Pulgas Samurais
Pulgas Samurais
Estamos em 1250 D.C.
Todos os cachorros de uma pequena vila vivem em harmonia. Eles tomam banho uma vez por semana, seus donos passam horas vasculhando seus pelos a procura de pulgas e carrapatos. Mas o que os donos não sabem é que nas camas dos animais é onde se encontram os ovos e larvas dos filhotes de pulgas. Apenas os adultos permanecem no animal.
E em cada casinha de cachorro existe um clã, uma família. Ela é liderada pelo daimiô, o chefe que controla tudo o que ocorre entre os pelos de seu território.
O daimiô tem um conselho de sábios, ministros que conhecem muito sobre diversos assuntos. A proteção do clã é feita pelas pulgas samurais. Elas são dedicadas e seguem um rigoroso código de honra.
Os conselhos dos sábios de praticamente todos os clãs decidiram ser prudente que o daimiô permanecesse com sua família real, guarda pessoal de samurais, ministros, servos e seus filhotes na cama do cachorro. Afinal, era muito arriscado permanecer no cachorro durante o dia, uma vez que esse poderia acabar tomando um banho e, o daimiô com sua família, seriam mortos a dedadas. No final do dia, todos os que ficavam na casinha subiam no cachorro e se alimentavam.
Durante o dia, o cachorro não poderia andar sem nenhuma pulga protegendo todo aquele território. Haveria o risco de pulgas inimigas adentrarem em seus pelos.
E a vila estava cheia de ronins, esses que eram pulgas samurais sem qualquer daimiô para servir. Muitos deles fugiram enquanto ocorriam os banhos nos cachorros. Por esse motivo, de manhã até a noite, o cachorro passeava com samurais do clã fazendo sua proteção. Haviam lutas diárias entre samurais e ronins, usando suas afiadas katanas, nome de suas espadas. Quando um ronin humilde suplicava por alimento, sem demonstrar qualquer ameaça, a guarda o deixava se alimentar. Mas quando eram violentos, rapidamente os samurais os derrotavam.
Todos os clãs viviam pacificamente. Cada qual em sua casinha de cachorro.
Mas em um dia, o pai da família que era dona do cachorro chamado Fujiwara perdeu seu emprego. E os cuidados com a higiene do cachorro foram deixados de lado. Rapidamente, houve relatos ao seu daimiô que era seguro passear durante o dia, afinal, muitas semanas se passaram e nenhum banho havia sido dado no cachorro. E nenhum samurai foi dedado. Os ministros se reuniram:
-Podemos passear como nossos antepassados faziam – Observava um sábio bem idoso.
-Além de tolice, é perigoso! Não estamos aqui para “passear”. Estamos para manter nossa linhagem! Pode ser que por azar no dia em que sairmos passear ele receba o tão temível banho! – Falou o ministro do planejamento.
Todos concordavam.
-Ótimo para todos nós, uma verdadeira benção. Nossa prole cresce como nunca cresceu, temos muitos soldados, servos e o alimento é sem fim. – O ministro da economia falava com um grande sorriso e com reverência, inclinando levemente o corpo para frente.
-Terrível! – Gritou o ministro da guerra – Se os outros clãs descobrirem que estamos em posição tão privilegiada, nos atacaram para ter nosso suprimento inesgotável de alimento!
Houve um silêncio. O imperador terminou de tomar seu chá e, colocando suavemente a xicara no chão, que era a pele do animal, disse:
-Já basta! Manteremos em segredo. É muito arriscado expormos nossa sorte. Fiquem atentos, acredito que essa benção será um duro golpe contra nós!
Mal acabara de dizer isso e, em outros clãs, ministros discutiam sobre um possível cachorro favorecido que dava muito alimento durante o dia. Falavam sobre um clã que não sofria com banhos e morte. Então começaram as visitas indesejadas. Cada clã da vila mandava um emissário real ao cachorro Fujiwara para conversar com o conselho e pedir favores. O emissário chegava humildemente com suas ordens e os samurais de Fujiwara não podiam o atacar nem expulsar. O emissário, à noite, se reunia com o conselho do clã Fujiwara. Após comer bem e beber a história era sempre a mesma:
-Suplicamos que seus samurais não nos ataquem. Estamos com fome, toda semana morrem honrosamente muitos de nossos guerreiros. Usam até sabão de coco! E as moças da vila tem unhas cumpridas, é possível ouvir os gritos e estalos de longe. Permita que eles visitem seu território durante o dia. Apenas durante o dia...
