ERA UMA VEZ, EM UM VILAREJO TRANQUILO, UMA JOVEM MULHER CHAMADA ELISA. ELISA ERA CONHECIDA POR SUA GENTILEZA E DEDICAÇÃO. TODOS OS DIAS, ELA ACORDAVA AO NASCER DO SOL, PREPARAVA O CAFÉ PARA SI E PARA SUA MÃE, CUIDAVA DO JARDIM CHEIO DE FLORES COLORIDAS E, DEPOIS, SEGUIA PARA A CIDADE ONDE TRABALHAVA EM UMA PEQUENA LOJA DE TECIDOS. SEUS DIAS ERAM SIMPLES, MAS CHEIOS DE SIGNIFICADO.

 

ELISA ERA A ALMA DA CASA. ELA COZINHAVA, LAVAVA AS ROUPAS, CUIDAVA DAS PLANTAS E DO QUINTAL. À NOITE, AO VOLTAR DO TRABALHO, LIA HISTÓRIAS PARA SUA MÃE IDOSA, COSTURAVA NOVAS ROUPAS E, ANTES DE DORMIR, OLHAVA AS ESTRELAS PELA JANELA, SONHANDO COM O QUE A VIDA AINDA PODERIA LHE OFERECER.

 

CERTA MANHÃ, ELISA SENTIU UMA BRISA DIFERENTE ENTRAR PELA JANELA ENQUANTO PREPARAVA O PÃO. ERA OUTONO, E AS FOLHAS DANÇAVAM NO AR. ELA SENTIU UM CALAFRIO, COMO SE ALGO A ESTIVESSE OBSERVANDO. IGNOROU A SENSAÇÃO E CONTINUOU SUA ROTINA. NO ENTANTO, ALGO ESTRANHO COMEÇOU A ACONTECER. SEUS PÉS, DE REPENTE, PARECIAM LEVES DEMAIS, E SUAS MÃOS, ENQUANTO MEXIAM A MASSA DO PÃO, COMEÇARAM A TREMER SUAVEMENTE.

 

AO SAIR PARA O TRABALHO, ELISA NOTOU QUE AS PESSOAS NA RUA OLHAVAM PARA ELA COM SURPRESA. ELA TOCOU SEU ROSTO, AJEITOU OS CABELOS E SEGUIU EM FRENTE, PENSANDO QUE TALVEZ ESTIVESSE APENAS CANSADA. PORÉM, AO FINAL DA TARDE, ENQUANTO ANDAVA DE VOLTA PARA CASA, PERCEBEU ALGO ASSUSTADOR. SUAS MÃOS ESTAVAM COBERTAS POR PENAS.

 

ASSUSTADA, CORREU PARA CASA E SE TRANCOU NO QUARTO. AO SE OLHAR NO ESPELHO, VIU QUE SEU CORPO ESTAVA LENTAMENTE SE TRANSFORMANDO. PENAS SURGIAM EM SEUS BRAÇOS E OMBROS. SEUS PÉS, ANTES TÃO ÁGEIS, ESTAVAM SE TORNANDO GARRAS. O MEDO TOMOU CONTA DE SEU CORAÇÃO.

 

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO COMIGO? — PERGUNTOU-SE, ANGUSTIADA.

 

ELA LEMBROU-SE DE UMA HISTÓRIA ANTIGA QUE SUA MÃE COSTUMAVA CONTAR, SOBRE UMA BRUXA QUE VIVIA NA FLORESTA PRÓXIMA. DIZIAM QUE ESSA BRUXA LANÇAVA FEITIÇOS SOBRE AS MULHERES DO VILAREJO, ESPECIALMENTE AS QUE ERAM FORTES E TRABALHADORAS, COMO ELISA. COM O CORAÇÃO ACELERADO, ELA SABIA QUE PRECISAVA AGIR RÁPIDO.

 

NO DIA SEGUINTE, ELISA DECIDIU IR ATÉ A FLORESTA, EM BUSCA DA BRUXA. JÁ ERA DIFÍCIL CAMINHAR COM SEUS PÉS, QUE SE PARECIAM CADA VEZ MAIS COM OS DE UM PÁSSARO. CADA BATIDA DE SUAS ASAS INCIPIENTES A FAZIA SENTIR-SE MAIS DISTANTE DE SUA HUMANIDADE. AO ENTRAR NA FLORESTA, ELISA SENTIU UMA PRESENÇA PESADA AO SEU REDOR. ÁRVORES ENORMES A CERCAVAM, E UM SILÊNCIO PROFUNDO TOMAVA CONTA DO LUGAR.

