O FILHO SONHADO

Lá fora, no quintal da casa, havia muita gente ansiosa à espera de um resultado tão esperado e toda aquela tensão só foi esvaída com o som de um chorinho saído de lá de dentro da casa.

- É uma menina! É uma menina! Ela é linda, muito linda! Ela tem os olhinhos da cor de uma esmeralda! – disse a parteira, aos gritos.

Lá dentro, a mãe, em prantos, não parava de dizer:

- Me dá minha filha Mara Antonina, me dá Mara Antonina, assim a recente mãe Alvira falava agoniada. A criança nasceu com uma obrigação a cumprir: o seu nome iria homenagear seus avós maternos, Maria e Antonio.

Mara Antonina era a primeira filha de Alvira e do abastado fazendeiro Airon Nunes, que acabava de nascer. O pai não se mostrava nada contente com este resultado, pois seu maior desejo era ser pai de um menino... um macho e, já em contrariedade, se mortificava ao pensar que anos à frente Mara Antonina estaria espremida nos braços de qualquer um sujeitinho da redondeza. Não era esse o seu propósito, pois sempre pensou em ver sua casa cheia de machos e não suportaria a ideia de ter uma filha para, quem sabe, no futuro não ser muito direita e lhe dar grande desgosto.

E como era de costume no lugar, as pessoas iam chegando e se aglomerado na frente da casa de Airon Nunes na esperança de assistir aos foguetório; de bebericar algo ou, quem sabe, comer qualquer guloseima frutos das boas-vindas da bela Mara Antonina.

Mesmo a contra-gosto, Airon Nunes fingia estar contente e servia cachaça aos seus mais íntimos, da qual, ele também bebia.

Após o seu primeiro banho com ervas aromáticas e devidamente vestida de branco, Mara Antonina foi levada aos braços de seu pai Airon Nunes, que a pôs nas mãos e, erguendo-a, apresentou a todos os presentes no exato momento em que foguetes subiam ao céu com seus luminosos ribombos para avisar a chegada de mais uma criatura à toda comunidade local.

Passado dez meses, mais um chorinho de pós-parto se ouviu, e mais uma menina nasceu. Agora se somava a segunda filha de Airon Nunes e ele não era mais o mesmo homem desde o nascimento da primeira. Vivia triste e pensativo com o futuro que as aguardava. Nove anos depois - para seu desagrado -, Airon Nunes já tinha sete filhas, que em seus malditos pensamentos nenhuma delas lhes daria felicidade. Todas seriam amassadas por qualquer sujeitinho pobre da cercania e suas vidas estariam jogadas nas falas das plantonistas fofoqueiras do lugar.

Após o nascimento da oitava filha, que se deu numa sexta-feira santa, Airon fez um pacto com Alvira, e acertaram fazer uma rigorosa promessa para Santo Antão - o eremita do deserto -, no sentido de terem, pelo menos, um filho homem. Tinham a certeza de que a santidade os escutaria.

Ajoelhados, rezaram frente a uma imagem do santo e fizeram a sofrível promessa a ser paga na próxima sexta-feira santa. Rogaram para terem um filho homem e que, antecipadamente, pagariam tal compromisso na mendicância, ou seja: pediriam esmolas de porta em porta sem se importarem com o quê deles falariam.

Chegado o tal dia a vergonha apoderou-se de seus ânimos a ponto de quererem desistir do acordo com o Santo. Eles eram, na verdade, tidos como os mais ricos da região e não lhes caia bem pedir esmolas a quem menos tinha. Mas teriam que cumprir o compromisso, e assim fizeram: saíram vestidos de mendigos, seguidos das filhas. Não demorou nada para serem reconhecidos e desmascarados vergonhosamente. Nesse mesmo dia Alvira sentiu movimentos uterinos e avisou que já estava barriguda e, dias depois, de suas entranhas saíram duas meninas para crescer, ainda mais, a infelicidade daquele pai absolutamente machista.

Vinte e cinco anos depois, todas as filhas que nasceram com os olhos da cor da esmeralda, ainda permaneciam intocadas, intactas e bem distintas.

Até ali nenhum pobre do lugar se atreveu pedi-las em namoro.

Alvira ficou viúva e passou a contar pra suas dez filhas essa triste história e no final ela dizia.

- Filhas, com Santo não se brinca.

JOSE PEDREIRA
Enviado por JOSE PEDREIRA em 02/10/2024
Reeditado em 26/10/2024
Código do texto: T8164761
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