Luzes (Cap I - A menina desmiolada.)

 

A luz amarela pálida, trêmula, e quase se apagando era a única coisa que Sabrina podia enxergar naquela noite no meio daquele temporal. Vinha a perseguindo havia muito tempo, na verdade esta luz foi sua guia desde que começou a chover no final daquela tarde. A menina vinha caminhando fazia muito tempo no meio daquela chuva e o cansaço já estava insuportável, mas, somente mais alguns passos e chegaria a seu destino.

 

Havia saído de casa aquela tarde sem rumo, estava muito decepcionada e triste, mas não fazia idéia do que havia acontecido pra ficar assim. Estava arrumada para ir a uma festa com os amigos do colégio. Levaria para que todos pudessem comer alguns biscoitos que fez de uma receita que aprendeu com a avó. Mas a mochila onde os havia guardado ficou sobre a mesa da cozinha, esquecida.

 

Saiu assim de casa, angustiada, triste, preocupada, mas não saberia responder a ninguém qual o motivo. Queria apenas aliviar aquele sentimento estranho andando um pouco. Deu algumas voltas pelas ruas do bairro onde morava, indo e voltando por aqui e por ali, até que se viu perdida em um lugar totalmente estranho.

 

"Como foi parar ali?" Se perguntou, mas não soube responder a si mesma, aquela questão parecia impossível naquele momento.

 

"Como iria voltar pra casa? Será que encontraria alguém ali na rua a quem pudesse pedir ajuda?"

 

Não, não saberia voltar pra casa sozinha, nem havia ninguém ali por perto, nem desconhecido, muito menos conhecido.

 

Acontece que os sentimentos e os pensamentos confusos só fizeram piorar com aquela andança toda. Agora estava perdida, só para dificultar um pouco mais o que já estava difícil. O que era aquele sentimento esquisito que a estava afligindo?

 

"Que bela merda que eu fui fazer", disse pra si mesma tentando se localizar naquele lugar estranho. Na verdade, desconhecido. Olhou tudo em volta e era agradável tudo o que via. Tinha bastante natureza em volta, diversas espécies de árvores, flores e plantas de muitos tipos na beira do caminho. E uma pedra, bastante grande, de frente para uma estrada sinuosa que seguia rumo a um ponto qualquer perdido bem no meio do morro à sua frente. Sentou-se sobre a pedra e ficou observando o lindo pôr-do-sol que se fazia naquele exato momento. Descrevê-lo aqui iria estragar a sua beleza, era um jogo de luzes muito bonito que se fazia desde o amarelo ouro do sol até o azul intenso do céu acima, passando por alaranjados e avermelhados de tirar o fôlego.

 

Sabrina ficou ali sentada por um bom tempo, tentando organizar os pensamentos, olhando todo aquele espetáculo da natureza. De tempos em tempos um bando de pássaros barulhentos passava em revoada de volta para o ninho.

 

"Talvez eu devesse ir até o final dessa estradinha pedir ajuda, não tem mais nada nem ninguém aqui por perto." Pensou a menina decidida ao ver uma pequena luz se acendendo ao final da estradinha. E tão logo decidiu o seu destino ouviu um trovão ensurdecedor, daqueles que dá medo em qualquer pessoa. Automaticamente se virou para o lado de onde veio o estrondo e o que viu foi desanimador e apavorante ao mesmo tempo. Uma chuva tremenda, daquelas que surgem de uma hora pra outra. E os raios, que horror, caiam um atrás do outro.

 

"Preciso sair daqui correndo", pensou Sabrina já em plena corrida, desesperada, "talvez tenha algum lugar pra me esconder depois daquela curva."

 

Logo percebeu que era inútil tanta correria, seu vestido de festa e os sapatos de dançar, da mesma cor, um azul bem clarinho, da cor do céu ensolarado, já estavam encharcados poucos instantes depois que saiu correndo. A chuva logo a alcançou, seus cabelos longos e negros grudavam molhados e gelados nas costas. Sua única alternativa era seguir aquela trilha misteriosa na direção daquela luz amarela. Para onde mais poderia ir?

 

Chegando mais próximo, alguns quilômetros morro acima, com pés e pernas já bastante doloridos a menina conseguiu ver afinal que não estava errada, havia ali, bem debaixo da luz amarela um portão grande e verde. Só mais um pouco, mais alguns passos e estaria a salvo da tempestade. Quanto tempo correu? Quanto tempo andou? Sabrina não sabia mais. Agora, apenas se arrastava por aquela estrada de terra batida, extremamente bem cuidada. Não tinha buracos, não tinha lama, mas mesmo assim a menina tropeçava, uma vez aqui, outra ali, estava exausta, não aguentava mais andar.

 

A chuva, e que baita chuva, não parava de cair. Diminuiu um pouco, mas por um tempinho só, depois despencou, ainda mais volumosa. E o vento, não estava ajudando, a empurrou o tempo todo morro abaixo, mas a menina era insistente e finalmente conseguiu chegar.

 

"Mas este portão não é verde, ele é azul. Deve ser por causa dessa luz amarela que pareceu verde." Pensou a menina, rindo logo em seguida, esquecendo por um momento do seu desespero. Olhou pelas frestas da madeira afim de ver se havia alguém ainda acordado naquela casa aquela hora. O que pode ver, entre os clarões dos raios que ainda caiam, bem ao fundo, lá longe, enterradas no morro, uma porta e uma janela; em frente à janela, iluminado pela luz avermelhada que deixava escapar um jardim bastante florido e mais adiante, mais próximo ao portão, muitas árvores, de todos os tamanhos e no meio das árvores uma espécie de túnel formado por glicínias em flor, e depois ainda uma escada pequena já ao pé do portão onde estava.

 

Gritou por socorro, esmurrou o portão, ninguém pareceu ouvi-la. "O que vou fazer? Não tem campainha. Meu Deus, que fome horrorosa. Estou cansada demais pra voltar." Pensou a menina lembrando sua casa e os biscoitos deliciosos que sua avó lhe havia ensinado a fazer poucos meses antes de desencarnar, e que fizera com tanto capricho para a festa que não iria mais.

 

"Veja filhinha, como a massa fica bem mais bonita misturada à mão", lembrou chorando de saudades da avó que vinha sempre lhe visitar em espírito.

 

Esmurrou com mais força ainda o portão. "Será que ninguém vai me ouvir?" E bateu mais forte ainda no imenso portão de madeira, não, talvez sua força não fosse suficiente, estava fraca demais, então tentou gritar, mas não conseguiu. Então caiu um raio, e mais outro, depois a chuva deu uma paradinha. "Será que acabou finalmente essa chuva interminável?" Pensou a menina olhando automaticamente para cima afim de conferir se realmente tinha parado o terrível temporal. Só então percebe, caprichosamente dependurado sobre sua cabeça um sino, daqueles antigos de bronze que servia de campainha.

 

"Tomara que tenha alguma alma boa em casa", pensou Sabrina segurando forte a cordinha que descia por debaixo do sino e balançou uma, duas, três vezes, caindo logo em seguida sem forças. E antes que perdesse a consciência viu que a chuva voltava a cair bem mais forte do que antes.

Josemar Fonseca
Enviado por Josemar Fonseca em 02/09/2024
Reeditado em 17/09/2024
Código do texto: T8142650
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