Luzes (Cap II - Madame Sofia e Gui, o gigante.)

Luzes (Cap II - Madame Sofia e Gui, o gigante.)

 

A luz avermelhada do fogo crepitando na lareira se espalhava por toda sala. Por toda volta, em todas paredes haviam muitas prateleiras cheias com incontáveis livros dos mais variados assuntos e autores, para todo tipo de gosto e leitor. Exceto na parede que dava para o jardim, onde uma exuberante cortina azul, enfeitada com girassóis de todos os tamanhos despencava desde o teto até o chão cobrindo a porta de entrada e a janela. Haviam também muitos sofás e espreguiçadeiras espalhados por toda sala, também almofadas, enormes e confortáveis. O clima ali dentro era bastante aconchegante, acolhedor.

 

Deitado confortavelmente sobre uma das espreguiçadeiras próximas à porta de entrada, com os seus mais de dois metros de altura e uma vasta e comprida cabeleira avermelhada estava o gigante Gui. Folheava tranquilamente o seu novo livro favorito de romance e de aventuras. Próxima ao gigante estava Madame Sofia, andando inquieta, de um lado para outro da sala, e isto ela já fazia a algum tempo.

 

"Qual o motivo dessa agitação toda Madame?" Perguntou o gigante impaciente depois de algum tempo. E depois levantando seus olhos, de um azul muito vivo, de sua leitura, concluiu: "Eu nunca vi a senhora preocupada desse jeito."

 

"Você não está sentindo meu amigo?" Perguntou a senhora idosa, de estatura diminuta e pele muito escura, parando mais uma vez diante da janela, que estava com a cortina entreaberta. "Eu sinto que algo terrível está acontecendo lá fora."

 

"Sinceramente Madame, só sinto que está muito frio, mesmo já sendo primavera." Respondeu o gigante abaixando o livro e tomando um gole de chá. "O que de pode estar acontecendo de tão terrível assim para te preocupar tanto?" Concluiu o gigante incomodado porque, por mais difícil que fosse qualquer situação, a sua amiga nunca se deixava abalar.

 

Madame Sofia era uma senhora idosa, mas possuía a energia de uma criança. A sua calma e paciência eram inabaláveis. Mas naquela noite estava inquieta e não sabia ainda o motivo. "Ainda não sei Gui," respondeu ela com a voz trêmula, ainda mais trêmula que de costume. Então se virou e, como já havia feito inúmeras vezes aquela noite, andou em direção a lareira. Buscando em meio a seus pensamentos alguma resposta àquela preocupação. Depois deu meia volta e foi em direção à janela, como quem espera por alguém que está muito atrasado, ficou parada ali, observando o jardim iluminado pela pouca luz avermelhada que escapava através da cortina. Observou os jasmins bailando alegremente na chuva que fazia muito tempo que não caia, depois olhou a sombra das árvores balançando com o embalo do vento e por fim o olhar se perdeu na escuridão que fazia mais além.

 

"Vamos Gui, depressa, precisamos ajudá-la! A menininha caiu lá fora perto do portão." Disse a senhora idosa bem alto indo em direção a um canto pegar um guarda-chuva.

 

"Mas o que? Como a senhora viu?" Disse o gigante se levantando depressa indo na direção da janela olhar o que estava acontecendo. "É longe e está escuro demais hoje", concluiu no momento que se ouviu soar o sino.

 

"Vamos depressa Gui, antes que ela fique doente!" Falou Madame Sofia abrindo a porta da grande sala. "Só me faltava essa! A senhora sabe que eu não gosto de chuva", reclamou o gigante.

 

"Cadê o seu bom coração meu amigo!" Insistiu a senhorinha no momento que o gigante se decide e sai correndo na frente dela pela chuva, ignorando o pedido pra que usasse também o guarda-chuva que era enorme e também azul e de girassóis.

 

O temporal caia mais intenso naquele momento, enquanto aquele peculiar casal de amigos atravessava o enorme jardim em direção ao portão. O gigante chegou primeiro, destrancou o portão e revelou para si, e logo em seguida para Madame Sofia, o frágil corpo da menina estendido no chão.

