O Espelho da Imaginação.
Eduardo estava sentado diante da velha máquina de escrever na cabana isolada. A neve caía lá fora. Ele precisava de inspiração para terminar o romance que prometera escrever naquele retiro, mas as palavras se recusavam sair. Após horas encarando o papel, teve uma ideia: por que não criar um personagem que enfrentasse o mesmo bloqueio que ele?
E assim nasceu Felipe.
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Felipe era um jovem contador de histórias numa vila à beira do deserto. Sentado sob a sombra de uma figueira, ele entretinha os aldeões todas as tardes com suas narrativas cheias de aventuras. No entanto, ultimamente, sentia que algo que faltava. Seus contos não o emocionavam como antes. Uma noite, em um sonho, viu um velho misterioso que lhe disse: "Procure a história que contém todas as histórias." Ao acordar, Felipe sabia o que precisava fazer: escrever sobre alguém que tivesse a coragem de buscar essa história maior.
E assim nasceu Ana.
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Ana era uma jovem bibliotecária de uma cidade grande. Ela passava seus dias catalogando livros esquecidos e imaginando viver as aventuras descritas naquelas páginas. Um dia, enquanto limpava uma sala trancada há décadas, encontrou um cofre antigo. Dentro, havia um manuscrito incompleto, com letras tão caprichadas que pareciam dançar no papel. O texto falava sobre um sábio que guardava um segredo universal, escondido em um espelho mágico. O espelho, dizia o manuscrito, era capaz de mostrar a essência de todas as histórias já contadas — e até mesmo aquelas ainda por serem escritas.
Ana ficou obcecada pela ideia. Decidiu completar a história por conta própria e escreveu sobre o sábio entregando o espelho para uma jovem em busca de respostas. Ao olhar no espelho, essa jovem via reflexos de diferentes histórias, e uma delas a intrigava: um homem solitário, em uma cabana na neve, batendo furiosamente em uma máquina de escrever.
Ana deu um salto da cadeira. Reconhecia o homem. Ele era o autor. Ele era... Eduardo.
***
De volta à cabana, Eduardo parou de escrever e franziu a testa. Algo no desfecho da história o incomodava. "E se... o espelho realmente existisse?", pensou. A ideia era absurda, mas não conseguia afastá-la da mente. Levantou-se, caminhou até o pequeno banheiro da cabana e olhou para o espelho manchado pelo tempo.
E então ele viu.
No reflexo, estava Felipe, sentado sob a figueira, sorrindo para ele. Atrás de Felipe, viu Ana, segurando um manuscrito e encarando-o com olhos arregalados, como se pudesse vê-lo também. Eduardo piscou, incrédulo. Quando olhou de novo, o reflexo havia mudado: agora mostrava sua própria imagem, mas ele segurava um espelho em vez de olhar para ele.
"O que significa isso?", murmurou.
Como se em resposta, palavras apareceram no vidro, escritas por mãos invisíveis: "Você está lendo o que escreveu. Mas quem está escrevendo você?"
Eduardo recuou, assustado, mas depois começou a rir. Um riso nervoso e aliviado ao mesmo tempo. Voltou à máquina de escrever e, com um sorriso, escreveu a frase final:
"Felipe contou sua última história; Ana escreveu seu último manuscrito. E Eduardo riu, pois sabia que era apenas um personagem, observando-se no espelho de outro escritor. Afinal, toda história é um reflexo do leitor."
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Com isso, Eduardo fechou a máquina de escrever e olhou para o teto, sentindo pela primeira vez que tinha alcançado o que procurava.
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Enquanto isso, você, leitor, ao terminar de ler estas palavras, talvez tenha sentido algo familiar: a leve impressão de que alguém, em algum lugar, está observando você