 

NO MEIO DA FLORESTA, ELA ENCONTROU UMA CABANA. À PORTA, ESTAVA A VELHA BRUXA, COM SEUS OLHOS BRILHANTES E UM SORRISO MALICIOSO NOS LÁBIOS.

 

— EU SABIA QUE VOCÊ VIRIA, ELISA — DISSE A BRUXA, COM SUA VOZ ROUCA. — O FEITIÇO ESTÁ QUASE COMPLETO. LOGO VOCÊ SERÁ UM PÁSSARO, INCAPAZ DE FALAR, INCAPAZ DE CUIDAR DE SUA CASA, DE SUA MÃE... E DE SI MESMA.

 

— POR QUE VOCÊ FEZ ISSO COMIGO? — PERGUNTOU ELISA, TENTANDO CONTROLAR O MEDO QUE CRESCIA EM SEU PEITO.

 

A BRUXA RIU.

 

— PORQUE VOCÊ É FORTE, E SUA FORÇA IRRITA AQUELES QUE NÃO PODEM TÊ-LA. MUITAS VEZES, AS MULHERES COMO VOCÊ SÃO VISTAS COMO AMEAÇAS. E EU FUI CONTRATADA PARA GARANTIR QUE VOCÊ NÃO SE TORNE UMA DELAS.

 

ELISA, MESMO APAVORADA, NÃO SE DEIXOU ABATER. SABIA QUE SUA ÚNICA CHANCE ERA ENCONTRAR UMA FORMA DE QUEBRAR O FEITIÇO. LEMBROU-SE DAS PALAVRAS DE SUA MÃE, QUE DIZIA QUE OS FEITIÇOS ERAM COMO CORRENTES INVISÍVEIS: FORTES, MAS NÃO INQUEBRÁVEIS. SEMPRE HAVIA UMA BRECHA.

 

— QUAL É O PREÇO PARA DESFAZER ISSO? — PERGUNTOU ELISA, ENCARANDO A BRUXA COM DETERMINAÇÃO.

 

A BRUXA A OLHOU, SURPRESA PELA CORAGEM DA JOVEM.

 

— SOMENTE UM SACRIFÍCIO PODE QUEBRAR O FEITIÇO — RESPONDEU. — ALGO QUE VOCÊ AMA PROFUNDAMENTE.

 

ELISA PENSOU POR UM MOMENTO. OLHOU PARA SUAS MÃOS, QUE ESTAVAM QUASE TOTALMENTE TRANSFORMADAS EM ASAS. PENSOU EM SUA MÃE, EM SUA CASA, NO TRABALHO QUE AMAVA. PENSOU EM TUDO O QUE TINHA CONSTRUÍDO COM TANTO CARINHO.

 

ENTÃO, ELA TOMOU SUA DECISÃO.

 

— EU SACRIFICO O MEU SILÊNCIO — DISSE ELISA. — NUNCA MAIS FICAREI CALADA DIANTE DAS INJUSTIÇAS, NUNCA MAIS PERMITIREI QUE ME FAÇAM PEQUENA. EU SACRIFICO A MINHA TRANQUILIDADE PARA LUTAR PELA MINHA LIBERDADE E A DE OUTRAS MULHERES.

 

A BRUXA, SURPRESA COM A ESCOLHA, SORRIU.

 

— VOCÊ É MAIS FORTE DO QUE EU PENSAVA — DISSE ELA. — SEU SACRIFÍCIO É ACEITO.

 

COM ESSAS PALAVRAS, AS PENAS DE ELISA COMEÇARAM A DESAPARECER. SUAS MÃOS E PÉS VOLTARAM AO NORMAL, E ELA SE SENTIU INTEIRA NOVAMENTE. PORÉM, ALGO HAVIA MUDADO DENTRO DELA. ELISA NÃO ERA MAIS A MESMA.

 

ELA VOLTOU PARA CASA E, NAQUELE DIA, SENTIU UM NOVO TIPO DE FORÇA. CONTINUOU COM SUAS TAREFAS DIÁRIAS, CUIDANDO DA CASA, DA MÃE E DE SI MESMA, MAS AGORA COM A CERTEZA DE QUE NINGUÉM JAMAIS A FARIA SE SENTIR PEQUENA OU SEM VOZ.

 

E ASSIM, ELISA SEGUIU SUA VIDA, NÃO MAIS COMO A MULHER QUE SOFRERA UM FEITIÇO, MAS COMO A MULHER QUE O QUEBROU.

Saulo Piva Romero
Enviado por Saulo Piva Romero em 11/10/2024
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