Revelações do passado
A luz...Mas que luz? Não havia claridade alguma em volta de Sabrina, ali, no meio da floresta. Estava aparentemente sozinha, paralisada, hipnotizada. Não percebeu quando sua amada avó, Gui e os outros se aproximaram correndo em sua direção. Por mais que todos gritassem pelo seu nome, a situação não mudava. Estaria presa novamente, perdida em algum pesadelo doloroso?
Diferente das terras próximas à casa de Madame Sofia, onde tudo era limpo e organizado, aquele trecho da floresta estava em trevas e escuridão. Naquele pedaço de chão, o caos reinava, totalmente distante da luz. Ao se aproximar da garota e tocá-la, a fim de despertá-la do que quer que fosse que a estivesse prendendo, Giovana percebeu uma inquietação angustiante em seus olhos. Estavam abertos, mas não enxergavam nada, e o que transmitiam era puro horror e uma dor sem tamanho.
O vento que soprava em volta era gelado, trazia uma melodia de maldade, exalava um cheiro de morte e a sensação de uma solidão fria e sinistra. Ouviu-se uma voz assustadora, brotando do fundo escuro da floresta, embalada pelo vento, gritando:
"Por que vieram aqui?! Ela é minha! Vão embora!" Depois, soou uma gargalhada medonha e, em seguida, o silêncio se formou, denso. A respiração assustada de cada um ali presente podia ser ouvida desde muito longe. Parecia que o vento estava congelado no ar, o frio em torno de Sabrina congelava a espinha.
Carlos e Gui se colocaram a uma distância segura, de onde poderiam interceptar qualquer coisa que se aproximasse do grupo para atacar. Enquanto Giovana e a avó de Sabrina se aproximaram para tentar despertá-la de algum modo.
"Gui, você o está vendo?" Perguntou a moça ruiva, olhando em todas as direções, tentando identificar a localização daquela voz sinistra. "É o vampiro?" Concluiu se aproximando de Sabrina, que tremia de frio e de medo.
"Sim, é o vampiro, mas eu não posso ver de onde ele está nos vigiando. Posso apenas sentir as suas vibrações negativas vindo em nossa direção." Respondeu o gigante com voz firme.
"É muita maldade e dor, eu não sei se aguento isso por mais tempo." Falou Carlos, sucumbindo ao medo.
“Fiquem firmes irmãos. Se mantenham firmes. Ele não pode nos atacar se estivermos com o pensamento firme e positivo, emitindo luz e amor.” Advertiu Gui, depois concluiu: “Basta se lembrar de nossos treinamentos.”
"Tire as suas garras sujas de Sabrina, coisa horrorosa! Porque maltratá-la desse jeito?" gritou com a voz feroz a avó da pobre garota.
Em seguida, Giovana fechou os olhos e, do mesmo modo que Madame Sofia a instruiu em treinamentos, por incontáveis vezes, em uma prece sublime, irradiando uma luz muito branca da palma de sua mão, a colocou sobre os olhos de Sabrina, na tentativa de, mentalmente, se encontrar com a garota no mundo de pesadelos onde ela estivesse presa. A atmosfera em torno da garota chegava a ser nojenta, estava muito envolvida pelas vibrações negativas do vampiro. Este estava sugando cada gota de bondade que a garota possuía.
Foi bastante difícil para Giovana se aproximar, mas, com um pouco mais de concentração a jovem ruiva conseguiu contato com as visões que Sabrina estava tendo e vivendo naquele momento nefasto.
Neste mesmo instante, Carlos conseguiu finalmente se acalmar e retomar a concentração necessária para, junto de Gui, construir uma esfera de proteção de luz muito branca em volta de si, de Gui e das meninas. A luminosidade que conseguiram produzir com o poder dos pensamentos e dos sentimentos era gigantesca. Podia-se ver o clarão daquela esfera protetiva há vários quilômetros dali, expelindo toda a treva e maldade que estava escondida naquele canto da floresta.
