenou que levassem Yoki para a floresta e a abandonassem à própria sorte, perdida entre os perigos.

Quando foi deixada sozinha, Yoki sentiu o medo crescer dentro de si, mas logo ouviu o som de asas cortando o ar, os espíritos da floresta tinham vindo em sua ajuda. Uma harpia imponente apareceu e sobrevoou o local, guiando-a até uma clareira mágica, protegida por uma aura de serenidade.

Ali viviam os Sete Guardiões, seres mágicos que representavam as forças naturais. Cada um deles tinha uma forma única: o boto simbolizava a alegria; o tamanduá-bandeira, a sabedoria; a onça-pintada, a força; o jabuti, a resiliência; o gavião-real, a visão; o jacaré-açu, a proteção; e a preguiça, a paciência.

Unidos, eles prometeram proteger Yoki e ajudá-la a retomar seu lugar como guardiã da floresta.

Enquanto isso, apesar de acreditar que Yoki estava perdida para sempre, Maíra continuava inquieta. O lago Yacyupá, com sua insistente verdade, mostrava que a jovem ainda vivia, cercada pelos espíritos protetores da floresta. Furiosa, decidiu agir pessoalmente.

Enquanto vivia com os Sete Guardiões na clareira mágica, Yoki mantinha suas rotinas diárias, aprendendo com cada guardião e auxiliando nos cuidados da floresta. Naquele dia específico, ela estava recolhendo frutos próximos ao limite da clareira, sob a orientação do tamanduá-bandeira, que lhe ensinava quais plantas eram medicinais e quais deveriam ser respeitadas em sua função natural.

Foi então que ela ouviu um leve farfalhar vindo da mata. Ao se virar, deparou-se com uma figura encurvada saindo por entre os arbustos. Era uma anciã de aparência frágil, vestida com roupas de fibras rústicas e apoiando-se em um cajado. Sua voz soava rouca, mas havia um tom aparentemente amigável quando falou:

– Ah, minha jovem, que sorte a minha encontrar alguém por aqui! – exclamou, ofegante. – Estou vagando pela floresta há dias. Me perdi e não consigo encontrar o caminho de volta.

Yoki se aproximou, ainda cautelosa, mas seu coração generoso não permitiu que ignorasse uma anciã em apuros.

– Esta parte da floresta é protegida, senhora – respondeu, mantendo a voz gentil, mas firme. – É raro alguém de fora chegar tão longe. De onde a senhora veio?

A anciã suspirou, sentando-se em um tronco caído. Seus movimentos pareciam pesados, como se estivesse exausta.

– Vim de uma aldeia distante – explicou. – Sou curandeira, e estava em busca de ervas raras para preparar remédios. Segui as indicações dos espíritos em um sonho, mas me perdi no caminho. Minha velha visão não é mais o que costumava ser.

Yoki franziu o cenho, desconfiada. A aldeia mais próxima ficava além do rio Negro, e atravessar aquela distância seria quase impossível sem orientação ou um barco. Mesmo assim, algo no olhar cansado da anciã a desarmou momentaneamente.

– A senhora deveria descansar – disse Yoki, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar. – Há perigos nesta parte da floresta. Não é seguro para quem não conhece os caminhos.

A anciã segurou sua mão com dedos frágeis, mas firmes. Um sorriso surgiu em seus lábios, embora seus olhos escondessem algo indecifrável.

– Você é muito bondosa, jovem – disse, inclinando a cabeça. – Por favor, aceite este humilde presente como agradecimento.

Ela puxou de sua sacola de palha um jambo grande e brilhante, tão perfeito que parecia feito de cristal. O fruto emanava um leve aroma doce, quase hipnotizante. A anciã ergueu-o em direção a Yoki, insistindo:

– Tome. Este jambo é especial. Dizem que quem o provar terá sonhos de grande sabedoria.

Yoki hesitou. Algo naquele fruto parecia... errado. Era bonito demais, como se a própria natureza não tivesse permitido tamanha perfeição. Contudo, o respeito pela anciã e a gratidão pelos seus supostos ensinamentos eram valores que sua tribo havia lhe ensinado desde pequena.

