A Calculista 4
Continuação do 3
— Mademoiselle Celine, fui enviado para guiá-la até o castelo de Montmirail — disse ele com uma voz polida. — Os senhores nobres estão ansiosos para discutir suas teorias e aprender mais sobre seus feitos. Seu nome está sendo muito comentado nas cortes mais prestigiadas.
Celine pegou o pergaminho com certa cautela. Ela não era estranha à desconfiança dos poderosos, e sabia que muitos nobres poderiam vê-la apenas como uma ferramenta para os seus próprios fins. No entanto, não podia ignorar a oportunidade de expandir suas ideias e, talvez, ajudar ainda mais pessoas. Se sua reputação crescia, quem sabe os poderosos se interessariam em usar seus conhecimentos para solucionar os problemas do reino.
No grande salão do castelo de Montmirail, a atmosfera estava carregada de tensão. As pesadas cortinas de veludo escuro pendiam das janelas altas, deixando apenas feixes esparsos de luz dourada iluminar o ambiente, onde cinco nobres estavam reunidos em torno de uma imponente mesa de carvalho. O ar cheirava a cera de vela derretida, misturado com o odor discreto de vinho envelhecido, ecoando o luxo e a opulência que só os poderosos podiam desfrutar.
O anfitrião, Lorde Raymond de Beaufort, o mais rico entre eles, era um homem de meia-idade com cabelos grisalhos bem aparados e olhos que exalavam desdém. Sentado à cabeceira, ele olhava para os demais com uma expressão de desconfiança e cálculo. Era conhecido por sua vasta fortuna, mas também por sua habilidade em manipular aqueles ao seu redor para atender aos seus interesses.
À sua direita, Lorde Gérard de Fontenay, um jovem aristocrata ambicioso, espiava as expressões dos outros com olhos astutos, enquanto tamborilava os dedos na mesa, impaciente. Mais afastado, estava o veterano militar, Sir Philippe de Gournay, conhecido por sua bravura no campo de batalha, mas cujas táticas eram tão rudes quanto suas maneiras. Ao seu lado, o devoto e fervoroso abade Louis de Rouen, de vestes simples, observava o desenrolar da conversa com um olhar impassível, mas atento.
O quinto homem, sentado à esquerda de Raymond, era o estrategista político e orador eloquente, Lorde Etienne de Clairmont, cujas palavras sempre carregavam o peso de uma mente afiada e perigosa. Era ele quem havia convocado essa reunião, o responsável por tentar manter uma coesão entre aqueles egos inflamados. A quietude incômoda do salão foi quebrada quando ele, com um leve suspiro, finalmente falou.
— Se for verdade o que dizem sobre essa mulher... — Lorde Etienne começou escolhendo suas palavras com cuidado enquanto ajustava a gola de sua túnica —, Bilene...
— Celine — corrigiu Gérard, revirando os olhos ao ouvir o erro. — O nome dela é Celine.
— Que seja! — retrucou Etienne, visivelmente irritado com a interrupção. — Celine, Bilene, pouco importa o nome. O que importa é o que dizem que ela faz. Se for verdade que esta mulher é capaz de solucionar problemas complexos com números e cálculos... então precisamos, urgentemente, de um plano para mandá-la embora assim que chegar ao castelo.
Lorde Raymond, com seu ar de superioridade, inclinou-se para frente, seus dedos deslizando pelos anéis de ouro que adornavam suas mãos, antes de olhar fixamente para os outros.
— E o que exatamente tememos? — sua voz saiu baixa, quase um sussurro. — O que uma mulher, por mais que seja inteligente, pode fazer que justifique tamanho receio?
Etienne o fitou diretamente, e em sua voz havia um tom de advertência.
— Não se engane, Raymond. As pessoas têm falado sobre ela. Camponeses, plebeus, e até mesmo outros nobres... A reputação de Celine cresce a cada dia. Se ela resolver os problemas que nem nós, com toda nossa influência e riqueza, não fomos capazes de solucionar, nossa posição ficará ameaçada. Você sabe o quanto o rei já está insatisfeito.
