A Calculista 3
Continuação do 2
Sua primeira parada foi na aldeia de Valonne, uma pequena comunidade encravada entre dois montes áridos, onde o solo seco e rachado parecia implorar por água. O vilarejo estava tomado por um ar de desesperança, com os campos de cultivo transformados em desertos de terra estéril e os rios que outrora corriam vibrantes, agora reduzidos a filetes de lama ressecada. As cabanas de madeira estavam cobertas por uma fina camada de poeira que parecia nunca se dissipar, e os rostos dos aldeões refletiam a dura realidade da seca que assolava a região há meses.
Ao chegar, Celine sentiu o peso das dificuldades que aqueles camponeses enfrentavam. Os homens trabalhavam arduamente nos campos, cavando trincheiras na esperança de encontrar alguma água, enquanto as mulheres carregavam baldes quase vazios, seus olhares cansados e sem esperança. O sol castigava a terra implacavelmente, e o vento seco soprava com força, levando consigo as poucas folhas que ainda restavam nas árvores debilitadas.
— Você deve ser a calculista de quem ouvimos falar — disse um dos anciãos da aldeia, aproximando-se com um cajado nas mãos trêmulas. Seus olhos estavam cheios de ceticismo, mas havia um fio de esperança em sua voz. — Se puder ajudar-nos, será uma bênção. Nossos campos estão morrendo, e logo nós também.
Celine respirou fundo, sentindo a pressão aumentar. Embora ela fosse jovem, sua confiança era inabalável. Observou atentamente os arredores, fazendo perguntas simples, mas precisas, que pareceram surpreender os aldeões.
— Quais são as fontes de água mais próximas? — começou ela, olhando para os montes e traçando com os dedos linhas imaginárias pelo terreno. — E há quantos anos essas terras são cultivadas?
Os moradores responderam de forma hesitante. As respostas vinham com lentidão, pois muitos nem sequer haviam considerado tais questões. Eles falavam sobre o rio ao norte, que tinha secado anos atrás, e os poços que ficavam cada vez mais fundos sem resultado. Celine, no entanto, começou a calcular mentalmente, traçando um plano.
— Há uma solução — ela disse finalmente, apontando para o monte mais alto a oeste. — Se escavarmos um canal que venha das encostas daquela colina, podemos aproveitar as poucas chuvas que ainda caem, além de desviar as águas subterrâneas. O solo está compactado, e é por isso que a água não se infiltra. Mas se criarmos canais e pequenas barragens para coletar a chuva quando vier, conseguiremos irrigar esses campos, mesmo que lentamente.
— Mas como faremos isso? — perguntou uma mulher, a preocupação estampada em seu rosto. — Não temos ferramentas, nem força suficiente. E se não chover?
— Não é uma solução imediata — admitiu Celine, seu olhar firme, mas compreensivo. — Mas é um começo. Para isso, precisaremos coordenar os esforços. A forma dos campos deve ser alterada, de modo que a água não escape tão facilmente. Vocês têm alguma inclinação natural aqui, e podemos usar isso a nosso favor. As encostas podem ser esculpidas para conduzir a água para onde for mais necessária. Com o tempo, o solo voltará a ser fértil.
— E esses cálculos vão funcionar? — O ancião, mais uma vez, olhou para ela com uma mistura de dúvida e expectativa.
Celine sorriu levemente, mas com confiança.
— A natureza sempre responde aos cálculos corretos. O terreno, as chuvas, até o vento... tudo segue um padrão, mesmo que não possamos ver imediatamente. Eu faço as contas, mas cabe a vocês aplicar o que sugiro. Se seguirem o plano, o solo voltará a florescer.
Após um longo momento de silêncio, o ancião assentiu.
— Muito bem, jovem. Tentaremos.
E assim, Celine passou as próximas horas guiando os moradores na elaboração do plano. Com um graveto na mão, desenhou os cálculos no chão seco, traçando linhas e curvas que indicavam os futuros canais e barragens. Ela ensinou os aldeões a calcular as medidas das trincheiras, a inclinação do terreno e a forma ideal de cultivar as áreas mais férteis. Seu conhecimento foi aos poucos dissipando o ceticismo inicial, enquanto os homens e mulheres se revezavam para trabalhar no campo, seguindo suas instruções com crescente confiança.