– Não quero ser ingrata, mas... – começou, escolhendo cuidadosamente suas palavras. – É raro encontrar jambeiros nesta parte da floresta. Onde a senhora encontrou esse fruto?

A anciã sorriu de maneira quase imperceptível.

– Ah, minha querida, são os espíritos que guiam minhas mãos. Confie neles. Coma e verá.

Relutante, mas desejando não ofender, Yoki aceitou o jambo e deu uma pequena mordida. Imediatamente, uma sensação pesada percorreu seu corpo. O brilho do mundo ao seu redor começou a apagar-se, como uma vela ao vento. Sua visão escureceu, e ela caiu no chão, inerte.

A anciã, que agora exibia um sorriso sinistro, abaixou-se para observá-la. Sua aparência frágil começou a mudar sutilmente – os olhos tornaram-se mais brilhantes e predatórios, e sua voz, antes doce, tornou-se fria:

– Você era uma ameaça, criança tola. Agora, nada mais impedirá que eu tome o que é meu por direito. - ela ergueu-se e desapareceu na mata, deixando Yoki caída na clareira.

Quando os Sete Guardiões retornaram e encontraram sua protetora inconsciente, a floresta inteira pareceu gemer. O boto, sentindo a magia obscura, aproximou-se e declarou:

– Isso é obra de Maíra. Precisamos levar Yoki à Samaúma. É nossa única chance.

Os Sete Guardiões decidiram agir rapidamente. Carregaram Yoki até a majestosa Samaúma, a Árvore da Vida, conhecida como o coração espiritual da floresta. O caminho era árduo. Raízes e galhos pareciam se contorcer para protegê-los, enquanto o ar ficava denso com a presença de uma magia obscura deixada por Maíra. O tamanduá-bandeira liderava o grupo, farejando o perigo a cada passo, enquanto o jacaré-açu trazia Yoki sobre suas costas largas e seguras.

Quando finalmente chegaram à Samaúma, a árvore erguia-se como uma catedral viva, seus galhos desaparecendo no céu. Os Guardiões colocaram Yoki aos pés da árvore, enquanto o gavião-real voava em círculos, observando atentamente qualquer sinal de perigo.

O boto foi o primeiro a falar, sua voz carregada de urgência:

– A floresta está enfraquecendo. A magia de Maíra não é comum; ela mexeu com forças que não pertencem a este lugar. Precisamos apelar diretamente aos espíritos para que ajudem Yoki.

– Mas como? – perguntou o jabuti, erguendo seus olhos cansados. – Eles só respondem aos líderes. E Yoki, nossa ligação com eles, está adormecida.

O tamanduá-bandeira, que sempre pensava profundamente antes de falar, respondeu:

– Há um ritual. Um cântico ancestral que pode abrir os caminhos entre os mundos. Mas exigirá nossa energia e nosso vínculo com a floresta.

Sem hesitar, os Sete Guardiões formaram um círculo ao redor de Yoki e da Samaúma. Começaram a entoar cânticos antigos, harmonizando suas vozes com os sons da floresta. O som do vento, o murmúrio dos rios distantes e o farfalhar das folhas misturaram-se à melodia, criando um eco que parecia alcançar o próprio coração da floresta.

Enquanto o ritual prosseguia, as raízes da Samaúma começaram a brilhar com uma luz dourada, pulsando como se a árvore estivesse viva. O muiraquitã pendurado no pescoço de Yoki brilhou intensamente, refletindo a luz da lua. Lentamente, a jovem começou a respirar mais profundamente, como se estivesse acordando de um longo sono.

Mas antes que ela pudesse abrir os olhos, a floresta inteira pareceu estremecer. De dentro da densa mata, um som de passos pesados se aproximava. Não eram passos humanos, mas algo mais profundo, como o próprio chão movendo-se. Os Guardiões olharam ao redor, alertas. Então, uma voz fria e cortante ecoou, interrompendo o cântico:

– Vocês acham que podem desfazer o que fiz? – era Maíra, agora sem seu disfarce, emergindo das sombras com olhos que brilhavam de ódio e arrogância. – Eu sou a dona deste território agora. A floresta já não pertence a vocês.