— Isso é perigoso — acrescentou Gérard, com um sorriso cínico. — Se o povo começar a ver essa mulher como a solução para todos os seus problemas, o que nos restará?
O salão ficou em silêncio por um momento. Sir Philippe, sempre direto e impetuoso, socou a mesa com força, fazendo os cálices tilintarem.
— Então, o que faremos? — ele rosnou. — Se é uma ameaça, devemos eliminá-la. Mandar um grupo de soldados interceptá-la antes que chegue ao castelo. Isso resolveria o problema de uma vez por todas.
— Philippe! — interrompeu o abade Louis, erguendo a mão com um olhar severo. — Não podemos recorrer a tamanha brutalidade. O povo já está inquieto com os impostos e a fome. Se alguém descobrir que mandamos matá-la, seremos vistos como tiranos. Isso só pioraria nossa situação.
O ar ficou pesado novamente, mas dessa vez por conta das palavras de sabedoria do abade. Todos sabiam que ele tinha razão. Não poderiam agir com violência aberta. Isso traria consequências imprevisíveis.
Lorde Raymond, porém, manteve-se em silêncio, seus olhos brilhando de forma enigmática. Após alguns segundos de reflexão, ele finalmente falou.
— Nós não precisamos matá-la. — Sua voz cortou o silêncio como uma lâmina afiada. — Nós a faremos duvidar de si mesma. Usaremos seu próprio orgulho contra ela. Se essa Celine falhar em um desafio matemático que preparamos... algo impossível, sua reputação será destruída. O povo não confiará mais nela, e a única coisa que restará será sua vergonha.
Todos os olhares voltaram-se para Raymond. Ele sorriu, satisfeito com a atenção que havia conquistado.
— Eu sou a solução — continuou ele, levantando-se da cadeira com uma elegância contida. — Temos apenas três dias até que ela chegue. Proponho um desafio matemático, algo que parecerá legítimo, mas que não tem solução. Assim, quando ela falhar, o mito cairá. E será expulsa do castelo com sua credibilidade destruída.
— É um plano arriscado, mas eficaz — murmurou Gérard, com um brilho malicioso nos olhos. — Se for bem executado, Celine será vista como uma fraude.
O abade Louis, mesmo relutante, não encontrou falhas evidentes na proposta, e Sir Philippe, com um sorriso predador, pareceu finalmente satisfeito com a perspectiva de ver a jovem calculista humilhada.
— Então estamos de acordo? — questionou Etienne, observando cada rosto à mesa.
Todos assentiram. O destino de Celine estava selado, pelo menos nos olhos desses homens. Enquanto os nobres se levantavam e ajustavam suas vestes de seda e lã, Raymond deu o último comando antes de sair do salão.
— Temos três dias. Façam os preparativos. Este castelo não será palco para a glória de uma camponesa. Ela cairá em desgraça antes mesmo de ter a chance de erguer-se.
E, com isso, os nobres deixaram o salão, cada um rumando para seus próprios aposentos e responsabilidades, já traçando em suas mentes os próximos passos para derrubar a calculista que ameaçava suas posições de poder.
Dias depois, Celine chegou ao imponente castelo de Clairmont, localizado no topo de uma colina íngreme, cercada por densas florestas de pinheiros. O castelo, de pedras escuras e torres elevadas, parecia imponente e frio, mas o convite fora feito com cortesia, e ela sabia que era importante manter-se aberta às oportunidades.
Celine sentiu o coração bater mais forte à medida que se aproximava das grandes portas do salão nobre, o som de suas sandálias de couro ecoando pelas pedras do pátio. O convite para estar diante dos nobres era um marco em sua jornada, mas, por mais que o entusiasmo ameaçasse tomar conta, ela se lembrou das palavras de sua mãe, ditas em uma manhã tranquila de sua infância, enquanto ambas colhiam flores no jardim.
Continua no 5
Para não ficar uma leitura muito extensa e cansativa, visto ter outros textos a ser lindo, este capitulo inteiro dividir em dez partes..
Todos os erros de Português nos nomes próprios é devido estes mesmos nomes serem de origem francesa, onde foi ambientada toda a história.
Leia a...