O conselho se reuniu com o daimiô de Fujiwara, mas esse nem deixou eles deliberarem, isto é, chegarem em uma solução:
-Não! Eu não preciso consultar o conselho para saber que será o nosso fim! Em pouco tempo farão de nosso território o deles, afinal, estão em maior número. Ministro da guerra, reúna todos os samurais possíveis e deixe-os em prontidão dia e noite em nosso cachorro.
Assim o general fez. Mas já era tarde. Após aquele dia, muitos samurais de outros clãs começaram a invadir Fujiwara. Esses invasores agiam por conta própria, para escapar do previsível banho que seu próprio cachorro tomaria. Apenas nos dez primeiros dias os samurais de Fujiwara voltavam ilesos a noite para a casinha do cachorro. Depois disso, veio a barbárie!
Os outros clãs se uniram para repartir Fujiwara. Somaram seus exércitos e começaram uma guerra! Planejaram como fariam os ataques.
O clã de Fujiwara havia mandado espiões para vários cachorros de outros clãs. Esses se misturavam aos samurais inimigos fingindo ser ronins com fome. Antes da noite cair, eles saltavam dos cachorros inimigos e iam pulando até Fujiwara antes dele ir para a casinha. Ao chegar, revelavam aos ministros os futuros planos dos invasores.
Fujiwara preparou uma defesa. Os samurais em cima do cachorro trançaram os pelos dele formando uma enorme muralha. Nas áreas mais retas do cão, nas laterais, arrancaram os pelos deixando a pele nua. O cachorro Fujiwara parecia usar um penteado moicano.
Essa posição privilegiada favorecia o clã de Fujiwara ao fazer com que os arqueiros acertassem e repelisses os ataques das tropas inimigas de forma muito eficiente. Porém, sobravam três pontos fracos: A cabeça, o rabo e a bunda do cachorro. Apesar de estarem peladas, eram terrenos planos que não davam a mesma vantagem aos arqueiros como as outras partes do cão. E o inimigo percebeu isso após algumas derrotas.
Os espiões trouxeram as péssimas notícias. Um ataque pelos três pontos ao mesmo tempo! Como iriam se defender? Não seria possível. No início das batalhas contra a união dos clãs, de cada dez samurais de Fujiwara que partiam, nove voltavam vivos. Mas nas últimas batalhas, de cada dez voltavam quatro! Mesmo com a superioridade das muralhas e dos arqueiros, as baixas eram numerosas. Isso por que os samurais ainda precisavam enfrentar pulga a pulga os inimigos que se escondiam na barriga de Fujiwara.
Na mesma noite iniciou-se o fim do clã de Fujiwara. Seguindo o bushidô, o código de conduta que diz ser dever de um samurai ter uma morte honrosa, o daimiô de Fujiwara cometeu hara-kiri (seppuku). Seguindo um ritual, utilizou sua katana e a enfiou lentamente em seu abdômen. Quando ele terminou de realizar dois cortes, um na horizontal e outro na vertical, o ministro da guerra cortou sua cabeça.
Todos os ministros guardaram segredo do ocorrido e ordenaram para que todos os samurais do clã, inclusive os da guarda real, subissem no cachorro Fujiwara naquela noite. E pela manhã o território partiu.
Anoiteceu e devagar se aproximava o cachorro Fujiwara com a língua para fora. Ele entrou na casinha, se acomodou girando seu corpo como era de costume. Todos esperavam os samurais descerem para que os outros subissem e se alimentassem. Mas houve silêncio. Foi quando alguém do clã de Fujiwara gritou:
-Olhem aquilo!
Vários e vários pelos do cachorro tinham cabeças dos samurais de Fujiwara cravadas nas pontas deles. A população da casinha começou a gritar em desespero. Mal começou o tumulto e samurais de diferentes clãs pularam cortando a cabeça de todos os membros do clã de Fujiwara, pois temiam que, se deixassem eles vivos, haveria vingança. Os ministros de Fujiwara cometeram seppuku.
Os homens que viveram naquela época viram apenas cachorros passeando durante o dia e voltando para suas casinhas a noite. E um deles tinha um penteado diferenciado.
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