Equipe de buscas
A luz branca que entrava calmamente pela janela naquela manhã era simplesmente encantadora e revigorante. Embora quase toda a construção daquela casa fosse enterrada sob o monte, era como se fosse uma espécie de caverna, onde se foi construindo uma casa aconchegante e confortável, as janelas dos quartos recebiam bem de frente toda a luz do sol logo nos primeiros momentos do dia. O que dava a cada dormitório um clima fantástico e cheio de vida para o despertar, que era sempre mágico. O ar fresco atravessava o vidro entreaberto e balançava as cortinas docemente, embalando também os cabelos de Paloma. Enquanto abria os olhos, a menina não sabia se ainda estava mergulhada em algum sonho bom, ou se já estava realmente desperta. O brilho da luz naquela manhã era fascinante, seus olhos demoraram um pouco até focalizar direito a beleza daquele novo dia, quando finalmente se abriram por completo, disse, com a voz ainda um tanto sonolenta:
“Sabrina, olha só que dia mais lindo!” E se virou lentamente espantando a preguiça para olhar a amiga que dormia na cama que foi colocada ao lado da sua. Como não houve resposta e logo viu que Sabrina não estava ali, levantou-se depressa. “Já deve estar tomando o café da manhã,” pensou a garota sorrindo “ela ficou mais de dois meses dormindo, eu também estaria desesperada por comida sólida.”
Foi até a janela afim de abrir as cortinas e ver o movimento no jardim, o sol já estava bastante quente naquela hora. Em seguida olhou as fotografias sobre sua penteadeira como sempre fazia em todas as manhãs, e no cantinho, por debaixo de um dos porta retratos, um pedaço de papel escrito à mão, com letras apressadas quase ilegíveis dizia:
“Amigos queridos…/Madame Sofia…agradeço imensamente a hospitalidade e o carinho que recebi…Giovana, Gui…vocês são muito fofos…Paloma, obrigada pelo carinho especial que teve comigo..estou indo pra casa…talvez eu demore a encontrar o caminho sozinha, mas eu prometo que em breve retorno para uma visita…Amo muito todos vocês…Sabrina”
Antes que terminasse de ler as lágrimas rolaram doloridas. O coração palpitou angustiado e preocupado. “Como ela pôde fazer isso com a gente? Será que ela não sabe que é perigoso andar lá fora sozinha?” Pensou Paloma muito triste, depois saiu apressada, correndo, para avisar Madame Sofia o que aconteceu. Saiu correndo do quarto, esbarrando em tudo e em todos que encontrava pelo caminho. Primeiro foi ao refeitório, na esperança de que aquele bilhete fosse uma brincadeira inocente e sem graça de sua amiga. Não podia ser possível que tivesse saído dali sem ninguém para acompanhá-la, além de perigoso, ainda estava muito fraca.
Não encontrou nem Sabrina, nem Madame Sofia ali. “Por que aquela desmiolada fez isso?” Pensou a garota correndo feito louca pelo refeitório sentindo uma angústia insuportável crescendo no peito. Quem ela encontrou por ali foi Dona Carlotita, como sempre àquela hora da manhã, nos afazeres do almoço, mas Paloma parou direto, não parou para conversar com ela como sempre fazia, mal a cumprimentou, seguiu sua correria apressada. Queria encontrar logo Madame Sofia, talvez ela já soubesse alguma notícia de Sabrina. “Mas como?” Andava desorientada, deu voltas no jardim que ficava na lateral do refeitório, depois entrou na horta, onde viu Gui trabalhando distraído, mas não o incomodou também. Finalmente foi à sala de leitura, onde encontrou Madame Sofia ocupada em alguma pesquisa importante para alguma de suas aulas.
Assim que a avistou de longe, na sala enorme, foi logo gritando, afoita. Relatou todo o ocorrido naquela manhã, tentando conter em seu peito aquele sentimento angustiante que não parava de crescer. Com a mesma calma de sempre, sem se abalar com a terrível notícia, Madame Sofia ouve a história, depois tenta acalmar a garota à sua frente: “Não chore desse jeito menininha, se acalme. Logo a encontraremos, ela não pode ter ido muito longe.”
