1198-AS LARANJAS DO SOL
AS LARANJAS DO SOL
Havia no grade pomar do sitio de João Valente, uma laranjeira que, por mais que fosse bem cuidada, nunca dava frutos. “Seu” Valente, homem mais paciente do que valente, cuidava dela todos os dias, regando-a e falando com ela, como se fosse um velho amigo: — Voce ainda vai me dar belas laranjas, eu sei. O desejo de Valente era fundado pois ela fora produto de um enxerto que ele mesmo fizera, de um laranjeira do seu vizinho, o Jonas. A laranjeira do Jonas era famosa, pois suas laranjas eram grandes, doces, perfumadas até, além da cor maravilhosa. Na noite de lua cheia, pareciam frutos mágicos, brilhantes, fantásticos. Uma tarde fresca de outono, pois havia caído uma boa chuva pela manhã, João Valente, passeando pela mata que havia no fundo do seu sitio, que ele conservava como “reserva florestal” chegou até uma grota bem profunda, coberta de samambaias e de todas as espécies de plantas de terreno úmido. Ao aproximar-se da mina, onde pretendia beber uns goles da água fria, quase gelada, encontrou uma pessoa que saciava-se da refrescante água. Quando ela se aprumou, afastando-se da mina, seu Valente observou-a curiosamente:era uma linda mulher, alta, morena, vestindo uma blusa branca e uma saia muito rodada e multicolorida: flores de todas as cores e tipos estampavam-se na saia que ia até o chão. Os cabelos negros estendiam-se pelos ombros e alcançava a cintura; olhos vivos e brilhantes. Estava descalça e n chão, perto de seus pés alvos, estava uma cesta cheia de frutas de cores vibrantes. Valente ficou como um bobo, pasmo, boca aberta sem saber o que falar. Mas pensou: Devo estar caducando... esta mulher tão linda, aqui neste socavão... Será que estou sonhando? Esfregou os olhos para ver se aquela visão era mesmo real. Sim, era verdadeira, tão real como ele que estava li, todo suado e mal ajambrado. Enchendo-se do coragem (...então sou ou não sou João VALENTE?), arriscou um cumrimenoto: “Bom dia, senhora!”, saudou ele, gentil e sorridente. A linda morena olhou para ele com um sorriso misterioso e respondeu: — Bom dia, seu João. Eu me chamo Flora. A senhora é nova por essas bandas? Mora por perto? — Sou caminhante, vivo andando por esse mundão afora. – Ela respondeu. E antes que João respondsse, foi falando: —Não sei por que, mas sinto que o senhor tem um problema com uma laranjeira, estou certa?” Assustado com a precisão da pergunta, o Sr. João confirmou, embora sem entender como a mulher sabia disso. A morena então aproximou-se e retirou de sua cesta uma laranja de cor dourada, como o pôr do sol mais bonito que ele já vira. —Esta é a Laranja do Sol - disse ela em tom enigmático. — Laranja do sol ? Nunca ouvi fala dessa qualidade... — Sim, respondeu Flora. Esta laranj carrega em si um mistério. Quando a árvore receber uma destas, os frutos virão como nunca antes. Mas cuidado, pois a árvore pedirá algo em troca.” Desconfiado, como todo homem do interior, perguntou: Mas que ela pode pedir de mim. Sou um pequeno sitiante, não tenho dada de valor para dar em troca. — Aceite e veráque só quero ver o senhor feliz. Quando sua laranjeira começar a roduzir, ela mesma vai lhe dizer o quer em troca. Meio que sem jeito mas confiando nas palavras de tão lnda mulher, seu João Valente aceitou a Laranja, — Eita que moça teimosa! Mas seja lá o que Deus Quiser”. No momento em que Flora colocou a Laranja do sol nas mãos de seu José, houve um enorme clarão e a moça desapareceu. O sitiante leou um susto e quase deixo a laranja cair. Mas agarrou com força, tremendo de terror, voltou ao seu sitio. Plantou a Laranja tal qual Fora lhe indicara, aos pés de sua laranjeira que nunca tinha dado laranjas. Os dias se passaram, e para sua surpresa, a árvore começou a florescer como nunca. Pequenas laranjas começaram a aparecer, e, em poucas semanas, a árvore estava carregada de frutos grandes e suculentoss. Entusiasmado, o Sr. João colheu as laranjas e as levou para vender na feira. Suas laranjas se tornaram as mais disputadas, e ele vendeu tods as que tinha trazido á feira, — Mais num é que morena misteriosa tinha razão? Pena que ela foi emboa naquele dia mesmo. — Mas, naquela mesma noite, enquanto dormia profundamente, seu Sr. João teve um sonho estranho. A laranjeira apareceu para ele, com uma voz suave e misteriosa: “Você tomou meus frutos, mas agora deve cumprir sua parte no trato. O preço por essa colheita é uma história.Todos os dias, terá de me contar um causo, uma história, um acontecido, uma coisa engraçada, —Todos os dias? — Sim, se falhar um dia, seco e morro.”
No dia seguinte, o Sr. João acordou com uma ideia fixa: contar uma história ao pé da laranjeira todas as noites. Sem hesitar, ele começou a narrar causos antigos, histórias de seus antepassados e fábulas que ouvira em sua infância. A cada história contada, as laranjas pareciam ficar mais brilhantes, e o sabor, mais doce. — No entanto, a medida que o tempo passava, Sr. João percebeu que as histórias começavam a se esgotar. E quanto mais ele se esforçava para inventar novas, mais difícil ficava. Uma noite, exausto, ele disse à árvore: “Não sei mais histórias para contar, minha amiga.” A árvore balançou suas folhas e, com uma voz gentil, respondeu: “As histórias nunca se esgotam, seu João. Elas estão no vento, na terra, nas estrelas. Você só precisa ouvir e imaginar.” — E assim, Sr. João aprendeu que a fonte das histórias era infinita. Ele continuou a contar histórias para a laranjeira, e as laranjas nunca mais deixaram de crescer, tão doces e luminosas quanto o ouro. E dizem que, até hoje, quem passa pelo sítio de João Valente ouve ao longe o som das histórias no vento, sussurrando entre as folhas da velha laranjeira.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Lagoa Santa (MG), 16 de SETEMBRO de 2024
Conto 1,197da Série Infinitas Histórias