O BEIJO DE ZEUS
Na vastidão do Monte Olimpo, onde os deuses entrelaçam destinos e abrem as portas da eternidade, Zeus, o senhor dos céus e dos raios, olhava para o mundo dos mortais com um misto de poder e solidão. Ele havia governado os céus e a terra, invencível, mas seu coração, sem limites, ansiava por algo além da imortalidade. Foi então que, em uma tarde tempestuosa, ele avistou uma mortal de beleza incomparável. Seus olhos, tão profundos quanto a noite, e seus cabelos, como ondas de um rio prateado ao luar, prenderam Zeus em uma contemplação que nunca havia experimentado. Ela era Melíade, uma jovem aldeã que cantava para a noite como se pudesse abrandar as tempestades.
Zeus a observou, e a cada noite se aproximava um pouco mais, escondendo-se nas sombras. O que sentia era diferente, ardente e perigoso, e não demorou para que ele resolvesse se revelar. Em um lampejo de luz, desceu à terra disfarçado de mortal, e a procurou no bosque onde ela colhia flores. Melíade, ao vê-lo, soube que não era um homem comum. Aquele olhar intenso, que parecia conter todo o poder dos céus, a atraía e amedrontava. Por semanas, eles se encontraram às escondidas, em uma mistura de desejo e medo. Zeus, o deus invencível, rendia-se diante da simplicidade de uma mortal, e Melíade, sabendo que nada poderia deter o tempo, se entregava ao que sentia.
Os dias passam, e Zeus nunca mais tinha visto a sua amada. Sob a luz do luar, em uma clareira escondida entre as árvores, Zeus e Melíade encontram-se depois de um certo tempo, tempo esse que será o último encontro. A noite está carregada de tensão e tristeza, pois ambos sentem o peso do destino inevitável.
Zeus:
(Segura as mãos de Melíade com suavidade, os olhos fixos nos dela)
Melíade, tu és como um raio de luz na tempestade eterna que sou. Nunca imaginei que algo mortal pudesse tocar minha alma… E agora não sei como continuar sem ti.
Melíade:
(Com um leve sorriso triste)
Eu também sinto como se fosse um sonho. Ser amada por um deus, o senhor dos céus… é mais do que qualquer mortal ousaria desejar. Mas, Zeus, tu sabes que nosso amor é uma chama que os deuses não permitem que se mantenha acesa. Cada instante ao teu lado é também uma despedida.
Zeus:
(Apertando as mãos dela com mais força)
Não aceito isso, Melíade! Teu sorriso, teu calor… não deixarei que o tempo te roube de mim! Eu sou Zeus! Devo ser capaz de alterar o próprio destino.
Melíade:
(Baixa o olhar, resignada)
Ah, meu amado… Talvez o maior poder que tens é o de compreender a eternidade, mas o amor... o amor, para nós mortais, é tão efêmero quanto a vida. E é isso que o torna tão belo. Mesmo que eu morra amanhã, cada instante contigo terá sido eterno em meu coração.
Zeus:
(Com a voz trêmula, algo raro para o senhor dos deuses)
Eu daria minha imortalidade, Melíade. Por ti, enfrentaria os céus e os deuses. Se te perder, que sentido terá minha eternidade?
Melíade:
(Acaricia o rosto dele com ternura, as mãos frágeis tremendo)
Não foste feito para as correntes do tempo, meu amor. A eternidade é tua, e nela eu não posso existir… apenas como uma lembrança. Lembra-te de mim, Zeus, mas segue teu caminho. Eu não quero ser tua dor; quero ser tua lembrança mais doce.
Zeus:
(Com lágrimas nos olhos, um sentimento profundo de impotência o sufoca)
Se as estrelas, as montanhas, até os oceanos estão ao meu comando… então por que não posso te ter ao meu lado?
Melíade:
(Uma lágrima escorre enquanto sorri tristemente)
Porque alguns sentimentos não se curvam nem mesmo ao poder dos deuses. O que somos nós senão poeira sob os ventos do destino? Prometa-me que não se esquecerá, que guardará nosso amor em algum lugar do teu coração.
Zeus:
(Beijando a mão dela com reverência)
Prometo, Melíade… Em cada tempestade, em cada trovão, teu nome ecoará. Sempre serei teu.
Melíade:
(Com um último olhar cheio de ternura e despedida)
E eu, enquanto houver um sopro de vida em mim, serei tua. Até o fim.
Eles se abraçam, sentindo a despedida que corta como lâminas, sabendo que aquele momento é tudo que lhes resta. E sob uma lua pálida e trêmula, Zeus lhe prometeu amor eterno, e Melíade chorou. “Eterno, para mim, é o instante em que te vejo,” ela murmurou. Mas os céus guardam segredos e temem o poder do amor entre mortais e deuses. No momento em que ela o beijou, selando aquele amor com uma entrega completa, um trovão poderoso ecoou, cortando o céu em duas metades. Os deuses, ciumentos, puniram Melíade com a sentença mais cruel: seu tempo foi tomado. Em um piscar de olhos, ela começou a envelhecer diante de Zeus. Ele a segurou, desesperado, seus olhos cheios de uma dor que nunca sentira. Cada segundo era uma década para ela, e cada lágrima que ele derramava escorria como um rio de prata que se desfazia em pó ao tocá-la.
Ela sorriu, cansada, e tocou o rosto dele pela última vez. “Eterno é o instante, meu amor.” Com isso, seus olhos se fecharam, e ela se foi, deixando apenas um eco de sua canção. Zeus permaneceu no silêncio do bosque, o trovão silenciado, o vento apaziguado. E, desde então, cada tempestade é sua resposta aos céus, seu lamento eterno, lembrando-os de que nem mesmo o senhor dos deuses pode controlar o amor... e a perda. Zeus fecha os olhos, tentando gravar cada detalhe, e quando abre novamente, Melíade já não está. Apenas o vazio da noite permanece, com o eco suave da voz dela no vento.
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Ronald Sá, é ator, dramaturgo, diretor e professor de teatro. Tem mais de 30 textos teatrais escritos, tanto infantil e adulto. Mora em São Luís do Maranhão. Começou a se interessar pelas letras desde criança. Formado em Artes Cênicas, tem um grupo de teatro na periferia da cidade maranhense, Anjo da Guarda. Bairro cultural, celeiro de vários artistas. Atuou, escreveu e dirigiu 26 espetáculos. No momento, escreve sua primeira série e e seu primeiro livro sobre o mundo teatral.