“Por que será que ela foi embora Madame? Não cuidamos bem dela?”
“Sabrina ainda está presa à lembranças dolorosas e laços confusos de suas últimas vidas no plano físico. É normal que ela ainda sinta necessidade de entrar em contato com os seus familiares, mesmo não podendo ainda, na verdade ela ainda não percebeu o que aconteceu nesse período que esteve aqui conosco.”
“Por que não contamos logo a ela toda a verdade?” Falou Paloma chorando ainda mais triste e angustiada.
“A verdade não seria aceita prontamente, teria sido muito pior, aumentaria ainda mais a confusão em que a mente dela está metida. Ela precisa encontrar algumas respostas sozinha, mesmo que demore mais tempo, e isto é extremamente normal e aceitável. Cada um tem o seu tempo menininha, precisamos respeitar. Lembra-se como foi com você?” Disse Madame Sofia abraçando a garota, tentando acalmá-la.
“Então ela não sabe o que está fazendo, lá fora, sozinha, perdida.”
“Não se preocupe,” falou Madame Sofia com a voz firme e decidida, “nós a encontraremos e a traremos de volta!” Concluiu a simpática senhorinha dando instruções para Paloma encontrar Gui e pedir que ele viesse falar com ela.
“Sim, Madame, eu sei onde ele está!”
“Pare de chorar, sim!” Falou Madame Sofia olhando a garota sair secando as lágrimas dos olhos, um pouco mais calma.
Como era do conhecimento de todos moradores daquela grande casa de acolhimento, o gigante Gui, se encontrava todas as manhãs nos cuidados com a horta, de onde provinha a maior parte da alimentação de todos ali. Paloma foi direto ao encontro do gigante. Na horta haviam hortaliças dos mais variados tipos e qualidades, as cores com que enfeitavam os canteiros eram das mais ricas em vigor e beleza. Eram cultivados ali, também, os mais variados tipos de ervas medicinais, especiarias e temperos. Paloma encontrou Gui do modo que ele mais ficava à vontade. Estava atirado ao chão, de joelhos, arrancando ervas daninhas e revolvendo a terra com as mãos nuas, distraído com alguma canção, que devia ter aprendido em algum livro sobre piratas e a cantarolava despreocupado. Gui poderia passar o dia inteiro naquele estado de quase meditação. A garota veio gritando já de longe:
“Gui! Venha comigo depressa! Madame Sofia precisa te ver.”
Arrancado de súbito do seu insulamento,porém sem esboçar qualquer reação brusca, o gigante apenas levantou os olhos do que estava fazendo e parou de cantarolar a sua canção. Atirou mais um punhado de ervas daninhas ao cesto à sua frente e esperou a garota se aproximar apressada e concluir o que estava dizendo.
“Sabrina se foi Gui,” e sem conseguir mais conter o choro continuou, “e deixou um bilhete de despedida para eu encontrar. Quando contei o que aconteceu, Madame Sofia me pediu para te encontrar.”
Com o seu vozeirão grave e sempre sereno o gigante perguntou:
“Entendo! Por isso essa tristeza em seus olhos criança?” E antes que a garota pudesse esboçar qualquer reação continuou: “Eu pude sentir a sua inquietação assim que pôs os pés aqui na horta mais cedo. Agora se acalme por favor.”
Fazendo sinal de positivo com a cabeça, a garota permaneceu imóvel observando o gigante se levantar e se limpar, enquanto dizia: “Não será fácil encontrar a sua amiga por esses caminhos dentro da floresta. Você sabe, não é? Madame Sofia está na sala de leitura?” Com outro movimento de positivo, sem balbuciar qualquer som, a garota confirmou que sim, depois o gigante continuou: “Me encontre lá então. Vou terminar de me limpar e reunir a minha equipe de buscas.”