“Não podem levá-la de mim, malditos! Ela é minha.” Gritou, num grunhido animalesco, a voz infame e perversa que vinha do canto mais obscuro da floresta.
“Ela vai conosco sim, coisa horrenda.” Gritou decidida a avó da garota, e se pôs a postos, se preparando para se defender de qualquer golpe que o vampiro pudesse dar. “Ninguém é de ninguém. Pare de torturar essa pobre criança! Porque tamanha maldade? O que ela te fez para merecer tudo isso?”
“Não importa! Ela é minha! E eu vou acabar com tudo o que ela ama.” Respondeu a voz medonha.
“Isso tudo é por vingança?”
“Ela me roubou tudo o que eu mais amava…agora eu vou tirar tudo dela, tudo que ela ama.” Sussurrou a voz medonha, quase triste, depois soltou uma gargalhada louca, feroz, muito alta e demorada. Naquele momento o medo parecia insuportável, a gargalhada cada vez mais alta. Depois sumiu totalmente no silêncio da noite que começava a cobrir a floresta. A lua começava a aparecer, desenhando sombras medonhas em todas as árvores em volta.
“Sabrina! Pode me ouvir? É a Giovana, se lembra de mim?” Sussurrou a jovem ruiva, bem próximo do ouvido de Sabrina, tentando despertar a garota do hipnotismo tenebroso daquele vampiro que até aquele momento não se atreveu a se mostrar.
Em um instante tudo se fez em total silêncio. Giovana via tudo o que se passava na mente de Sabrina, era desolador. Em volta estava tudo parado, o vento parou novamente, a luz que Carlos e Gui projetavam parou de crescer. O suspense era aterrador, bem no centro daquele círculo a garota mal respirava. Todos rogando ao Criador por mais proteção, tentando irradiar vibrações positivas.
“Me perdoe.” Saiu a voz quase inaudível de Sabrina. “Hoje eu sei que fiz tudo errado, me perdoe, por favor! Eu a amava também, e ela tinha de ser minha, não sua. Mas agora eu sei, meu egoísmo e inveja nos destruiu a todos. Ninguém pode pertencer a outra pessoa. Somente os laços de amor podem nos unir. Perdoe-a também, por favor, deixe-a livre. Estou muito arrependida do mal que te causei, e ela também está.”
“Mentirosa!” Gritou a voz terrível, e no mesmo instante tudo se agitou novamente, o vento gelado parecia ainda mais forte agora, chegava envergar os galhos das árvores, até o ponto de se quebrarem. Os estalidos da madeira se partindo, o barulho amedrontador do vento uivando abalou a concentração de todos. Então a luz que irradiavam começou a enfraquecer, o medo começou a tomar conta.
“Não deixem a concentração diminuir!” Implorou o gigante com voz firme. “Ele não pode nos atingir se mantivermos a nossa mente concentrada em nosso trabalho. Irradiem mais luz.”
Giovana, que estava muito próxima de Sabrina, recebia toda a carga negativa das investidas do monstro. Sua maldade e rancor atingiam as garotas como dardos envenenados de ódio e escuridão. Estava muito difícil manter a concentração, mas a todo custo Giovana tentava encontrar Sabrina no meio da turbulência que via em seus pensamentos e lembranças. Com coragem vasculhava entre as memórias da garota à procura do que ela havia sido momentos antes de ser raptada covardemente pelo vampiro. Junto com Madame Sofia a jovem havia aprendido a viajar pelos sonhos daqueles que estavam fragilizados, para tentar fortalecê-los, a fim de que lutassem, com força própria, para se libertar do mal que os afligiam. Encontrou a garota, perdida em meio ao caos, num mundo de puro pesadelo e dor. Era criança ainda, aparentemente feliz, naquela lembrança, antes de ser dominada pelo ser maldito. Naquele pequeno reduto de luz, Sabrina, ainda criança, já estava presa à maldade do vampiro, que já a envolvia, desde a época de seu nascimento, à espreita de um único sentimento negativo para começar a dominá-la.
