O reino de Nem Nem

Todas as guerras nascem primeiro na mente. Tudo nasceu na mente; a Grande Mente é a origem de todos os mundos manifestados.

A Mente tem muitos filhos. Dela vieram a vontade, o pensamento, a ideia, o amor, a rejeição, o desejo, o orgulho, as invejas, os ódios, as apatias e as empatias.

Toda a realidade da Mente é construída a partir desses pequenos blocos que chamamos de pensamentos, sentimentos, anseios. Mas eles não são a Mente; são filhos da Mente. Portanto, são menores do que ela. Pergunto: poderia o filho ter o direito de ser maior a sua mãe, que lhe trouxe à existência?

Pois um deles tentou. Um dos primeiros filhos da Mente, o Desejo, rebelde e orgulhoso, ajudou sua mãe a construir todas as coisas. Através do Desejo, a Mente se expandiu e cresceu em muitas direções.

Mas o Desejo não conhecia limites e começou a crescer descontroladamente, em direções que a Mente não aprovava. Ele dizia que era melhor que sua mãe, pois tudo só existia por causa dele.

Foi então que, da necessidade, a Mente criou a Razão, a irmã gêmea do desejo.

A Razão limitava o Desejo e o impedia de crescer descontroladamente, para que não engolisse toda a criação.

— Não vá por aqui, não vá por ali. Opa, nada disso, mocinho! — dizia a Razão.

— Que irmã chata você é! Não posso fazer mais nada. — reclamava o Desejo.

Uma verdadeira guerra nasceu entre os dois irmãos. A Razão queria a todo custo controlar o desejo. Ela não confiava no julgamento de seu irmão rebelde e temia que ele se machucasse, se ferisse, ou pior, se destruísse e levasse com ele a própria mãe, a Mente. Não, a Razão não podia deixar isso acontecer.

Já o Desejo se sentia frustrado por não poder cumprir o propósito de sua existência. Ele foi criado livre! Totalmente livre!

— De que adianta tanto desejar, se sempre tem alguém pra me limitar? — pensava o rapaz.

Tão irritado e frustrado que estava, o desejo criou a Mentira e começou a enganar sua irmã. Ele estava ficando cada vez mais esperto e usava argumentos muito inteligentes para defender suas ideias mais malucas.

Mas sua irmã também era esperta, muito inteligente e já havia nascido desconfiada. Ela disse “não, não e não” a tudo que o Desejo queria, assim que percebeu as artimanhas da Mentira.

A mãe não aguentava mais tanto barulho e confusão. Ela queria paz, precisava apaziguar aqueles irmãos tão diferentes.

— Já sei! — pensou a Mente. — Vou dar uma casa para cada um deles.

Então, a Mente criou o dia e deu o Sol para a Razão, como seu castelo e moradia. Criou a noite e deu a Lua para o Desejo, como seu castelo e moradia. Assim, os dois poderiam reinar em seus castelos, e ela poderia tirar uma sonequinha. Mas veja só, não deu muito certo.

A Razão ficou toda feliz e, durante o dia, começou a construir tudo do seu jeitinho: um lugar perfeito e controlado, onde nada saía do planejado. Passava o dia inteiro construindo suas casas, ruas, avenidas e pracinhas, tudo para sua segurança e conforto.

Mas o Desejo, quando chegava sua vez, destruía tudo da irmã. E às vezes, nem era por maldade ou rebeldia; em suas estripulias, sujava as praças, quebrava as casinhas e entupia de brinquedos as avenidas.

Preciso dizer que a Razão ficou furiosa? E a guerra logo continuou: nada de paz, nada de poesia. Só confusão e gritaria.

A Mente, cansada de tanta confusão, convocou uma grande reunião. Chamou todos os seus filhos e disse que só sairia dali com uma solução.

Então, a Mente se lembrou:

— Minha filha mais velha, primazia de toda a criação, venha acudir sua mãe, minha linda princesa Sophia, a Sabedoria.

A Sabedoria logo veio ver a confusão e ficou chocada, perplexa com toda aquela situação.

— Calma, mãezinha, vou dar um fim nessa estripulia.

Ela pediu à mãe que criasse um terceiro reino, um reino intermediário, que não fosse nem dia, nem noite. O Reino do Nem Nem.

E então, desde então, Razão e Desejo se encontram sempre, na troca de turnos, no reino de sua irmã Sabedoria.

Lá em Nem Nem, ela se senta com os dois, serve chá de camomila e pensa nas mais sábias soluções para divertir os desejos e acalmar os medos, evitando sempre a confusão, a desordem e a autodestruição.

Só Sophia trouxe a calma e o silêncio que a Mente tanto precisava.

Viu a Mente que era bom, ficou feliz e satisfeita com tudo e, enfim, pôde descansar.

— Vovó, se a Mente é a mãe, então quem é o pai? A sua história não faz o menor sentido, vovó. Quando a senhora vai me ensinar a voar na vassoura? A transformar pessoas em sapos? Vovó, quero aprender a ser uma bruxa, me ensina magia!

— Hihihi. Toda grande história começa de um jeito, minha netinha, e a sua começa assim também.

A história da mente se repete todos os dias, bem aqui, nessa sua cabecinha que separa suas ventas. Ou ela só serve pra separar as orelhas? Hihihi.

— Vovó!!!