APRENDIZAGEM

   

Senhores cientistas, amigos de cátedra, sinto-me profundamente honrado em ser convidado a este fórum para contribuir com as pesquisas dos biomas interplanetários. Pediram-me que relatasse algo inusitado dentro da vasta experiência que acumulei nesta área. Pois bem, aqui estou.

Como é do conhecimento de todos, já viajei para centenas de lugares dentro do universo mapeado. Desde os mais renomados até os mais obscuros. Mas foi nos confins da região de Zatarion-823, no terceiro planetinha insignificante de um sistema solar de quinta categoria, que capturei uma criaturinha singular a quem passei a chamar de "humano".

Levei este diminuto espécime para casa. Aqui está a imagem dele. É um macho. Como podem observar, ele tem o mesmo tamanho de um de nossos dedos. Por ser pequeno e, admito, engraçadinho, decidi oferecê-lo a meu filhote como presente de aniversário. Contudo, por desconhecer a natureza dessa criatura e, notadamente, diante de seu comportamento indócil inicial, resolvi colocá-lo numa gaiola junto às outras criaturas inferiores num espaço arejado de meu jardim.

Os humanos, como vim a descobrir depois de exaustivas pesquisas, possuem um ciclo de vida incrivelmente curto. Para vocês, colegas cientistas, explico que um único estágio de desenvolvimento do humano, da juventude à senilidade, ocorre com a mesma rapidez com que a nossa própria espécie experimenta uma fração insignificante das mudanças biológicas. Hum... algo que se poderia comparar ao período entre duas de nossas hibernações anuais.

Eles não são autógamos como nós e, para meu infortúnio, eu não havia capturado uma fêmea para reprodução. Portanto, a brevidade de sua existência é um ponto crucial para que compreendam a singularidade de seu comportamento. Meu filho, com genuíno espírito explorador, tentou interagir com o pequeno bicho. Mas o humano se mostrou arredio, ingrato e absolutamente insensível a qualquer gesto de carinho.

Para relatar esta experiência de maneira compreensível, optei por dividi-la em fases. Esse formato resumido não apenas facilita o entendimento, mas também reflete minha tentativa de impor ordem a um processo que, no início, parecia caótico e imprevisível. Espero que, ao seguir essas fases, vocês possam acompanhar minha jornada de aprendizado e compreender a relevância dos eventos que vivenciei."

 

Primeira fase: a rejeição

No primeiro ciclo de adaptação ao cativeiro, o humano foi agressivo. Rejeitava o toque de meu primogênito e se negava a brincar com as bolinhas coloridas, preferindo manter-se em um canto. Comia apenas o suficiente para sobreviver. Meu filho, comovido, tentou outras abordagens. Levou-lhe, às escondidas, as sobras de nossas mais finas iguarias. Entretanto, mesmo diante da generosidade, o humano não demonstrou apreço. Confesso que comecei a ver a criatura com desdém. “Que bicho arrogante”, pensei.

 

Segunda fase: a tentativa de comunicação

No segundo ciclo, o humano ignorou meu filho e tentou se comunicar comigo. Ele utilizou um sistema rudimentar de gestos e sons irregulares, mas não dei importância. Ora, que necessidade eu teria de dialogar com um ser tão irrelevante na hierarquia intergaláctica? No mesmo espaço, outros animais, dóceis e domesticáveis, se mostravam muito mais promissores. O humano, no entanto, persistiu em seus gestos e ruídos estranhos, como se quisesse transmitir algo de suma importância. Um dia, ele desenhou formas geométricas no chão de terra. Meu filho disse:

─ Papai, ele está aprendendo!

─ Não, filho - respondi. - Ele está tentando nos copiar. Cópia não é aprendizagem.

