A lua lendária

Seung-Heon balançou a cabeça, negativamente.

- Trata-se de um cometa - afirmou de modo categórico. - Você é um astrônomo sério, não deveria perder tempo com essas besteiras.

- Mas justamente por ser um astrônomo sério, fui fazer o meu dever de casa - redarguiu Ha-Sun, sem parecer ter se incomodado com o comentário do colega engenheiro. - Esses avistamentos têm sido descritos há dois, três mil anos, pelo menos. Encontrei referências ao fenômeno em estelas de pedra da dinastia Ping, em papiros da dinastia Chi, e até mesmo em códices centenários das bruxas de Hayan-Jigu.

- Você, um astrônomo imperial, foi pesquisar nos textos bárbaros do norte? - Questionou Seung-Heon, cenho franzido. - Os livros das bruxas são um amontoado de superstições, não há nada de útil que possa ser retirado dali. Já dizia o grande sábio Minsu...

Ha-Sun interrompeu-o com uma observação:

- Quinhentos e trinta e sete anos.

- Como é?! - Seung-Heon interrompeu a citação que ia fazer, e olhou intrigado para o astrônomo.

- É o período entre uma aparição e outra - explicou Ha-Sun. - Fiz os cálculos, tomando por base fontes diversas, e todas me permitiram concluir que o fenômeno é cíclico, se repete a cada 537 anos. Mais: pude prever que ocorrerá novamente... dentro de dois anos, entre o mês da cobra e do cavalo!

- Você calculou... quando um cometa vai aparecer? - Seung-Heon lançou-lhe um olhar cético.

- Ficarei feliz se quiser apostar algumas peças de ouro contra a minha previsão - sugeriu Ha-Sun com um sorriso sardônico.

- Não quero fazer sua família passar necessidades - replicou Seung-Heon altivamente. - Veja, Ha-Sun, ninguém nunca conseguiu prever a aparição de um cometa... exatamente por isso, estão associados a eventos funestos. Agora imagine que você acerta na sua previsão, e pega de surpresa o astrólogo imperial... isto certamente traria consequências funestas. Para você, principalmente.

Ha-Sun olhou surpreso para o engenheiro.

- Aposto que não havia pensado nisso, não é? - Seung-Heon cruzou os braços, em expectativa.

- Não do ponto de vista da intriga palaciana - admitiu o astrônomo. - Decerto que você tem lá a sua razão... o imperador certamente questionaria os conhecimentos de Ju-Won se eu confirmasse a minha teoria. E eu não tenho interesse em trocar a astronomia pela astrologia, mesmo que tal significasse uma promoção e um aumento de salário.

- Concordamos que certamente Ju-Won não viraria seu melhor amigo, e ele é um tipo bem vingativo - ponderou Seung-Heon. - Vocês, astrônomos, vivem com a cabeça entre as estrelas e se esquecem de que, aqui na terra, prevalecem interesses bem mais mundanos, rasteiros mesmo, na maior parte dos casos.

- Fico-lhe grato pelo alerta, - reconheceu Ha-Sun - mas mesmo que não torne público de imediato as minhas descobertas, pretendo prosseguir com a investigação dos fenômenos associados ao que você diria se tratar de um outro cometa.

- Se não é um cometa, que nome você dá ao tal visitante celestial? - Questionou Seung-Heon, mãos na cintura.

Ha-Sun pareceu tomar coragem antes de finalmente declarar:

- Uma lua. Não é um cometa, é uma lua.

O engenheiro baixou brevemente a cabeça e riu.

- Bom, me desculpe, mas acho que você está ficando maluco, Ha-Sun - disse, após erguer novamente a cabeça. - Por "lua" você quer dizer um astro girando ao redor de outro, como nós giramos ao redor do sol? Luas só existem em histórias folclóricas e mitos da criação, quase sempre associadas a um paraíso perdido ou coisa do gênero.

- Sim, há mitos e histórias religiosas que falam numa lua, muito grande, e que passaria por fases no céu - insistiu Ha-Sun. - E esse detalhe é importante, porque não creio que tenha sido inventado: as fases demonstram que a tal lua girava ao redor de um planeta, num ciclo de trinta dias.

Seung-Ho levou a mão ao queixo, encarando o astrônomo.

- Certo. E onde foi parar essa lua mítica? Como algo tão grande desapareceu?

- Bom, confesso que as lendas divergem bastante sobre o que teria acontecido com a tal lua, mas isso não é o mais importante aqui - prosseguiu Ha-Sun. - Eu não estou dizendo que esta lua, que nos visita em períodos de 537 anos, é a mesma lua dos mitos da criação; trata-se de uma outra lua, uma lua nossa.

- Uma lua nossa - repetiu cético o engenheiro, braços cruzados. - Não seria mais fácil admitir que você simplesmente previu a volta de um cometa, o que, por si só, já seria um feito notável caso confirmado?

- Porque não é um cometa - reiterou Ha-Sun. - Cometas têm caudas, e não há um único relato sobre o tal corpo celestial que fale numa cauda. Mas todos repetem que no ponto de maior aproximação, é possível ver que se trata de um disco... aliás, mais precisamente, uma esfera: passa por fases durante o período em que fica visível no céu. Segundo alguns relatos, chega a ser visível mesmo durante o dia.

- Fases... como a tal lua das lendas?

- Sim. Exatamente como a lua das lendas.

Subitamente, o engenheiro pareceu estar dando crédito ao amigo.

- E que eventos funestos você descobriu, associados com a tal aparição? Porque se puder alertar o imperador sobre algo que possa ameaçar o reino, mesmo sem pleitear o cargo de Ju-Won, certamente ganharia prestígio na corte.

Ha-Sun abriu um sorriso.

- Droga, Seung-Ho... eu não sou astrólogo!

O engenheiro apontou-lhe um dedo.

- Mas se você descobrir alguma coisa concreta sobre essa... lua... promete que vai me dizer?

Ha-Sun juntou as mãos e curvou a cabeça em saudação:

- Tem a minha palavra!

* * *

Naquela noite em casa, enquanto sua esposa lhe servia chá, o astrônomo recordou a conversa que tivera com Seung-Ho.

- A princípio, ele estava descrente, mas acho que acabou aceitando que eu poderia ter alguma razão... mesmo que, conforme ele insiste em dizer, se trate de um cometa.

- Acha que ele pode querer tirar proveito da sua descoberta, marido? - Questionou a esposa, com ar sério.

- Duvido que ele vá querer arriscar a própria reputação comentando essa história na corte, Ae-Ri - ponderou o astrônomo. - Mas Seung-Ho tem bons contatos no Corpo de Engenheiros... e vou precisar da ajuda deles para fazer pesquisa de campo em Hayan-Jigu. O que li nos códices que temos na biblioteca do palácio, dão a entender que as bruxas do norte têm conhecimentos sobre a tal lua muito mais amplos do que qualquer coisa que gerações de astrônomos imperiais conseguiram levantar.

- Ouvi dizer que as bruxas do norte têm poderes mágicos e conseguem falar com os mortos... acha que isso pode ter alguma relação com essa lua? - Indagou Ae-Ri.

Ha-Sun fez um gesto afirmativo.

- Creio que estamos só arranhando a superfície, esposa. Preciso ir lá e descobrir... antes que a lua volte ao céu!