Giovana pode ver e sentir, as lembranças da garota, todas as tentativas que o infame criminoso fez de tentar destruí-la. Não conseguiu por causa da presença amorosa da mãe e da avó de Sabrina. Giovana precisava tocá-la, de algum modo, naquele estranho mundo, onde todas lembranças se reuniam em um único ponto, no mesmo instante. Então continuou dizendo para a garota, com a voz bastante doce:
“Sabrina, se acalme, me ouça. Deixe ir embora estas lembranças dolorosas. Tente despertar desse pesadelo.”
“É tudo minha culpa Gi.” Respondeu Sabrina. “Eu a roubei dele, e o matei, a sangue frio. Foi há muito tempo, acredite, foi a muitas vidas…”
“Como pode se lembrar dessas coisas minha pequena?” Indagou a avó da pobre garota, com muitas lágrimas nos olhos.
“Vovó, eu já fui muito má, mas eu não quero mais ser…me ajude…Graças à senhora e à mamãe e papai eu aprendi o verdadeiro sentido do amor.”
“Você não é má Sabrina. Abandone esses sentimentos negativos e volte para nós.” Implorou Giovana.
“Tenho de pagar o que devo a ele.” Respondeu Sabrina, e então se dirigiu novamente ao vampiro. “Se me quer, pode me levar. Só me prometa não machucar mais ninguém.”
O silêncio se fez denso novamente, atmosfera ficou tensa e pesada, mal se ouvia a respiração entrecortada de todos ali no meio da floresta, e em um instante aquela voz medonha o despedaçou:
“Nunca! Eu vou destruir a todos, e quantos mais eu destruir, mais forte eu fico…Quero por um fim nesse mundinho de fantasia em que vocês vivem. Vou matar a todos e destruir seus espíritos, toda luz que vocês amam eu vou extinguir. Cada memória boa, cada sonho bom.”
E do lugar mais negro da floresta surgiu aquela criatura grotesca. Ela não possuía uma forma, era como se fosse uma fumaça, densa e escura, no lugar dos olhos duas brasas flamejantes, a boca era uma caverna que exalava um cheiro de podridão e morte. Pairava no ar como um pesadelo vivo e investiu com força e ódio contra o grupo. Se não fosse a proteção luminosa dos jovens corajosos ele os teria ferido a todos. A raiva que a criatura sentia pela presença da luz ali podia ser tocada no ar. Não fosse o treinamento exaustivo, a fé e a coragem daquele grupo todos já teriam saído correndo dali, tamanho medo que sentiram, e abandonado Sabrina à própria sorte, prestando contas de um passado que não se lembrava com a consciência desperta.
Mais uma investida da criatura, e mais outra, e mais outra, cada vez com mais raiva e ódio. Os seus gritos de fúria deixavam até os mais destemidos de pernas bambas. Mas não conseguia atingir ninguém mais.
“Todos aqui já passaram pelo desencarne. As portas da morte já nos foi escancarada.” Gritou o gigante encarando a criatura bem de frente, olhos nos olhos. “O que pensa que pode nos fazer de mal? Nada nos pode fazer! Vá embora daqui e nos deixe em paz!”
“Ou antes, perdoe a garota, e se una a nós, na luta pelo bem.” Falou Giovana olhando Sabrina docemente, a única que era atingida, naquele momento, pelas investidas do vampiro. A garota chorava de remorsos pelo passado longínquo, que agora só existia em suas memórias inconscientes. “Trabalhe conosco para o bem.”
“Nunca!!!” Vociferou a criatura horrenda. “Arrancarei tudo o que há de bom de vocês todos. Vai sobrar somente o remorso de seus crimes, de cada um de vocês…”
Então a criatura sumiu, num turbilhão de névoa escura.