O Homem de Outra Dimensão
Cada universo é um escape da imaginação divina, que jamais caberá em um só.
— Provérbio Hitaísta.
Era mais um sábado à noite, e pessoas novamente disputavam o espaço no bar. Por entre as mesas e cadeiras pouco ajustadas e quase coladas umas nas outras, olhares curiosos espreitavam a moderna televisão.
Quatro amigas se instalaram à mesa frontal, depois que o garçom responsável, gentilmente, convenceu os três rapazes boêmios a trocarem de lugar, em nome do velho cavalheirismo. Coisa rara nos dias de hoje, mas que, devida à gigantesca influência de uma jovem celebridade, estava, aos poucos, sendo resgatada das cinzas do passado.
Tratava-se de um jovem rapaz crescido em Nova York, criado por uma família de magnatas da tradicional Ilha de Manhattan.
O garoto dizia ter vindo de outro mundo, o que, durante a sua adolescência e juventude, levou ao rótulo de louco. Sendo isso verdade ou mentira, havia bastante tempo que já não interessava mais. Somente o fato de que ele tinha superpoderes (capacidade de controle espacial e sobre os elementos físico-químicos), sendo que, num determinado dia, decidiu ganhar a vida salvando o mundo, como nos bons filmes de super-heróis.
A ficção parecia ter saltado das telas de cinema para a realidade. O mundo, além de viver sob crescente euforia, passava por um otimismo vertiginoso, que era quase inteiramente depositado sobre o jovem rapaz.
Com seus atuais vinte e sete anos, era entrevistado em todos os jornais, das pequenas mídias alternativas às megacorporações da imprensa. Arrancava os suspiros de meninas e jovens mulheres, encantadas com seu cavalheirismo. Um cavalheirismo que se esvaiu com o tempo, mas agora apresentava um retorno promissor.
Aquela noite, em especial, era um grande marco na carreira do super-herói do mundo real. Marcava a sua nomeação como embaixador da ONU, que mantinha todos os clientes do bar, e até os garçons, compenetrados.
Da mesa frontal, as quatro amigas alternavam seus olhares, que ora se lançavam sobre a televisão, ora pousavam no garçom responsável por atendê-las, que surgia dos fundos do bar segurando uma nova bandeja. Com um gesto de profunda reverência, ofereceu-lhes mais algumas bebidas.
As quatro amigas agradeceram solenemente e retribuíram com uma gorjeta. Três delas eram muito morenas, e uma chamava atenção pelo brilho de seus longos cabelos louros, que cintilavam ao luar e à luz de velas e contrastavam com os das outras. Ela indagou:
— Posso perguntar uma coisa para o senhor?
O garçom esboçou um sorriso por entre a barba bem-cuidada. Seu olhar fitou a jovem mulher de cabelos louros com cautela.
— Pois não? — Encurvou os ombros mediante um gesto de delicadeza.
— Quem ensinou isso para o senhor?
Fez-se silêncio.
— O que, exatamente?
— Esse cavalheirismo todo. Parece que o senhor é um viajante no tempo vindo do passado.
— Hum... acha isso estranho... hum... ultrapassado?
— Nem uma coisa nem outra!
— Muita gente desse mundo acha.
— Desse mundo? — Os olhos da mulher se arregalaram.
O rapaz pareceu ligeiramente desconcertado.
— Foram meus pais que me ensinaram essas coisas. E todas as pessoas decentes de onde venho.
— E de onde você vem?
O garçom silenciou por um momento. Vagou o olhar pelo bar e fora dele, como se quisesse se certificar de que não havia ninguém escutando.
Aproximou-se e murmurou:
— Continue assistindo à televisão, que ela lhe trará respostas.