Mulheres que conversam com lobos

Não sei se havia conseguido convencer o lobo, que continuava no meio do caminho que eu teria que passar para sair do templo de Vana, me encarando com seus olhos amarelos. Eu já estava pensando se havia algo na minha cesta de amostras que pudesse usar contra aquela fera, quando ouvi um pigarro vindo do poço às minhas costas. Quando me virei, ali estava Peter Key, torso nu suado, os cabelos escuros presos num rabo de cavalo, acabando de galgar as escadas entalhadas na pedra. Estendi-lhe a mão para ajudá-lo a sair do buraco, embora ele obviamente não precisasse de ajuda. Mas o lobo devia se convencer de que éramos amigos, e que eu não estava ali como espiã da "Feiticeira da Torre".

- Ei, Grogan! - Exclamei com falsa intimidade. - Eu estava aqui, esperando que você voltasse, e me entretive conversando com seu amigo, o ...

- Rasso - apresentou-se finalmente o lobo.

Peter Key - ou Grogan, para os lobos - franziu a testa.

- Pelo visto, foi uma conversa longa; já sabe até o meu nome verdadeiro!

- O Rasso me contou coisas muito interessantes, sobre a Savana Vana, a deusa Vana, e sobre a sua mestra, a Feiticeira da Torre - prossegui. - Mas será que já não está na hora de voltarmos? A Sybell pode ficar desconfiada e vir ver o que estamos fazendo...

Peter Key enxugou o suor da testa com as costas da mão e fez um gesto negativo.

- Minha mestra nunca sai da torre enquanto está aqui, mas entendo o que quer dizer.

- Ela pode mesmo nos ajudar, Grogan? - Inquiriu o lobo, meneando a cauda.

Peter Key balançou afirmativamente a cabeça:

- A mestra a invocou para vir até aqui, e ela chegou num carro voador - declarou, me encarando com admiração. - O cocheiro perguntou se queria que viesse buscá-la depois, e Portia disse que não precisava. Deve ser uma feiticeira muito poderosa, para ter esse tipo de magia à disposição...

"A magia do aplicativo", pensei, empinando o peito. Mas era bom ouvir o descamisado enchendo a minha bola; se Sybell não desse o devido valor ao seu homem-lobo, eu já tinha planos para ele quando voltasse para casa.

- Sua mestra já lhe falou como é o mundo de onde ela veio? - Indaguei, apalpando sem muita cerimônia um bíceps do rapaz.

- Ela diz que lá é muito barulhento - ponderou ele, me encarando com a mão no queixo. - Que certamente eu não iria gostar.

- Bom, tem muita gente, é fato - reconheci, seguindo cuidadosamente os contornos do bíceps com a ponta do indicador. - Mas eu moro num bairro tranquilo, charmoso; têm várias famílias de licantropos na região, ninguém vai reparar se você uivar para a lua cheia...

- Eu não uivo para a lua cheia - afirmou categoricamente Peter Key.

Aquilo me deixou ligeiramente decepcionada, mas não era nada que não pudesse ser resolvido depois, com uma boa conversa. Particularmente, acho uivos uma coisa muito sexy.

- Mas se você estiver disposta a nos ajudar, talvez algum dia eu possa ir conhecer esse seu bairro charmoso - sugeriu ele, me olhando de cima a baixo como se estivesse calculando se eu aguentaria o peso dele em cima de mim. Certamente que sim, senhor homem-lobo!

- Portia? - Peter Key estalou os dedos debaixo dos meu olhos, quebrando o encanto.

- Ah... sim, claro... eu posso te ajudar - tomei fôlego e voltei à terra.

- Você precisa nos ajudar a descobrir o paradeiro da deusa Vana - prosseguiu Rasso, lá da entrada do templo.

- Desconfio que essa não é uma prioridade da Sybell - ponderei. - Logo ela vai embora da Savana Vana.

- Mas você pode chamar a sua carruagem voadora quando quiser - lembrou Peter Key. - Pode ficar aqui, conosco, nos ajudando na busca!

- Aqui?! - Engoli em seco. Naquele descampado seco e silencioso, com ruínas e lobos falantes? Não, eu não tinha interesse em ficar ali, mesmo que fosse para desfrutar da companhia de Peter Key; e ele teria que partir com sua senhora e dona.

- Não exatamente aqui... lá embaixo - Peter Key apontou para o poço de onde saíra. - Venha comigo, eu vou lhe mostrar!

Eu já estava começando a achar que aquela não era uma boa ideia, mas Peter Key pegou na minha mão e me puxou para a beira do poço, de onde soprava uma corrente de ar fresca e úmida.

- Eu vou na frente, siga o que eu fizer - comandou ele, começando a descer enfiando mãos e pés nos buracos entalhados nas paredes de pedra.

Olhei para o teto, pedindo proteção à Deusa, e equilibrando minha cesta de amostras no braço esquerdo, comecei a descer seguindo o homem-lobo, para o que parecia ser um covil escuro onde os meus restos mortais só seriam encontrados depois de muitos séculos.