O jacaré-açu rosnou, colocando-se entre Maíra e Yoki. A onça-pintada arqueou o corpo, pronta para atacar, mas o gavião-real pousou, pedindo calma:

– Ela quer nos provocar – disse o gavião. – Mas não podemos interromper o ritual. O destino de Yoki depende disso.

Maíra riu, erguendo as mãos. Em suas palmas, pequenos feixes de luz escura começaram a se formar, retorcendo-se como serpentes.

– Vocês subestimam o poder que conquistei – disse ela. – Os espíritos que me servem não são tão bondosos quanto os seus.

Nesse instante, o tamanduá-bandeira avançou, suas garras rasgando o chão em direção a Maíra. Mas a mulher desviou com um movimento rápido, erguendo o cajado que agora carregava. Dele, uma rajada de energia escura atingiu o solo, derrubando o Guardião e criando uma barreira entre ela e os outros.

Enquanto isso, o muiraquitã de Yoki continuava brilhando. A luz dourada intensificava-se, quase ofuscando os presentes. Então, com um suspiro profundo, ela abriu os olhos.

– Maíra – disse Yoki, sua voz ecoando como se fosse parte do vento. – Você profanou o que não compreende.

A mulher se virou, surpresa ao vê-la desperta. Os Guardiões recuaram, percebendo que a energia da floresta agora fluía diretamente através de Yoki. Suas mãos brilharam com uma luz dourada, e quando ela se levantou, parecia que toda a força da floresta estava ao seu lado.

– Você não pertence a este lugar – continuou Yoki, caminhando lentamente em direção a Maíra. – A floresta sente sua presença e rejeita sua ganância.

Maíra tentou atacar novamente, mas as raízes da Samaúma surgiram do chão, enroscando-se ao redor de seus pés e mãos. Os animais da floresta apareceram, observando a cena em silêncio respeitoso, como testemunhas do julgamento.

– Vocês não podem me derrotar! – gritou Maíra, lutando contra as raízes. – Eu sou mais forte do que esta floresta!

– Não é força que falta em você, mas respeito – respondeu Yoki, colocando a mão no tronco da Samaúma. – A floresta não é um recurso para ser tomado. É vida, e essa vida está te expulsando.

As raízes apertaram, e o boto, líder dos espíritos das águas, conduziu uma corrente que arrastou Maíra para longe, levando-a ao esquecimento. A clareira ficou em silêncio por um momento, até que a floresta, como um grande suspiro, pareceu relaxar.

Com Maíra derrotada e levada pela força da própria floresta que tentou explorar, o brilho no muiraquitã em seu pescoço agora era mais forte, como se carregasse toda a sabedoria ancestral que ela havia absorvido. Yoki olhou ao redor, os olhos cheios de gratidão. Com os Sete Guardiões ao seu lado, ela sabia que a floresta estava segura novamente. Mas também sabia que sua missão estava apenas começando.

– A floresta não é apenas um lugar – disse ela, sua voz ecoando pela clareira. – Ela é um espírito vivo, feito de todos os que caminham sob suas árvores, nadam em seus rios e respiram seu ar. Proteger a floresta é proteger a nós mesmos, pois sem ela, não há equilíbrio.

Os Guardiões assentiram, e a Samaúma pareceu responder, balançando seus galhos com um leve sussurro. A aldeia voltou a florescer sob a liderança de Yoki, que trouxe consigo não apenas a força da floresta, mas também uma lição: o poder verdadeiro não vem da conquista, mas da harmonia com aquilo que nos sustenta.

A história de Yoki e os Sete Guardiões passou a ser contada por gerações, lembrando a todos que a ambição sem limites pode trazer ruína, mas o respeito e o cuidado criam raízes profundas e duradouras. Dizem que o lago Yacyupá ainda reflete verdades, mas apenas para aqueles que olham com humildade.

FIM

Lia Lavarde
Enviado por Lia Lavarde em 10/12/2024
Código do texto: T8215971
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