 

Terceira fase: a resignação

No terceiro ciclo, vencido pelo fracasso de suas tentativas, o humano se resignou. Não desenhava mais. Não fazia gestos. Os ruídos eram mínimos. Passou a conviver de forma pacífica com os outros bichos, sem, no entanto, criar laços afetivos. Ainda assim, toda vez que via uma oportunidade, tentava fugir. Nunca compreendi essa obsessão pela fuga, já que o interior da gaiola lhe oferecia proteção contra predadores e acesso ilimitado à comida fresca. Era um conforto inegável. Mas o humano teimava. E essa teimosia, senhores, começou a me intrigar.

 

Quarta fase: o isolamento

No quarto ciclo, o humano começou a andar de um lado para o outro, cabisbaixo. Um comportamento que interpretei, à época, como sinal de velhice precoce. Afinal, seu ciclo biológico era muito curto. Recolheu-se num canto, prostrado, como se esperasse pacientemente pelo fim. Meu filho, piedoso, implorou:

─ Papai, ele está triste. Ele não aprendeu a ser feliz aqui!

Foi então que decidi realizar uma experiência.

Abri a gaiola e libertei todos os animais. Meu filho, empolgado, observava o espetáculo ao meu lado. Os pequenos bichos peludos saíram correndo em disparada, pulando alegremente entre as plantas do jardim. O humano, no entanto, demorou. Ficou parado à porta da gaiola, como se não soubesse o que fazer. De repente, seus olhos se acenderam. Ele saiu com passos vacilantes e, subitamente, começou a pular, correr, revirar o solo e rolar na vegetação. Ria. Sim, senhores, ele ria! Nunca, em todas as minhas jornadas, vi algo assim. Não era um som de alarme, tampouco de cólera ou de dor. Ele ria! Meu filho gritou:

─ Papai, agora ele aprendeu o que é ser feliz!

 

A escolha final

Depois de horas de brincadeiras, os quatros animais peludos voltaram à gaiola, empurrados pelo instinto de saciar a fome. O humano, por sua vez, aproximou-se lentamente da porta. Estava visivelmente exausto. Olhou para dentro. Seus companheiros comiam vorazmente. Ele poderia entrar, comer, saciar-se e prolongar sua vida. Estiquei meus dedos sobre o controle de fechamento da portinhola, certo de que ele entraria.

Mas o humano não entrou.

Olhou para mim. Fitou meu filho. Depois, voltou-se para a vegetação e se afastou. Sentou-se à sombra de um arbusto, cruzou as pernas e ficou ali, imóvel. Não comeu. Não pediu comida. Não voltou. Meu filho, confuso, perguntou:

─ Papai, por que ele não entra?

─ Porque ele não aprendeu sobre a segurança da gaiola - eu disse.

─ Não - retrucou meu filho. - Ele aprendeu outra coisa.

Eu o corrigi:

─ Não, meu querido. Ele não aprendeu. Ele escolheu.

 

Conclusão

O humano morreu dias depois sem ingerir alimento nem água. Ele poderia ter vivido mais quatro ciclos, mas escolheu não fazê-lo. Nunca, em toda minha carreira, uma criatura inferior fez algo assim. As espécies de mentes simples não recusam alimento. Não rejeitam a sobrevivência. O conceito de liberdade, que para nós é mera abstração filosófica, foi para ele uma realidade prática e inegociável.

Aprender, como vemos, não é uma via de mão única. Mesmo com toda a minha vasta experiência, a aprendizagem que tentei incutir na criatura através de estímulos à adaptação ao conforto, à segurança e à sobrevivência, mostrou-se limitada. O humano me ensinou que a aprendizagem não está apenas no que se adquire, mas no que se recusa também.

Hoje, meu filho carrega no peito uma insígnia com o símbolo do humano. Quando lhe perguntei o motivo, ele disse: “Para eu nunca esquecer que aprender não é só saber, mas também saber escolher.

Obrigados pela atenção, senhores!

 

 

 


Nota do autor: este conto foi escrito a partir de um desafio literário entre amigos, cujo tema era "Aprendizagem" e deveria ser escrito em até 1.500 palavras.


 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 09/12/2024
Código do texto: T8215228
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