Ao cair da noite, quando o sol finalmente começou a se esconder atrás das colinas, um pequeno grupo de aldeões se reuniu ao redor de Celine. Havia exaustão em seus rostos, mas também algo que não existia quando ela havia chegado: esperança.
— Se chover, como você disse, Celine... — começou um jovem camponês — talvez ainda tenhamos uma chance.
— Vai chover — respondeu ela, com a serenidade de quem sabia ler o mundo ao seu redor como poucos. — O cálculo nunca falha. Agora é esperar, e continuar trabalhando.
O desafio imediato estava resolvido, mas Celine sabia que muitos outros aguardavam. Ao olhar para o horizonte além da aldeia, imaginou as batalhas que ainda viriam, não apenas contra os elementos da natureza, mas contra aqueles que duvidavam de suas habilidades e queriam manter o reino na escuridão da ignorância.
O sucesso daquela experiência em Valonne encheu Celine de uma nova confiança. Ver os rostos dos aldeões se iluminarem à medida que seus campos voltavam a ser irrigados, lentamente recuperando a vida que pensavam ter perdido, foi mais gratificante do que qualquer reconhecimento que ela pudesse receber. O plano que ela havia traçado funcionara como esperado. As pequenas barragens captaram a pouca água das chuvas, e os canais desviaram a umidade para os pontos mais secos. Em poucos dias, as primeiras mudas de cevada começaram a brotar, tingindo os campos com um tímido verde. Os aldeões, que antes duvidavam de suas habilidades, agora a viam como uma salvadora.
— Celine, você nos deu uma nova chance — dissera o ancião da aldeia, com um brilho nos olhos antes opacos. — Nunca imaginamos que uma jovem pudesse mudar o destino de nosso vilarejo com algo tão simples quanto números. Mas suas contas trouxeram a vida de volta.
Ela sorriu em resposta, mas sua mente já estava projetando novas soluções para outras aldeias que precisavam de ajuda. Havia muito trabalho a ser feito, e seu sucesso em Valonne era apenas o início. A cada noite, Celine descansava pouco, mas sua mente estava sempre alerta, refazendo cálculos, pensando em como poderia adaptar suas ideias para diferentes terras e climas.
A Calculista de Montclair
Entre o Ceticismo dos Nobres e o Poder dos Números
A jornada a levou por vilarejos onde as dificuldades mudavam, mas a necessidade era sempre a mesma: fome, pobreza, terras mal aproveitadas e comunidades à beira do colapso. Em cada aldeia, ela encontrou um problema único, e em cada lugar ela deixou uma solução inovadora. Em Saint-Marcel, redesenhou os pomares para maximizar a luz solar. Em Brion, organizou a construção de moinhos de vento para irrigar os campos. Em cada vila, ela enfrentava o ceticismo inicial, mas, com o tempo, conquistava o respeito de todos, fazendo o impossível com suas fórmulas e cálculos precisos.
As notícias sobre a calculista de Montclair começaram a se espalhar. Não era mais uma história local; o nome de Celine se tornou conhecido até nos arredores da capital do reino, onde a corte de nobres e estudiosos começava a tomar conhecimento de seus feitos. Diziam que ela era uma espécie de maga dos números, alguém capaz de prever a natureza e dobrá-la ao seu favor.
Foi então que, em uma tarde nublada, enquanto atravessava uma região montanhosa em direção ao leste, Celine ouviu rumores de que um grupo de nobres estava interessado em conhecê-la. A princípio, ela não deu muita importância, preferindo concentrar-se em seu trabalho. Mas ao chegar a uma encruzilhada, foi abordada por um cavaleiro bem vestido, que, com uma reverência, lhe entregou um convite selado com o brasão de uma família nobre.
Continua no 4
Para não ficar uma leitura muito extensa e cansativa, visto ter outros textos a ser lindo, este capitulo inteiro dividir em dez partes..
Todos os erros de Português nos nomes próprios é devido estes mesmos nomes serem de origem francesa, onde foi ambientada toda a história.
Leia a...