 

Sem esforço o gigante a ergueu, colocou sobre os ombros e saiu em disparada para dentro da casa. Madame Sofia saiu pelo portão olhando desconfiada tudo em volta. Não percebendo nada suspeito entrou e fechou o portão atrás de si. Alcançou o gigante com a criança sobre os ombros já dentro da grade sala de leitura.

 

"Acomode-a naquela poltrona perto da lareira Gui." Disse a senhorinha se aproximando com um cobertor nas mãos, que pegou no armário que ficava perto da entrada. "Tente acordá-la enquanto esquento uma sopa pra ela." Completou depois de cobrir a menina, depois saiu apressada na direção do corredor que dava para o refeitório.

 

Gui observou a menina dormir por alguns instantes, depois retirou seus sapatos molhados e sujos de lama. "Quem...é você...e onde...onde estou?" Perguntou a menina despertando.

 

Gui é o meu nome. Você está na Casa…" respondia o gigante sorrindo para a criança pequena diante de si, quando é interrompido por Madame Sofia que chega com uma grande bandeja nas mãos contendo um prato de sopa, algumas torradas e várias frutas vermelhas e suculentas. "Que bom que já despertou menininha!" Disse a velhinha simpática entregando a bandeja para Sabrina. "Coma bastante, você deve estar bem fraca. Quanto tempo ficou desprotegida nesse temporal?" Completou Madame Sofia se afastando para olhar melhor a menina.

 

"Não faço ideia senhora. Estou faminta, obrigada!" Respondeu a menina tímida olhando o gigante lhe sorrir como se fosse um velho conhecido. "Qual seu nome, criança?" Perguntou o gigante.

 

"Sabrina…" respondeu a criança assustada, indecisa. Parecia tão estranho dizer o seu nome aquela hora para aquelas pessoas estranhas.

 

"Termine de comer Sabrina, que vou lhe arrumar roupas quentes e limpas, e uma cama pra dormir. Depois que você descansar bem conversaremos melhor." Falou a senhorinha e saiu apressada deixando a menina aos cuidados do gigante.

 

"Gostou da sopa?" Perguntou Gui. "Eu mesmo colhi os vegetais e os cogumelos."

 

"Gostei sim, mas você não disse onde estou."

 

"Podemos dizer que é uma casa de recuperação." Respondeu o gigante olhando a menina devorar a sopa um tanto inquieta e preocupada.

 

"Estamos muito longe da cidade? Preciso voltar pra casa, estou perdida faz horas."

 

"É bastante longe", interrompeu Madame Sofia com sua voz doce e trêmula, "amanhã veremos como te ajudar a voltar."

 

"Madame ainda vai precisar de alguma coisa?" Perguntou o gigante fazendo cara de sono. "Não meu amigo, pode ir dormir. Bom descanso!" Respondeu a velhinha se despedindo.

 

O gigante se despediu e saiu pelo corredor. "Porque ele te chama de Madame? Não são amigos?" Perguntou a menina curiosa com aquela forma de tratamento.

 

"É só um apelido carinhoso que aceitei de coração. Agora venha comigo, sua roupa está separada e a cama pronta." Falou Madame Sofia convidando a menina a lhe seguir até o quarto de Giovanna, onde descansaria aquela noite.

 

Deitada sobre uma cama improvisada de última hora, ao lado de outra pessoa estranha, os pensamentos de Sabrina eram total confusão. Não sabia se ficava feliz ter encontrado um abrigo ou se chorava de desgosto pela sua triste condição. Simplesmente não sabia o que havia acontecido aquela tarde com os seus sentimentos e lembranças. Naquele momento queria apenas sumir. Dormiu chorando de tristeza e desgosto, mas com esperanças de que o dia seguinte traria alguma resposta ao seu triste coração.

Josemar Fonseca
Enviado por Josemar Fonseca em 07/09/2024
Reeditado em 17/09/2024
Código do texto: T8146431
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