“Equipe de buscas?” Perguntou Paloma quebrando seu silêncio.
“Com certeza Madame Sofia irá me enviar atrás de Sabrina. Preciso da minha equipe. Não sabemos onde, muito menos como aquela criança está.” Disse o gigante saindo da horta indo em direção ao seu dormitório. Seguido por Paloma que iria passar primeiro em seu quarto, para buscar o bilhete que Sabrina deixou, afim de mostrá-lo à Madame Sofia e aos outros.
Quando chegou à sala de leitura já estavam todos reunidos. Assim que entrou, Gui lhe advertiu:
“Melhor conter essa tristeza criança. Com essa constante oscilação de sentimentos nada de bom poderá lhe acontecer.”
“Verdade menininha,” acudiu prontamente Madame Sofia, “já se esqueceu do episódio com vampiro?”
Paloma permaneceu quieta, tentando se acalmar. Estavam reunidos na sala, além de Madame Sofia e Gui, Giovana e Carlos, que faziam parte da equipe de buscas que o gigante reuniu e treinou para eventos adversos como o que estava acontecendo. Gui e Carlos poderiam ver, à distância, se algum vampiro estivesse dominando ou atacando Sabrina, ou quem quer que fosse. Giovana, por sua vez, possuía as mesmas habilidades curativas de Madame Sofia.
Antes que tivesse entrado na sala, Madame Sofia já havia instruído os outros sobre a sua missão, procurar e resgatar Sabrina do vampiro que a estava dominando novamente. Paloma quis ir junto para ajudar. “Eu posso ser útil. Eu e Sabrina temos uma forte ligação, eu sinto.” Dizia para tentar convencer Madame Sofia, mas quem respondeu foi Gui, com a voz firme e decidida:
“O vampiro que atacou vocês manteve um elo de ligação em Sabrina, o tempo todo que ela esteve aqui, mesmo dormindo, e ninguém percebeu. Ele foi muito esperto e se camuflou no meio dos pensamentos dela, dominando ela à distância, esperando o momento certo para convencê-la de que era decisão dela, a de se arriscar a fugir daqui, sem ninguém para acompanhar, debilitada como ela estava e sem ao menos se lembrar de onde veio. Os seus sentimentos Paloma, estão tão confusos quanto os dela, você seria um alvo fácil lá fora, mesmo se todos nós ficarmos de olho em você o tempo todo.” Então o gigante fez uma pausa, para verificar se a garota havia entendido, e continuou em seguida, com a voz mais branda: “Quer ajudar? Vibre positivo e ore pela sua amiga. Ela pode estar em qualquer lugar e nós precisamos encontrá-la o mais breve possível, ou ela vai acabar se tornando um desses vampiros.”
“Que horror Gui!” Respondeu a pequena garota assustada.
“Mas é verdade criança, nós não sabemos a ligação desse vampiro com Sabrina, mas parece que ele não vai descansar até tirar tudo dela.” Respondeu Gui.
“Como sabem que ele a atacou novamente?” Perguntou a garota bastante triste com aquela situação difícil.
“Não sabemos menininha,” respondeu Madame Sofia com a expressão preocupada, “é só uma suspeita, e uma prevenção. Do jeito que Sabrina chegou aqui, até a hora que ela saiu fugindo, tudo indica que o vampiro a dominou o tempo todo, e eu só lamento não ter percebido nada. Infelizmente eu não consegui ajudá-la direito.” Completou a senhorinha. E depois de uma longa pausa, sem resposta de nenhuma de Paloma, continuou: “Quero que volte às suas obrigações Paloma. Gui e os outros vão encontrar e trazer Sabrina de volta pra nossa casa.”
Sem forças para continuar argumentando, Paloma concorda, depois se despede de todos e volta ao seu quarto. Ainda estava de pijama e só então percebeu, chegando ao quarto, ainda com o bilhete de Sabrina nas mãos, indefesa e indecisa, somente deixa cair sobre o travesseiro que Sabrina usou aquela noite.