Rota de fuga

     A luz prateada da lua, vez por outra escapava entre o balançar da cortina soprada pelo vento, que se esgueirava fresco por entre os vidros semicerrados da janela. A lua irradiava sua pureza por todo o quarto, emprestando ao ambiente um clima de fantasia e de mistério. Paloma já dormia a algum tempo, sua respiração era serena e seus pensamentos deviam habitar em algum sonho bom. Sabrina podia ver o seu sorriso tranquilo sempre que o vento vinha e balançava o seu cabelo que ficava ainda mais loiro sob a luz prateada da lua.

     Em contrapartida, seu sono estava pesado, mas não, Sabrina não podia mais dormir, teria de ficar acordada e esperar um pouco mais. Iria se levantar e dar um jeito de sair dali para procurar sua casa e rever sua família. Tentar entender o que aconteceu aquele dia que choveu demais e ela se perdeu, vindo parar naquela casa esquisita. Aquelas pessoas pareciam realmente boas e justas, mas ela tinha pressa, precisava se livrar logo daquela sensação horrorosa que estava carregando dentro de si. As saudades de casa eram insuportáveis já, os seus pais deviam estar tristes demais pela sua ausência.

     Os ponteiros do relógio se aproximavam da hora que ela estimava não ter ninguém acordado de pé em casa. Momento este em que Paloma se mexeu, como se fosse despertar, resmungou qualquer coisa indecifrável, então virou de lado e continuou dormindo, profundamente. Oportunidade perfeita para Sabrina se levantar, feito isto, pegou papel e caneta e escreveu o bilhete de despedida e agradecimento.

     Para evitar ser pega de surpresa saiu sorrateira pelos corredores. Seu objetivo era ser bem rápida e não ser vista, não queria ser obrigada a dar explicações de seus motivos de estar indo embora. Havia prometido para todos que esperaria ajuda para não ter que sair sozinha de volta para casa, estava consciente que o caminho lá fora podia ser perigoso. Desejou ter os poderes de levitação de Madame Sofia naquela hora, pois o silêncio era total e cada passo seu parecia o de um paquiderme enorme, por mais cuidado que tomasse em não fazer barulho.

     Foi primeiro em direção à grande sala de leitura, que era a saída mais óbvia da casa. Estranho é que a porta que dava para o corredor de onde vinha estava aberta, e podia ouvir vozes vindo de lá de dentro. A conversa parecia bastante séria pelo tom de voz que se ouvia, e o assunto, era ela mesma.

     “Sofia, devíamos ter orientado direito essa menina.” Soou a voz que parecia mais próxima à porta aberta.

     “Mas por que Carlotita? Que orientação faltou à ela?” Falou a voz trêmula de Madame Sofia.

     “Não é justo ela continuar acreditando que vai encontrar a família dela, do jeito que ela está imaginando.”

     “Você sabe o que acontece quando uma informação dessas chega à uma pessoa adulta, imagine só para uma criança. O trauma é intolerável, irmã.” Argumentou Madame Sofia.

     “De quem será que estão falando?” Pensou Sabrina ao ouvir este trecho da conversa, se virando para sair e buscar outra rota de fuga. “Essas duas não dormem não? Já é tarde!”

     “Eu sempre acreditei que segredos não levam à nada. A verdade precisa ser dita, doa em quem doer.”

     “Quem será?” Se perguntou Sabrina curiosa, se decidindo a esperar mais um pouco.

     “Sabrina é muito esperta Carlotita. Ela irá descobrir sozinha, acredite, será melhor assim.”

     “Assim espero Sofia! Assim espero. Vou para o meu quarto descansar. Boa noite!”

     “Fica em paz irmã, vai dar tudo certo no final. Bom descanso!”

     Antes que fosse pega espionando, Sabrina voltou por sobre os próprios passos e decidiu que era melhor pegar a saída dos fundos. A sua cabeça agora fervilhava. Quais segredos estavam escondendo dela? Como era possível que ela não pudesse mais encontrar a sua família? Teria mesmo de fugir. Se antes estava meio arrependida da decisão que tomou, agora tinha certeza absoluta de que queria fugir. Ninguém poderia obrigá-la a ficar, ela tinha casa e família. Iria embora, mesmo que andasse por toda a floresta a noite, sozinha, rumo à cidade.

     A porta dos fundos estava trancada. Sabrina não fazia idéia de onde procurar a chave, então resolveu se arriscar a buscar uma saída pelo refeitório. “Sequestrada, em cárcere privado de luxo!” Disse em voz alta para si. “Como é que eu vou sair daqui agora? Tomara que se eu der a volta por esse bosque eu chegue ao portão da frente, senão eu estou perdida!” Pensou depois a garota torcendo para que a porta do refeitório estivesse destrancada, mas não precisou tanto, havia uma janela, no corredor próximo, bem aberta. Via-se a lua, bem grande e redonda, toda prateada, brilhando, envolta pelas constelações, todas faiscando brilho e luz. Não pensou duas vezes, pulou a janela sem dificuldade e caiu bem na horta onde o gigante Gui passava as manhãs trabalhando.

     Olhou tudo em volta, quase tudo era silêncio, ouviam-se apenas os grilos e uma coruja triste. A lua e as estrelas clareavam todo o caminho, andou até o jardim ao lado, na direção que pensava ser a saída. Havia somente um muro baixo separando este jardim do outro da entrada, pulou o muro e passou por debaixo da janela da sala, como uma criminosa fugitiva.

     “Meu Deus! Que susto!” Era só um guaxinim que passou correndo ainda mais assustado. Ganhou logo o portão da saída, este felizmente havia sido esquecido destrancado. Ao sair na estradinha estreita e sinuosa reparou, em volta, por todo o caminho, muitos portões iluminados, de forma semelhante àquele pelo qual havia fugido. Como não vira, naquela noite de chuva tão intensa, tantos outros portões pelo caminho? Será que não tinha mais ninguém em casa?  Era com certeza a mesma estrada, mas estava bem diferente. Será que era apenas a luz da lua que estava clareando melhor o caminho?

     Andou por bastante tempo, já começava a doer as pernas pela caminhada, quando chegou no lugar daquela pedra singular. Não havia mais nenhum outro caminho além da estrada por onde desceu. Tudo em volta era a floresta escura, uma névoa densa se formou, sua cabeça começou a doer terrivelmente e com passos cambaleantes andou sem rumo floresta adentro. Parecia hipnotizada por uma força sinistra.

 

Josemar Fonseca
Enviado por Josemar Fonseca em 04/10/2024
Código do texto: T8166449
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